Catarina410 28/10/2023
Borboletas no estômago
Machado tem meu coração. Sua escrita me abraça, apesar da maneira que costuma desenrolar as narrativas.
Iaia Garcia foi uma obra que despertou sentimentos extremamente contraditórios.
Feita uma leitura despretensiosa, pude enxergar anseios e medos que costumam acompanhar minha pessoa. Ver através dos olhos das personagens e me sentir um pouco de cada uma delas: o egoísmo, a paixão, os pavores, os desejos e necessidades.
Sentir Estela, em sua autopreservação, Jorge, com seu ardor cegante, Luís e sua introversão e Iaia imersa em seus amores e vivências juvenis.
"Respondo que sim e que não, disse ela. Se me pergunta a quem amo, digo-lhe que não sei, não amo ninguém; mas sinto alguma coisa misteriosa e esquisita, e não sei... desconfio... não sei que seja. Porque é que as mesmas coisas, que me eram indiferentes, agora me parecem interessantes, e até chego a supor que me falam? Ainda há pouco, antes de o ver, estava a olhar embebida para o céu, quase sem pensar, mas ainda assim curiosa ou ansiosa; olhava para o céu e para o mar; o coração apertou-se-me; depois largou-se-me como se quisesse devorar tudo. Há dias em que me levanto alegre e viva, como uma criança; papai diz que são os meus dias azuis. Há outros em que tenho vontade de quebrar tudo, e não digo mais de duas palavras em cada hora; são os meus dias negros. Ouço às vêzes uma voz que me fala; penso que é alguém e reconheço que a voz é a da minha própria imaginação. Tudo será imaginação, creio; mas é tão novo e tão bom! Em todo caso, parece-me extraordiná- rio, e se não é loucura... É verdade, às vêzes penso que
vou ficar doida, e nessas ocasiões tenho mêdo. Será isso?
- Não, acudiu Jorge, não é loucura, é sabedoria, é a grande sabedoria da natureza. Isso que sente, não será amor; mas é a necessidade de amar; é o rebate que lhe dá o coração. Alguém virá um dia, e a voz anônima, que a senhora costuma ouvir, lhe falará então pela boca do homem que o coração lhe apontar."