de Paula 16/12/2021
Ser predestinado a algo extraordinário, ainda que desatento
Com o título do livro imaginava que Henry traria uma aventura na Índia ou na África, como muitos autores contemporâneos seus adoravam fazer, mas ainda bem que estava enganada - não sei se estaria pronta para outro no Coração das trevas. Mesmo não tendo este tipo de temática, não quer dizer que em poucas páginas James não soube cutucar a ferida onde dói e tenho que confessar que adorei a leitura.
Este é o meu segundo contato com o autor, o primeiro foi com a Outra volta do parafuso, onde me deparei com essa escrita nada clara, cheia de nuances e informações nas entrelinhas, que causam certa angústia no leitor de tentar entender o que está acontecendo, ao mesmo tempo que você não consegue desprender da história até chegar ao fim dela. Esse é o estilo pessoal do Henry e por vezes afasta alguns leitores por conta dessa experiência mais truncada. Confesso que sofri um pouco com a Outra volta do parafuso por estar desacostumada, mas A Fera na Selva me ajudou a quebrar essa impressão.
A história conta sobre o personagem John, que tem a convicção que nasceu para um evento extraordinário e comenta isso com uma jovem em uma viagem à Itália dez anos antes do início da narrativa. Eles se reencontram numa exposição e May questiona se a situação tão aguardada já aconteceu. Ele afirma que não e ela decide fazer parte da vida dele para presenciar quando tudo acontecer.
O que deixa o leitor confuso em meio a essa história é o fato de que as páginas passam e não descobrimos o que é esse bendito momento, assim como o próprio protagonista. Eles envelhecem e May descobre o que é o evento e confessa a John que já passou. Infelizmente, ele a perde antes de conseguir com que ela confessasse a verdade e isso o corrói por muito tempo.
May o protegeu, fez dele um homem comum aos olhos da sociedade, suportou os escândalos que envolveram o nome dela, uma mulher solteira amiga de um homem solteiro na era Vitoriana (mesmo que a publicação tenha sido em 1903, Henry foi um homem desta era), tudo para estar ao seu lado quando ele enfim se desse conta do evento extraordinário. Às vezes o ego não nos deixa ver o que está na frente dos nossos olhos.
John só compreende o grande evento para o qual estava predestinado anos depois dele acontecer, quando já tinha perdido tempo demais permitindo que a vida fosse uma selva fechada intransponível, mesmo com a fera o espreitando a vida inteira.
É um livro sobre a nossa mania de ser humano de se sentir especial demais, de achar que foi predestinado a grandes coisas, que algo extraordinário está no caminho e assim deixa de viver, de olhar o mundo, tão preso ao pedestal do ego e do orgulho. As coisas comuns podem ser extraordinárias, desde que você saiba vivê-las e coisas incríveis podem passar desapercebidas por quem não sabe viver. Não tem nada de ruim ser comum, é bom, importante, saudável e necessário para nos fazer humanos, o resto é megalomania.
Um ótimo livro para refletir sobre o que temos feito com as nossas vidas esperando por um momento extraordinário que pode ser algo comum que muda a nossa vida, se permitirmos. Vale a leitura!