O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam

O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam Evandro Affonso Ferreira




Resenhas - O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam


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Marcelo Rissi 20/10/2022

O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam
Encerrada, há pouco, a leitura de ?O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam? (Evandro Affonso Ferreira) ? e com as ideias ainda fervilhando no imo do espírito leitor ? , ocupo-me deste espaço para compartilhar, com a devida licença, algumas singelas impressões, em breves palavras, extraídas dessa experiência literária, recém-ultimada.

Diretamente ao ponto: obra liricamente escultural.

A narrativa é centrada numa pessoa ? cujo nome é uma incógnita ? que teve o coração esfacelado/dilacerado após sofrer uma dolorosa decepção amorosa (?Acabou-se; adeus? é o teor do bilhete ?elíptico? que a sua ?imortal amada? ? palavras do próprio personagem? ? lhe deixou, certo dia, de forma inesperada e sub-reptícia).

Desde então ? há dez anos ? , ele, personagem anônimo e misterioso, vive em situação de rua, no limite entre a razão e a loucura, enquanto aguarda, obsessivamente, o retorno da ?imortal amada? que, há década, ?levantou âncora?. O nome dela, também incógnito, é iniciado com a letra N e sequenciado por 4 (quatro) outras letras, não reveladas (meu palpite é ?Nádia?). Ela possui aroma de alecrim e é oncologista. É praticamente apenas o que se sabe sobre ela a partir dos dados informados pela/na narrativa.

Ele, personagem principal, é ? pelo que se depreende ? bastante culto, além de entusiasta e voraz leitor e, por isso, é usualmente presenteado com alguns livros ao longo de suas andanças erráticas. Assim, o misterioso mendigo ? indivíduo central e voz do enredo ? acaba memorizando os adágios de Rotterdam (diversos deles, citados no original e traduzidos ao longo da narrativa, em sintonia com o contexto de cada cena).

A história é construída, basicamente, no interior dos pensamentos do personagem e se baseia num hipotético monólogo com alguém não especificado/revelado, presumivelmente o próprio leitor.

O conteúdo do colóquio ? formado por reflexões, devaneios e, até mesmo, alucinações ? gira em torno da dor pelo amor perdido e, também, da vida das outras pessoas em situação de rua, que ele observa atentamente sem, porém, conversar diretamente com elas. Embora sem muito interesse pelo passado ou mesmo pela identidade e individualidade daquelas pessoas ? aludidas apenas por apelidos, como ?menino-borboleta?, ?mulher-molusco? e ?alcoólatra de rosto intumescido? ? , ele tenta imaginar as histórias delas e o que as levou àquele destino, desatino e desventura/infortúnio, inclusive a partir de pontuais boatos, não confirmados, que circulam naquela ambiência.

O monólogo também envolve a esperança ? autoconvencida, mas, aparentemente, desacreditada pelo próprio personagem ? de um reencontro, ainda que fortuitamente, com a sua amada, o que lhe serve como anteparo contra a loucura ou, até mesmo, contra a morte prematura. O personagem mantém viva e presente essa esperança, com contornos de obsessão, ao pichar/grafitar a letra N em todos os poros do espaço urbano e no próprio tatame que lhe serve como colchão (fazendo-o, nesse objeto, ao seu canto superior esquerdo, forçando o personagem a relembrar, compulsivamente, a amada, todos os dias, logo ao acordar e imediatamente antes de dormir, já que ele posiciona a cabeça nesse ponto do tatame ao se deitar).

A escrita, quase poética (embora o livro seja construído em prosa, não em versos), é fluida e repleta de figuras de linguagem e metáforas. O autor trabalha amplamente com aspectos sensoriais, notadamente olfativos ? , a exemplo da caracterização de personagens pelo seu habitual aroma (alfazema, alecrim e ?fedentinoso?) ? e visuais, com ampla descrição da arquitetura urbana da ?metrópole apressurada? sobre a qual o enredo se desenvolve.

Pedindo licença e abrindo parêntese para um testemunho pessoal: particularmente, gosto muito de histórias que possuem, como pano de fundo, a arquitetura urbana, especialmente a de grandes cidades.

Adiante.

