A Ditadura Encurralada

A Ditadura Encurralada Elio Gaspari




Resenhas - A Ditadura Encurralada


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Antonio Luiz 25/03/2010

A história oficial
"A Ditadura Encurralada", de Elio Gaspari, explora a contradição entre o suposto desejo do general Geisel de um acordo com a oposição para uma ditadura mais civilizada (em troca de uma reforma partidária e do esquecimento das torturas e assassinatos já cometidos) e sua cooperação continuada com a extrema-direita.

Geisel sequer investigou as ameaças feitas a ele próprio e à sua equipe em panfletos anônimos, muito menos o atentado contra o bispo de Nova Iguaçu. Ou mesmo a bomba no quintal de Roberto Marinho, em setembro de 1976. O SNI limitou a explicar-lhe: “admite-se que a causa principal seja a presença de comunistas em diversos setores das empresas que dirige”.

Satisfez caprichos da “linha dura”, humilhou a família enlutada de João Goulart, cassou não só vários deputados como também a vitória da oposição ao reescrever a Constituição com o “Pacote de Abril” e demitiu o ministro Severo Gomes por chamar de fascistóide um prócer da extrema-direita civil que o acusou de pertencer à “esquerda festiva”. Expôs-se ao ridículo com a absurda proibição da transmissão da comemoração dos duzentos anos do Balé Bolshoi. Aprofundava a dependência, na prática, deixando a dívida externa inchar-se sem controle, mas reagia com veleidades nacionalistas se o governo Carter condenava as violações de direitos humanos e o projeto nuclear de seu regime.

O próprio assassinato de Herzog parece um resultado da conivência de Geisel, até a véspera, com a tortura e execução de presos e do discurso conhecido como o “da pá de cal” (agosto de 1975), no qual reduziu a distensão a um programa econômico, reafirmou a existência do perigo comunista e negou a intenção de abrir mão dos seus poderes ditatoriais.

Como diz Gaspari, a extrema-direita o entendeu como sinal para prosseguir na caça aos “terroristas” que a essa altura não passavam, quando muito, de inofensivos doadores e coletores de fundos para partidos clandestinos ou distribuidores de seus jornais. E, mais do que isso, para enquadrar políticos e empresários que, oposicionistas ou governistas, ameaçassem a continuação indefinida do regime de terror ou incomodassem seus aliados na elite civil.

Em outubro do mesmo ano, com as organizações guerrilheiras já destruídas e o próprio PCB já desmantelado, a repressão foi redobrada. Em São Paulo, oitenta pessoas foram presas – incluindo uma prima do general Ednardo D’Avila Melo, comandante do II Exército, torturada com o seu apoio. Na frente das vítimas, os algozes bazofiavam: não viam a hora de pendurar “aquele comunista de Brasília, o Golbery”. Geisel, enquanto isso, garantia aos jornais: “há muitos anos o Brasil não tem tanta liberdade... a principal abertura que está faltando é a oposição abrir a janela e olhar para fora”.

Paulo Egydio Martins, o governador nomeado pela ditadura e da confiança de Geisel, era malquisto por Ednardo e acusado pelo aparelho repressivo de proteger funcionários comunistas. Prender e torturar o diretor de jornalismo da TV Cultura, escolhido por seu governo com aval do SNI – um quadro da elite, ainda que comunista –, era um teste decisivo da extensão do poder paralelo.

O pessoal do DOI dizia aos presos acreditar que o PCB era dirigido por um triunvirato clandestino: “Pode ser um cardeal (leia-se Arns)... um governador de estado (Egydio)... um general (Golbery)”. Mas desta vez, o “porão” perdeu a aposta. A amplitude e organização do repúdio ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog mostrou uma sociedade disposta a resistir e obrigou Geisel a reafirmar sua autoridade sobre o aparelho repressivo.

O “suicídio”, pouco depois, do operário Manoel Fiel Filho, que meses antes teria sido absorvido como rotina, teve de ser tratado como insubordinação. E a tranqüilidade com que a maioria dos comandantes militares recebeu a demissão sumária do general Ednardo, seguida pela do chefe do Centro de Informações do Exército, mostrou que a “linha dura” não era tão forte quanto imaginava.

Até Armando Falcão admitiu para Heitor Ferreira, em fevereiro de 1976, que a demissão do ministro do Exército Sylvio Frota era “inevitável e necessária”. Mas o general continuou a condenar a “distenção” (na grafia dos panfletos da extrema-direita) e se movimentar como candidato. Desde 1975, segundo Gaspari, oferecia ao empresário Armando Daudt d’Oliveira o Gabinete Civil, a Nascimento Brito (dono do Jornal do Brasil) as Relações Exteriores e a Delfim Netto o governo de São Paulo.

