Ana Luiza 26/10/2013
A perda da inocência e descoberta da luxúria
Para uma garota de quinze anos que cresceu nas ruas sujas de Seven Dials, Belle não sabe muito da vida. Graças à superproteção de sua mãe, Annie, e da empregada que a criara como filha, Mog, a garota não foi influenciada pela vizinhança composta basicamente de trabalhadores pobres e, em sua maioria, de ladrões, mendigos, vagabundos e prostitutas. E olha que essas últimas estão muito próximas, dentro da própria casa da garota. Frequentando praticamente apenas seu quarto no porão e a cozinha, Belle não sabia que, nos andares de cima, sua mãe administrava um bordel.
“Ladrões, cafetões, enganadores e assassinos. Estou começando a achar que não há um homem honesto e de bom coração em Seven Dials.” (Pág. 54)
Entretanto, após conhecer Jimmy, um garoto que perdera a mãe recentemente e viera para Seven Dials morar com o tio, dono de um pub, Belle fica muito curiosa para saber o que realmente acontece em sua casa todas as noites, mas o medo de ser repreendida pela mãe não a deixa fazer nada. Mas, quando acaba adormecendo no quarto de uma das garotas, Belle descobre da pior maneira o que significa ser uma prostitua, além de presenciar um assassinato. Millie era a favorita da casa e de Belle, que mesmo ainda traumatizada pela morte da garota, consegue levar tudo com muita maturidade, acreditando que logo toda essa tormenta passará. Mas o assassino tem outros planos. Ele sequestra Belle e a vende para um bordel na França.
“Era um lembrete para Belle de que há apenas poucos dias ela era tão inocente como a neve fresca, mas que o terrível homem tinha pisado na pureza de sua mente e lhe mostrado a dura realidade.” (Pág. 55)
Enquanto isso, em Londres, Annie e, principalmente Mog, ficam loucas por causa do desaparecimento de Belle. A polícia não dá muita atenção as duas, além do fato de Annie ser uma ex-prostituta e dona de um bordel, motivos suficientes para ser ignorada pelas autoridades, Kent, o homem que sequestrou Belle, é um criminoso conhecido e poderoso, que tem os policias em sua mão. Mas Mog não desiste e vai atrás de Noah, um jornalista e investigador que era um cliente de Millie e apaixonado com a garota. Com uma bela matéria em vista, além da oportunidade de fazer um último bem em nome de seu amor, Noah começa a investigar o caso, mas as pistas são poucas e ninguém parece ter coragem suficiente para falar. Entretanto, Jimmy e seu tio se mostram dispostos a ajudar, assim como Mog, que jamais desistirá de encontrar sua menininha.
Em Paris, Belle é violentada por cinco homens diferentes e acaba adoecendo e sendo vendida novamente. Após passar um tempo se curando em um convento, ela é levada de navio até New Orleans, acompanhada de um belo homem, Etienne. Usando de toda a sua doçura e gentileza, Belle acaba o conquistando, tornando-o seu amigo. Etienne não pode deixar a garota fugir, se não sua família estará em perigo, mas a aconselha e tenta ajudá-la o máximo que pode. Já em New Orleans, Belle se despede do amigo, disposta, como ele a aconselhara, a tirar o máximo de proveito da sua situação deplorável. As meninas da nova casa são amigáveis e elas, assim como Martha, a dona do lugar, a acolhem e fazem de tudo para torná-la boa em sua nova “profissão”.
Belle aprende rápido e usando de sua sensualidade, beleza, carisma e experiências recém-adquiridas, ela se torna a favorita da casa. De certa forma, ela começa a apreciar a vida que tem, deixando para trás os antigos preconceitos sobre ser uma prostituta. Entretanto, ela sabe que é apenas uma escrava e suas esperanças de ganhar dinheiro suficiente para voltar para a Inglaterra logo se mostram tolas, pois Martha jamais a pagará bem e jamais se livrará da sua galinha dos ovos de ouro. Belle não é do tipo que desiste, mas sua beleza e determinação podem tanto ser aliados nessa batalha como inimigos. Chegará o momento em que ela terá que definitivamente deixar a garotinha doce e inocente que fora para trás e se tornar uma mulher forte, dona de seu próprio destino.