O personagem enxerga beleza e poesia em todos os cantos, no (e apesar do) tom cinzento da cidade, que ele apelidou de ?metrópole apressurada?. Regozijou-me esse contraste e, nas visitas à capital do estado onde moro, eventuais, sempre tento observar esses contrastes e essas dissonâncias, que, captadas, também maravilham. Nos recônditos labirínticos da internet, deparei-me recentemente com uma frase que, a meu aviso, está afinada a essa percepção. Transcrevo-a, pedindo perdão pela ausência de citação de fonte, cuja autoria desconheço:

?Sou a favor da literatura nos muros. Já pensou andar pela cidade e ver uma poesia em cada esquina?? (publicação acessível por meio do seguinte link: https://www.facebook.com/mocaepoesiaoficial/photos/5351593138264184).

Esse panorama de dicotomias é, inflexivelmente e sem concessões, o tom que norteia essa obra lapidar e liricamente escultural. É o meu livro favorito entre aqueles, por ora, indicados no clube de leitura promovido pela instituição onde trabalho.

Convida-se à leitura, enfaticamente.

Altamente recomendável.
Aryana 28/10/2022minha estante
Bravo!! ??????


Marcelo Rissi 28/10/2022minha estante
Muito obrigado!!! Boa leitura! Depois quero saber o que você achou do livro, por favor.




Rodrigo Scarabelli 18/01/2022

Mendicância e desamparo de corpos e almas
O livro acompanha um pouco da rotina de um morador de rua letrado, que vive "sem rumo" há cerca de 10 anos a partir de um rompimento amoroso do qual não se recuperou. São as falas e considerações desse intrigante personagem sobre sua vida, cotidiano e desilusões o que compõe o capítulo único a transcorrer como uma catarse, um desabafo entalado esperando ouvidos atentos que lhe deem vazão.

Nós, leitores, somos convocados sobretudo ao lugar de escuta. É a nós que a personagem dirige suas falas, para nós que desabafa suas angústias e segreda a teimosa esperança de que um dia quem partira vai retornar, para salvá-lo da loucura e do desamparo.

Sob os olhos do mendigo letrado temos contato com um pouco da alma de outros moradores de rua que povoam o lugar. O menino-borboleta, prenhe de sonhos; a mulher-caracol que carrega nas costas a tristeza do mundo; os mendigos maltrapilhos bêbados, sempre com uma garrafa bojuda nas mãos; o sherazade tocando sua gaita de boca e encantando os ouvintes; o novato ainda melhor composto e com uma maleta de pertences, sem saber que suas coisas não vão durar, a não ser na memória. Cada um com dores de alma lancinantes e em comum o sentimento de total abandono e desamparo.

Vale a pena parar e ouvir a personagem. O que se passa com as gentes nos sinais, nas praças, perto de mercados e padarias a pedir dinheiro? Que histórias de vida teriam a contar? Que dissabores e dores conduzem-nos àquele momento?

Escutamos histórias e sonhos entalados na garganta esperando ansiosamente ouvidos interessados. Quem lê o livro se dispôs na história a olhar os invisíveis nos olhos e reassegurar-lhes existência.
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Luciano 04/05/2020

"Solidão é melancolia travestida de saudade"
Um culto morador de rua tenta manter viva em sua memória a figura da amada que lhe abandonou e por quem espera há 10 anos. Enquanto luta contra a miséria e a loucura, descreve a cidade fria ao seu redor, assim como seus moradores indesejados. Um retrato sensível da solidão humana.
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Hilton Neves 19/04/2020

Embora apresente um estilo interessante e nos faça contatar a inteligência mítica de Erasmo, o protagonista parece escolher agir assaz beta, levando à conseqüências extremas! ... Ainda que se reconheça que sua ex fosse alguém admirável, por que ele simplesmente não busca achar outra garota?!?
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Wlange 17/03/2020

O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam
O narrador-personagem é um homem muito culto que, há dez anos, foi abandonado pela mulher amada. A partir desse trauma, ele se tornou um mendigo. Ele narra pequenos acontecimentos de uma manhã, entremeados com memórias e reflexões sobre suas próprias esperanças e medos, inclusive o medo de ficar louco.