Ainda em agosto de 1977, Golbery duvidava da disposição de Geisel de afastar Frota. Foi demitido, porém, dois meses depois. Não porque estivesse finalmente enfraquecido – pelo contrário, no último momento antes que a formalização do compromisso de lideranças civis e militares com sua candidatura já declarada lhe desse cacife para reagir ao afastamento.

Por covardia do ditador, como pensava Golbery ao escrever que Geisel não era um homem como o do poema “Se” (de Rudyard Kipling)? Ou o bicho-papão era necessário para Petrônio Portella amedrontar a oposição e os jornalistas com o “camburão do Frota”? Foi a vitória de uma complexa estratégia de Geisel? Ou retroativamente se dá a suas ações um sentido que não tinham?

De qualquer forma, o resultado final foi a derrota de uma tentativa de dar uma moldura institucional e definitiva ao regime – um fracasso menos evidente e imediato, mas análogo ao do patético general português António de Spínola, outro “reformador” derrotado por uma evolução do cenário nacional e internacional que tampouco previu ou compreendeu.

O outro lado também parece ter sido julgado e interpretado segundo interesses retroativos. Para Gaspari, a resistência ao golpismo nos anos 60 era bagunça e anarquia, tanto quanto a agitação de Portugal após a Revolução dos Cravos. Mas “na Praça da Sé, naquela tarde de 31 de outubro de 1975, a oposição brasileira passou a encarnar a ordem e a decência.” Só as encarnou a partir do momento em que seu respado foi útil a Geisel e Golbery?

Gaspari contrasta da mesma forma artificial os estudantes da era de Costa e Silva com os de Geisel (“em 1968 os estudantes eram a desordem... em 1977 a desordem era a polícia”). Sugere que viam o marxismo como “caretice”, diz que, entre eles, os socialistas eram uma “minoria barulhenta” e arbitrariamente, os relaciona aos pontos de vista da falecida poeta Ana C. e do nouveau philosophe André Glucksmann.

Claro que o PCB estava marginalizado no meio estudantil e o coronel Erasmo Dias delirava ao ver ordens de Moscou por trás de cada passeata. Mas todas as correntes relevantes do movimento estudantil eram revolucionárias e marxistas – incluindo as três predominantes na USP, Refazendo (a eclética Ação Popular), Liberdade e Luta (a trotskista OSI) e Caminhando (o stalinista PC do B). Não representavam a “maioria silenciosa” dos universitários, mas esta nada teve a ver com o movimento. Nem com o que o precedeu.

Os estudantes já não acreditavam na guerrilha, pois o fracasso da luta armada era evidente. Dada a evolução dos acontecimentos, muitos puderam seguir uma carreira burguesa, ou até se integrar à elite dirigente, com uma naturalidade que havia sido possível a gerações anteriores, mas não aos presos de Ibiúna, marcados mesmo se não optavam pelo caminho dos fuzis. Mas, em 1977, os ideais de Aldo Rebelo, Aloízio Mercadante, Arnaldo Jardim, Vera Paiva, Marcelo Barbieri, Josimar Melo, Mario Sérgio Conti e Marcus Sokol não eram tão diferentes dos de José Dirceu, Dilma Roussef, Fernando Gabeira, Vladimir Palmeira e José Genoíno em 1968.

A atuação do autor como jornalista nesses anos e sua proximidade de tantos de seus personagens provavelmente dificultam o distanciamento necessário a uma interpretação mais isenta dos fatos. Agora que já teve a oportunidade de contar sua versão da “abertura” de Geisel, esperemos que abra, por sua vez, esses arquivos, cuja privatização não se justifica, a uma interpretação mais plural e profunda de historiadores capazes de aceitar o desafio de recontar essa história.

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Cunha 25/07/2009

primeiro capítulo
Gosto muito de história e especialmente sobre a ditaduta militar.

Na época dos acontecimentos do livro estava com dez a doze anos.

O que é interessante neste capítulo é o fato dos governantes analisarem

o contexto mundial e perceberem que a ditadura não poderia perduram por muito tempo.

O fato do presidente tomar atitudes que ia da abertura a repressão, revelam como foi um momento esquisofrênico da política brasileira, o que tornava a vida do cidadão mais confusa.

Neste capítulo percebi como era duro mudar o rumo da história, pois era difícil equilibrar os anseios da sociedade e os porões da ditadura.
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