jota 29/01/2015Taca-lhe pau, HouellebecqBasicamente o livro de Houellebecq é sobre arte, dinheiro, trabalho, doença, morte e amor. Tanto que quando o personagem principal, Jed Martin, se vê envolvido num assassinato – um brutal assassinato (e a grande surpresa aqui é quando se descobre não quem é o assassino, mas o assassinado) - já passamos da terceira parte do livro e se alguém espera por suspense ou grandes revelações vai se decepcionar.
Jed Martin, um artista plástico (ou pintor), já por si é uma pessoa com comportamento bastante diferenciado, não apenas por conta do que faz e sim como é desde garoto, o que torna o livro interessante do início até o final. Imagine então quando entra em cena, como segundo personagem principal, um autor polêmico, talvez o mais famoso escritor francês da atualidade. Não que daí O Mapa e o Território se transforme numa peça literária cheia de nonsense, nada disso, ele ganha em inventividade e ironia fina.
Não é completamente verdadeiro dizer que essa celebridade entre em cena em determinado momento; na verdade ele está presente desde a primeira linha com seu humor ácido (“afiado como uma navalha”, como diz o Financial Times), ironia, graça e conhecimento de tanta coisa que pode ir de um vinho caríssimo até mesmo ao funcionamento de uma impressora a laser. Ainda que em certos trechos ele tenha usado a Wikipedia como inspiração, como se fica sabendo na página final.
O título curioso, que pode levar alguém desavisado a imaginar que se trata de um livro de geopolítica ou algo parecido, é totalmente coerente com a proposta de Jed Martin de transformar um mapa Michelin (quem nunca viu um?) do território francês (ou de uma parte dele) em obra de arte – e os mapas Michelin por si já são muito belos. Afinal de contas, eles - mesmo os piores que desenhamos ou copiamos - nos encantam desde crianças, não? É aí, a partir dessa ideia aparentemente simples, que Jed começa a ficar famoso e rico.
Não é só a marca Michelin que praticamente se torna um personagem do livro. Houellebecq não satisfeito com isso também cita outras marcas famosas, pessoas conhecidas, obras de arte, livros, filmes, atores, autores etc. todos reais, o que torna O Mapa e o Território muito mais próximo do leitor, mais saboroso ainda.
Entram na dança do escritor, “de maneira impiedosa, a sociedade francesa, o mercado de arte e as altas rodas literárias. Mas apesar da visão pessimista da natureza humana, permanece ao fim da leitura um sentimento de beleza, melancolia e compaixão.” – como diz a editora brasileira do livro, a Record. Isso não é apenas propaganda da editora, é verdade.
Por todas essas qualidades e outras mais, O Mapa e o Território merecidamente foi premiado com o Goncourt de 2010, a mais notável láurea das letras francesas.
Lido entre 24 e 29/01/2015.