Texto bonito, estilo marcante, vocabulário bem aproveitado, traz perspectivas interessantes, mistura passado e presente sem criar confusão. Gostei muito.
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none 30/04/2019

Linda surpresa literária
O mendigo que sabia de cor adágios de Erasmo de Rotterdam, um titulo que chama a atenção logo de cara. Se fosse apenas "O mendigo", ou "O mendigo leitor", ou então um obscuro "N, a amada imortal que levantou âncora" nós leitores perderiamos contato do mendigo que lia e decorava os adágios do filósofo holandês. O autor intercala a estória com adágios e passagens da vida de Erasmo. O narrador mendigo grafita a letra N, nome da namorada que ficou no passado, em postes e muros da cidade grande. Sua grande esperança e motivo para seguir vivendo nas ruas, na imundície corporal e exterior, é a vinda de sua musa para resgatá-lo dessa vida cruel. Esse grande diálogo entre o mendigo e um locutor (des)conhecido é o que mais importa no livro. Tudo o que ele sente, cheira, toca. Tudo o que ele tem, seu tatame, seu fedor, sua ferrugem à trouxe-mouxe por SP e seus contatos com outros moradores de rua - a mulher molusco, o menino borboleta, os bêbados. As repetições de frases feitas "eu odeio vocês", os adágios de Erasmo de Rotterdam, as frases de esperança e espera, as canções que ficaram guardadas em sua memória como recordação do passado comum compartilhado com a amada, tudo isso tem seu lugar e motivação. Importa mais o caminhar do que o objetivo. Estória tocante.
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Leila de Carvalho e Gonçalves 24/07/2018

Destrambelho In Totum
Ao correr os olhos pela lista do vencedores do prestigiado Prêmio Jabuti de 2013, um livro chamou minha atenção, o vencedor de melhor romance, graças a seu insólito título: um ?destrambelho in totum?.

Como é possível um mendigo saber de cor os adágios de Erasmo de Rotterdan? Isso é um acinte à minha empáfia: uma suposta leitora voraz que desconhecia tanto as máximas do filósofo como jamais havia ouvido falar em Evandro Affonso Ferreira, o premiado autor...

Tratei de abandonar minha fanfarronice e dei de cara com essas surpreendências da vida, uma pequena obra-prima da ourivesaria literária. Em poucas páginas, fui apresentada a um andarilho mnemônico que debaixo de uma marquise, tece um desabafo sobre dez anos de solitude e mendicância voluntária, após sua amada levantar âncora, deixando apenas um elíptico bilhete: ACABOU-SE; ADEUS.

Num jorro descontínuo e desarticulado de palavras, "esse navegante que jogou de motu próprio sua bússola no fundo do mar", constrói e reconstrói seu drama, confessando um amor desesperado no limite entre realidade e fantasia, esperança e esquecimento. É a farandolagem agarrada a expectativa de resgate, ameaçada pela fragilidade da memória, tentando a todo custo não sucumbir a loucura.

Curiosamente, a insígnia de um sentimento perdido ? grafitada pela cidade apressurada através da inicial "N", a primeira letra do nome de sua musa ? mapeia seu paradeiro até o inevitável reencontro entre os antigos amantes e só assim, ele poderá livrar-se da fedentina em que vive e recuperar seu cheiro primevo de alecrim...

Tanta dor e tristeza aniquilam a condição humana, animalizam os vencidos pela sorte. Aqui jaz a mulher-molusco e o menino-borboleta numa UTI a céu aberto de maltrapilhos sem raça definida, difíceis de esquecer: metamorfoses de uma das mais contundentes narrativas que já li.

Se você crê que a ficção pode transcender ao mero entretenimento e tornar-se um exercício de reflexão, esse livro é um risco digno de ser superado. Através de longos parágrafos com rupturas de sintaxe e pontuação, seu autor se revela um mestre no emprego do fluxo da consciência como ferramenta literária, construindo uma verborrágica narrativa que privilegia a nobreza e a sonoridade de nosso idioma.
Aryana 28/10/2022minha estante
Moça, que belíssima resenha! Meus parabéns.


Débora 29/10/2022minha estante
Sou sua fã!!!




Guilherme.Marques 29/09/2017

Linguagem e marginalidade
Sempre tive vontade de ler algo do Evandro Affonso Ferreira. Os títulos no caso desse autor são algo à parte, muito chamativos e representativos das obras. Resolvi começar por esse "O mendigo...", e acho que foi uma boa escolha.

Trata-se de uma novela pesada, embora curta, e por isso a leitura pode demorar bastante. Demorou, no meu caso, uma semana ou quase isso. Aborda temas como abandono, mendicância, marginalidade, amor, etc., na visão de um narrador-mendigo que perdeu sua amada há 10 anos, e, percebendo a "doidice total" chegando, precisa contar a alguém essa sua história, e mais do que isso, sua visão de mundo. Enfim, precisa desabafar conosco (o interlocutor), pois ela - a morte, a loucura, a "amada que levantou âncora" - está logo ali virando a esquina, e o tempo é curto na metrópole apressada.

