Ana Aymoré 22/04/2019Aquele livro da vida inteiraConsiderar O profeta do Khalil Gibran como releitura é bem pouco, considerando sua longa presença na minha vida. Penso que o li pela primeira vez no finzinho da infância, quando descobri a literatura dos povos árabes, seja através dos relatos maravilhosos das mil e uma noites, seja pelas compilações dos mitos nos livros do Malba Tahan, ou outras narrativas que eu buscava, sempre, com a certeza do encantamento. Na juventude, uma edição já surradinha do livro oriunda da biblioteca familiar dividia espaço na mochila com as cartas de tarô e os livros da faculdade. E, anos mais tarde, quando nasceu o meu filho, aquela primeira foto que enviei a pessoas queridas era acompanhada de alguns dos meus versos favoritos de O profeta: "Seus filhos não são seus filhos./São filhos e filhas da Vida que anseia por si mesma./Eles vêm ao mundo por meio de vocês, mas não propriamente de vocês,/ E embora com vocês vivam, não lhes pertencem. [...]/ Vocês são os arcos pelos quais seus filhos, como flechas vivas, são lançados."
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Muitas vezes emprestei esse livro a alguém, recomendando a beleza dos seus ensaios poéticos sobre amor, vida cotidiana, liberdade, trabalho, amizade e transcendência, bem como sua mensagem de um humanismo comovente, de caráter ecumênico. Numa dessas ocasiões o perdi de vista, e passei quase duas décadas sem pousar novamente os olhos sobre suas páginas. Até que, dia desses, numa daquelas totalmente despretensiosas passadinhas na livraria, topei com essa nova edição, tão lindinha e bem acabada, da poética mística e visionária do autor libanês, e as palavras universais e inspiradas de Almustafa, o purificado, voltaram a fazer parte da minha vida:
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"Se sou um caçador de silêncios, que tesouro terei encontrado nos silêncios que hoje possa compartilhar convicto?/ Se hoje é meu dia de colheita, em que campos terei cultivado as sementes, em que estações esquecidas?/ Se é mesmo a hora de levantar minha lanterna, não é minha chama que brilhará dentro dela./ Levantarei minha lanterna sem luz, vazia,/ E o guardião da noite trará o óleo e acenderá a chama."