Alexandre Silveira 07/12/2016
Afogar-se na forma.
Quando li o primeiro conto desse volume, com toda a obra ficcional de que se tem notícia desse autor, fiquei um tempo digerindo o que tinha acabado de ler, surpreso, admirado, talvez chocado. Senti que eu era pequeno diante da grandeza da vida, tão forte, pulsante e onipresente nos contos de Bruno Schulz. Ele conseguiu criar um movimento tão vívido, tão poético e belo em seus contos, uma espécie de dança misteriosa que nos seduz e ludibria e que nos deixa simplesmente estáticos, simplesmente sentindo a vida em sua forma mais viva.
Essa edição da Cosac traz as duas coletâneas de contos do autor, Lojas de Canela e Sanatório Sob o Signo da Clepsidra, onde, curiosamente, os personagens são os mesmos, incluindo o narrador-personagem. A primeira coletânea e, particularmente, minha preferida, traz um personagem menino que nos leva para o seu mundo cotidiano através de olhos perspicazes e que captam esse movimento elegante e misterioso da vida. Aqui o foco das narrativas está na figura paterna, onde suas ações são engrandecidas e mistificadas pela ótica do narrador, que mistura sua imaginação em meio aos fatos. Assim, sentimos a infância no que parece ser a sua essência: um momento de pureza em nossas vidas, de sonhos que se mesclam aos acontecimentos banais e frios.
Na outra coletânea, temos o mesmo narrador personagem, porém já crescido, um adolescente que começa a entrar em contato com a sociedade por meio de assuntos políticos, morais. Além disso, temos o despertar do erotismo, da percepção da beleza dos corpos femininos, que fascinam o olhar do narrador.
A edição traz ainda 4 contos inéditos do autor, um posfácio excelente do tradutor e outras coisas interessantes. Numa breve biografia presente no livro, diz-se que Schulz procurava desaparecer na própria arte, que através da criação artística buscava perder-se nela e em sua essência. Acho que é mais ou menos isso o que deve acontecer com um leitor de Schulz: ele se afoga em sua forma artística, impotente. Tudo o que consegue fazer é deixar-se tragar pelas profundezas de uma arte impressionante, forte e incrivelmente sensível em cada, aparentemente, insignificante palavra.