E é aí que começa a trama, que por vezes se arrasta e outras se aprofunda nas psicologias de nosso tempo, mas no final (sem estragar a surpresa), acaba trêmula, não muito bem. Isso não exclui, é claro, o ótimo trabalho que Affonso Ferreira faz com a linguagem, que apesar de beirar o pedantismo às vezes (talvez pela voz escolhida do narrador, um mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam), revela geralmente uma alta sensibilidade poética.
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Cilene.Resende 14/09/2017

Poético, filosófico e trágico
RESENHA: O MENDIGO QUE SABIA DE COR OS ADÁGIOS DE ERASMO DE ROTTERDAM ? Evandro Affonso Ferreira. Record 2012. 128 pgs.

Apesar no nome grande, o livro é curto e composto de um único parágrafo que dá voz ao monólogo de um mendigo que carrega consigo um livro de adágios de Erasmo de Rotterdam, o qual sabe de cor, citando suas frases a todo tempo, objetivando corroborar suas afirmações e observações do submundo tão mal-cheiroso e ao mesmo tempo invisível, da farandolagem.

Rotterdam é o nome que justifica tudo, principalmente sua esperança. A escrita é concisa, de frases curtas, como o bilhete que o narrador recebeu da amada, dez anos atrás: ?Acabou-se; adeus?. Daí em diante, no passar dos dias entre a esperança de reencontrá-la e o medo de sucumbir à insanidade, várias repetições vão dando unidade a um discurso trágico e triste e poético.

Para tanto é utilizado o recurso de repetições como o ?A-hã? quando ele pretende mudar de assunto, o ?sim, é ele, Rotterdam?, ?in totum? e muitas outras palavras em latim, que repetem-se e arrastam-se como os dias sob sol, chuva, fome e abandono. Como um molusco, aliás, Mulher-molusco, mas também o Menino-borboleta, e os ébrios à beira da morte que compõem uma terrível realidade, ao representar milhares de pessoas que vivem sob a mendicância, cada qual com seu motivo, mas que o autor reveste de fantasia.

?Doidice lenta e gradual que se arrasta embalada pela trilha sonora cujo refrão é ela virá eu sei.? (pg.37)
.
?A-hã: Inquisição hoje se apresenta sutil. Maltrapilhos alcoólatras, por exemplo, são queimados por dentro. Todos vítimas de fogueiras personalizadas.? (pg. 51)
.
?Miseráveis. Somos todos igualmente miseráveis. Já pensei em cortar a teia da própria vida. Há momentos em que cerco do desespero impossibilita esquivez. Difícil manter-se sob o peso descomunal do desalento in totum.? (pg. 85)
.
Essa obra nos fala/filosofa, portanto, sobre loucura e também sobre amor e solidão. Aborda a psicologia, no que tange a attudes, mesmo inconscientes, em busca da razão e da proximidade em relação ao outro. Descreve o ser, o querer ser e porque ser, dentre outros temas que Erasmo e Espinosa filosofaram há muito tempo, e de forma a não termos certeza se o narrador é consciente ou delirante.

Minha opinião sobre a premiação é de puro merecimento. O autor é genial ao traçar uma fantasia sobre terrível realidade cotidiana a qual teimamos fingir ser ficção.
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pimet800 06/03/2017

Quem começou tem metade da obra executada
“O Mendigo Que Sabia De Cor Os Adágios de Erasmo de Rotterdam” é o segundo livro da chamada “Trilogia do Desespero”, de Evandro Affonso Ferreira, autor de 72 anos, que anos atrás venceu o prêmio Jabuti por este título. Embora a trilogia possua uma identidade muito bem definida, que pende para o pessimismo devastador do ponto de vista do protagonista-narrador, e que trata frequentemente de temas como morte, loucura e solidão, os livros em si não são sequências diretas um do outro. Na verdade, os personagens, enredo e cenário, são bem diferentes entre si. O que eles têm em comum é o tom melancólico e a escrita recheada de ironia e de referências a obras de diversos autores. Deste modo, cabe ao leitor decidir a ordem em que vai ler os livros.