“Belle não achava fácil calar-se, como faziam as outras. (...) Belle não tinha nascido para ser submissa, e ela não conseguia fazer papel de tola para agradar a uma mulher que comprava e vendia seres humanos.” (Pág. 268)
“Belle” é um romance tocante ao mesmo tempo em que é chocante. O comércio descarado e desenfreado de mulheres, muito bem mostrado no livro, torna a história atual, apesar da época em que se passa, e cativante, pois sabemos que ainda hoje muitas garotas têm histórias similares com a de Belle. A falta de ação por parte da polícia também é revoltante e, infelizmente, uma realidade enfrentada em muitos lugares. A autora do livro escolheu um tema polêmico para sua obra, mas soube desenvolvê-lo com muita desenvoltura. Ao mesmo tempo em que expõe e critica certas verdades e realidades, ela criou uma bela história, que além de emocionante é motivadora. Algo que me encantou na personagem principal, Belle, é a força e maturidade da garota. Sempre de cabeça erguida, ela não aceita as situações em que a vida lhe joga tão facilmente, mas aprende a usá-las a seu favor, a conseguir o quer. Belle não é perfeita, é claro, comete erros como qualquer um, mas ela aprende com eles e continua em frente.
Outro detalhe da personagem principal é que ela levanta uma discussão relevante sobre prostituição. É errado ou não vender o próprio corpo? A própria Belle encara essa questão, mas percebe que o certo e errado dependem muito do ponto de vista. Algo que me agradou foi o fato de que a autora em momento algum julgou pessoas em situações semelhantes a da Belle. Em vez disso, ela mostrou os caminhos que as levaram até ali, mostrou que algumas foram forçadas aquela vida, mas que conseguiram sair e ter uma vida digna, mas também mostrou que algumas escolheram aquele caminho, assim como escolheram não sair dele.
Ainda falando nos personagens, todos têm personalidade própria e papel na história, mas alguns foram clichês. Jimmy e seu tio foram uns fofos, mas poderiam ter sido mais. Já Annie e Mog estavam perfeitas, a primeira com sua frieza e coração partido, e a segunda com seu carinho, personalidade maternal e coração caloroso. Noah teve um papel superimportante na trama, mas ele é quase um fantasma e senti falta de uma personalidade mais marcante. Já Etienne é um amor, o típico vilão convertido em herói que é impossível não amar. O grande destaque do livro mesmo é obviamente sua protagonista, Belle. A evolução da garota inocente para a mulher sensual e forte foi longa e sofrida, mas simplesmente encantadora e, como já disse, motivadora. Adorei a personalidade cativante, fofa, divertida, desencanada e sensível, mas também decidida, madura e sensual da personagem. É impossível não amar Belle, não torcer por ela a todo momento, não sofrer com seus erros e não comemorar com suas vitórias. Ela é o tipo de personagem que logo ganha um espaço no seu coração e, que, dificilmente, sai de lá.
Falando nos pontos negativos do livro, senti que a autora foi muito óbvia em alguns momentos e que poderia ter trago mais surpresas. A trama foi muito bem construída, mas extremamente longa e inevitavelmente cansativa. A narrativa de Pearse nos absorve para dentro do livro e flui com agilidade, mas senti que faltou a ela um pouco mais de objetividade. Gosto de cenas bem descritas, mas o foco deve ser mesmo a história, não os mínimos detalhes do lugar onde ela se passa. Felizmente, nas (muitas) cenas de sexo, a autora foi detalhista, mas mais objetiva, não prologando o que não deveria ser prolongado. Pena que não foi assim no resto do livro.
Já quanto à edição, tenho apenas comentários positivos. A tradução e diagramação estavam boas. Amei os detalhes no início de cada capítulo. Também amei a capa que é divina e, para mim, é bem mais bonita que de outas edições (a baixo). A modelo é linda e combina perfeitamente com a Belle descrita, principalmente por causa do cabelo castanho maravilhoso. Outro detalhe que me agradou foi o peso do livro, super leve para suas 560 páginas.
“Belle” é um livro intenso, sensual e cativante. Apesar dos pontos negativos citados a cima, gostei bastante da obra de Lesley Pearse e espero ter oportunidade de ler suas muitas outras histórias. “Entre o Amor e a Paixão”, continuação desse livro, já está na minha meta de leitura desse final de ano e estou ansiosa por ele, mas vou dar um tempo antes de lê-lo, pois ele também é enorme como esse. Recomendo “Belle” para todos que gostam de uma boa história com doses de fatos históricos, romance, sexo, aventura e belas paisagens. Além de lugares de seu país natal e, claro, Londres, Belle conhece cidades como New York, New Orleans e Paris, lugares que nunca mais poderei ao menos pensar sem me lembrar desse belíssimo livro.
Autora da resenha: Ana Luiza Ferreira (La Mademoiselle)
site: http://mademoisellelovebooks.blogspot.com.br/