Resenhas - Miramar

LETRAS e VEREDAS 22/08/2022

UM RETRATO DO PERÍODO PÓS-REVOLUCIONÁRIO
O escritor egípcio Naguib Mahfouz, laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1988, é um dos principais representantes da literatura em língua árabe do século XX. O teórico Edward Said, num ensaio contido no Reflexões sobre o exílio, acredita que a carreira literária de Mahfouz é notável não somente graças à extraordinária duração de sua vida ativa na literatura, mas também porque sua obra é profundamente egípcia e fundada numa visão territorial e imaginativa de uma sociedade única no Oriente Médio. Essa visão de Mahfouz pode soar limitada, porém é fundamental compreender que, devido ao seu poder e história, o Egito é um lócus importante na propagação de ideias e movimentos árabes.

Miramar retrata o período posterior à Revolução Egípcia de 1952 que culminou na derrubada da monarquia de Farouk I e a ascensão do regime militar “Movimento dos Oficiais”, liderado por Muhammad Naguib e Gamal Abdel Nasser. A “Revolução” é um dos principais temas da narrativa porque suas consequências atingem diretamente a vida das personagens.
Numa narrativa fluída e, ás vezes, dotada de lirismo, o enredo do livro transcorre na pequena e decadente pensão Miramar, localizada na área litorânea de Alexandria. A trama da história é narrada por quatro hospedes da pensão e se concentra nos eventos que culminaram no enigma da morte de Sarhan Al-Biheiri, um jovem ambicioso e sedutor que trabalha em uma companhia têxtil de Alexandria. Durante as quatro narrativas, o presente e o passado das personagens se mesclam e oferecem um rico panorama da realidade social e política egípcia pós-revolucionária.

O grande mérito do livro não reside apenas em reunir vozes que encarnam as diferentes classes sociais e ideologias do Egito pós-revolucionário, mas também a sua capacidade de integrar elementos que nos permitem refletir acerca do desencantamento ocasionado pela deturpação dos valores da revolução egípcia e seus reflexos nos dias atuais.