Em ”O Mendigo Que Sabia De Cor Os Adágios de Erasmo de Rotterdam” - título incrível, diga-se, como todos os títulos deste autor -, o narrador, que vive numa região de São Paulo, conversa com alguém (leitor) e narra a história sobre como ele acabou se tornando um morador de rua. A todo momento, como era de se esperar, Erasmo de Rotterdam é citado na conversa, não só pelo que escreveu, mas também pela pessoa que foi. Além deste, outros personagens mendigos, entre eles mulheres, crianças e até animais!, tornam-se familiares ao leitor pelas conjecturas que o protagonista faz a cerca da vida de cada um deles. Enquanto descreve os acontecimentos, o personagem aguarda ansiosamente pela volta da mulher amada, com quem teve relacionamento muito intenso e marcante anos atrás. À medida que a história se desenvolve, o personagem revela informações sobre seu passado, sobretudo relacionado ao período em que viveu com a esposa, e o delírio aumenta a cada hora que passa.

O livro, apesar de curto, é denso e não facilita ao leitor, pois as referências não são explicadas nos mínimos detalhes. Cabe à curiosidade de cada um se aprofundar na leitura e ir buscar fora do texto o significado das referências.

Abaixo seguem alguns trechos retirados do livro que ajudam a compreender este intrigante universo criado por Evandro Affonso Ferreira:

1. Não é bom amar em demasia: quando o outro não quer mais, a tristeza vem parelha à benquerença perdida.

2. Lágrimas se refazem com a lembrança. Outro dia transeunte perguntou-me se estava faminto. Não, moço, choro de saudade — respondi-lhe. Seguiu indiferente: fome de amor não comove. Amar é bom durante; depois dói. Às vezes endoidece.

3. É excitante ver o mundo desabando-se. Desde que seja do outro lado da calçada. Ver, em vez de ser, escombros.

4. A dor do outro tem para nós a duração do fogofátuo.

5. Deveria ser contrário a todas as leis da natureza abandonar crianças e poetas: somos frágeis demais.

6. Podemos esquecer-nos jamais daquela fábula de Esopo, segundo a qual Júpiter deu a todos os homens um alforje com a bolsa da frente cheia de defeitos dos outros e os próprios na bolsa de trás.

7. Quando tenho um pouco de dinheiro, compro-me livros. Se sobrar algo, compro-me roupa e comida.

8. Vida toda vivi à margem; no limbo da existência.

9. O homem morre tantas vezes quantas vezes perde os seus.

10. No anoitecer a sensação de abandono é ainda maior. O frio também. O medo também.

11. É desconfortável ver excedendo noutros qualidades inexistentes em nós.

12. Vou perdendo aos poucos o juízo: doidice chega em conta-gotas.

13. Todos os infortúnios são azeite para o fogo da loucura.

14. Outro dia estendi a palma da mão, mas cigana ironizou: Impossível ler qualquer futuro debaixo desta imundície.

15. Apenas o ser humano pode ser prestativo ao ser humano — apesar de sermos o lobo de nós mesmos.

16. Sua obra máxima — Elogio da loucura — é uma sátira à hipocrisia religiosa e ao fanatismo e aos sofistas e aos advogados e aos vaidosos e aos ambiciosos e aos egoístas. Estou falando dele Erasmo de Rotterdam.

17. Estou no mundo, mas não sou do mundo.

18. Fazíamos amor, sempre; sexo, vez em quando. Nossos intermináveis diálogos na cama também eram

19. desprovidos de qualquer vestimenta: conversa franca, nua, crua. Sempre.
pimet800 07/03/2017minha estante
Corrigindo: não há nenhuma referência à cidade de São Paulo no livro nem a nenhuma outra. Não sei dizer de onde tirei essa ideia. Acho que é porque enquanto eu lia, eu imaginava esta metrópole. Tentei editar a resenha, mas o Skoob não permite.




Robert 29/09/2016

“Deveria ser contrário a todas as leis da natureza abandonar crianças e poetas: somos frágeis demais.”

“Todos já amamos alguém algum dia. Mesmo às escondidas, feito quem, por exemplo, concebeu predileção por Diadorim.”

“Veja: dois maltrapilhos tomam cachaça logo cedo no gargalo de uma garrafinha bojuda. Maioria não consegue enfrentar, abstêmia, a própria miséria; vive no extremo oposto a qualquer idealização utópica.”

“Veja: menino-borboleta recostou cabeça sobre colo da mulher-molusco. Pudesse pintá-los, obra se chamaria O CONCHEGO DOS DESVALIDOS. Comovente vê-los dividindo o abandono; fazendo partilha mútua do desprezo. Quando isso acontece, lágrimas dela vão esquecendo-se aos poucos de escorrer. Plangência possivelmente se recolhe num canto qualquer do subsolo da alma. São as surpreendências da vida.”

