Sabrina758 23/10/2022
Um livro que começa gigante, instigante e promissor, mas vai perdendo a potência no final. Apesar de ter lido a sinopse antes de começar, me peguei em vários momentos surpresa com as falas do senhor Utsugi, e adoro ter esse tipo de choque com leituras.
Narrado em primeiro pessoa no formato de diário, vamos acompanhar por um pouco mais de um ano a rotina e os pensamentos mais íntimos do patriarca da família Utsugi. Com muitos elementos da cultura japonesa, como referência a filmes, peças, atores, poemas, ritos de passagem, entre outras coisas, a leitura se torna bastante rica nesse sentido.
Porém, pelo formato em que é contada, acaba ficando cansativo e traz algumas informações que, ao meu ver, não acrescentam muita coisa ao plot. Voltando ao principal, o velho nutre uma obsessão por sua nora, Satsuko, na qual entra em um jogo que beira à perversidade com o sogro, tornando-se o único motivo pelo qual a vida dele, aos 77 anos, ainda tem graça.
Aqui temos um vislumbre escancarado da sexualidade na velhice. Para muitas pessoas é difícil aceitar que idosos ainda são seres sexuais, que tem desejos e vontades. Uma das coisas que mais admirei nesse livro é essa ousadia, ainda mais pela época em que foi escrito/publicado.
Além dessa sexualidade exacerbada, desse desejo proibido e obsessivo, acompanhamos as dificuldades e o declínio na saúde dele, nas quais ele se questiona a todo momento se vale a pena viver dessa forma. A única pulsão de vida dele é o desejo por Satsuko que, da forma dela, tira proveito disso para satisfazer suas próprias vontades. Engraçado é que, por essa pulsão de vida, ele acaba por se colocar perto da morte o tempo todo, porque o seu corpo não é capaz de suportar fortes emoções.
É muito interessante acompanhar a relação deles, uma certa depravação, mas também me faz refletir sobre a admiração que ele nutria por ela, uma mulher que quebra todo o paradigma social do que se espera de uma dama para aquela cultura e contexto. Ele ressalta o tempo todo o quanto ela é cruel e fingida, que é indiferente, e é exatamente isso que o deixa ainda mais atraído por ela. Ele se degrada e humilha, se deixa ser pisado, em troca da mísera atenção da mulher.
Penso que ele se reconhece nela, de forma inconsciente. Pois o comportamento que ele tem para com a família, especialmente a filha e a esposa, é exatamente o que ele exalta em Satsuko. Literalmente, a única coisa que o mantém interessado na vida é essa relação conturbada que tem com a nora. A impotência sexual não faz com que ele deixe de gozar de outras forma que, nesse caso, aparece bastante em forma de degradação e voyeurismo.
É um livro, sem dúvidas, muito original e ousado, com personagens e relações bastante interessantes e complexas. Mas, vai perdendo o ritmo no decorrer dos capítulos, o que acaba por cansar o leitor, e ainda com um final aberto e abrupto. Merecia mais desenvolvimento. Ainda vale a leitura? Vale, sim. Só mantenham as expectativas mais baixas.