“Assim são nossas vidas: Fiat lux às avessas. [...] Eu e a mulher-molusco e o menino-borboleta não deveríamos ter sido feitos.”

“Sei que mulher-molusco faz parte do grupo despropositado de viventes que não deveria ter vindo: suas aparições no mundo são acontecimentos mal calculados pela natureza. Todos dignos do mesmo epitáfio: VIM VI PERDI.”

“Erasmo de Rotterdam acreditava que há vida post mortem; eu acredito que não há vida sequer antes da morte.”
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fsamanta (@sam_leitora) 15/03/2015

Após um início impactante, 128 páginas de mesmice. Bem escrito, mas mais do mesmo.
Lucas 07/04/2017minha estante
Achei o mesmo....sempre dizendo a mesma coisa as vezes de forma diferente porém a mesma coisa.Nada de diferente acontece na história e um final oco.




Hermes 01/10/2014

Livro pouco simpático
O título em si do livro já intimida um bocado e, quando não assusta de vez, autoriza no máximo uma aproximação respeitosa. Acreditando que poderá ter vida mais fácil ao vencer a sua capa, o intrépido e desconfiado leitor supera o preconceito inicial e resolve abrir o exemplar (afinal de contas é uma obra agraciada com o prêmio Jabuti). Aí é que vem o engano: o seu conteúdo se revela ainda mais intimidador, de modo que, se o atrevido leitor não for paciente, não permanecerá em sua páginas por muito tempo. É assim mais ou menos a relação com O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam, de Evandro Affonso Ferreira.

Na verdade, nem a sensação de ter entrado de fato no livro eu tive. Parece que acompanhei tudo a distância. É como um sujeito que de papel na mão chega ao endereço de um teatro alternativo indicado por um colega de trabalho. Ele hesita em seguir adiante porque a fachada do edifício não é nada convidativa. Como já tinha chegado até ali, decide se aproximar do local, mas as portas estão trancadas, os vidros das janelas estão embaçados e só lhe resta uma pequena frincha na parede de onde, com um só olho, pode acompanhar o espetáculo que se desenrola lá dentro. A posição é desconfortável, a peça é confusa, o espectador não consegue se envolver emocionalmente, e logo ele se cansa e se distrai.

Foi assim que me senti ao ler a história de um homem bastante erudito que, perturbado por conta de uma desilusão amorosa, decide morar nas ruas de uma grande cidade. No seu monólogo, esse erudito solitário, já perto da loucura, relata a sua relação com a mulher amada, o fora que levou dela, sua esperança de rever esse grande amor, bem como faz reflexões sobre sua vida, sobre a vida de outros mendigos, sobre a sociedade em geral. E toma-lhe uma enxurrada de palavras difíceis, construções sintáticas inusitadas, neologismos, citações filosóficas, nomes de figuras mitológicas pouco conhecidas e, claro, reprodução de vários adágios de Erasmo de Rotterdam; sem falar na repetição frequente, no relato do protagonista, de várias expressões e desejos seus, como se fossem bordões que adquiriu na sua luta diária para não deixar as lembranças escaparem.

Como se pode perceber é uma leitura difícil e arrastada, que exige atenção, paciência e consultas constantes a dicionários e ao Google. Não vou dizer que é um livro ruim, nem tampouco pretensioso, enganador ou afetado; não é por aí. É um livro pouco amistoso, vamos dizer. Essa antipatia se deve à escolha radical de Evandro Affonso Ferreira de privilegiar a forma em detrimento de um comunicação mais aberta com o leitor comum, o que parece ser uma característica do autor. O resultado é um livro culto, com boas percepções sobre a vida e sobre a sociedade, mas praticamente sem emoção.

É como se fosse um convite para um encontro, num começo de noite de uma quinta-feira qualquer, reservado a um grupo seletíssimo de pessoas. Nesse evento, os poucos convidados, de pernas cruzadas e óculos na ponta do nariz, exaltam, em tom comedido e excessivamente formal, as virtudes estilísticas da obra em discussão. Hummm...! Não sei... pode até ser legal, mas eu prefiro uma festinha mais animada.

site: http://garrafadacultural.blogspot.com.br/2014/08/o-mendigo-que-sabia-de-cor-os-adagios.html
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