Renata CCS 29/10/2014"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede." (Carlos Drummond de Andrade)
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.
(Castro Alves)
Hardborough, leste de Inglaterra, final dos anos 50. Florence Green, uma viúva de meia-idade, a quem o marido deixara uma pequena soma de dinheiro, decide abrir uma livraria na cidade. Os habitantes da pequena cidade ficam estarrecidos com a audácia de Florence, já que a cidade sequer possuía uma lavanderia. Qual o motivo, então, em ter uma livraria e, de quebra, uma pequena biblioteca itinerante?
São muitas as dificuldades de Florence precisa enfrentar. Primeiro, as pessoas não sabem o que fazer com uma livraria, já que nunca estiveram em uma. Segundo, o imóvel escolhido para acolher a livraria é a velha e úmida Old House, que tem fama de assombrada. E para finalizar, Florence se depara com Violet Gamart, esposa do general e parte da elite extremamente influente na cidade, que quer transformar a Old House em um centro de artes.
Esbarrando em moradores tradicionais, desconfiados e medrosos, e batendo de frente com os poderosos da pequena localidade, a livraria não decola. É uma comunidade conservadora e hipócrita, mascarada com falsa amabilidade, e totalmente indiferente a qualquer novidade ou progresso.
E como não há nada tão ruim que não possa piorar, quando Florence decide por à venda o livro "Lolita", de Vladimir Nabokov, acaba provocando um sutil, porém devastador, terremoto e a animosidade com a livraria começa a aflorar de outras formas.
Mas o livro não é só inimizade e confronto. Há também personagens carismáticos, como a pequena Christine, de apenas dez anos, que começa a trabalhar na livraria e possui o desembaraço e talento para a organização e classificação de livros, e o simpático e arredio Mr. Brundish, um ilustre velhinho que admira e apoia Florence, mas que se recusa a manter contatos com a vizinhança.
A LIVRARIA é um romance muito discreto, despretensioso e, para ser honesta, diria que demora para deslanchar, se ele realmente deslanchasse. Mas isso não acontece. Propositalmente, essa talvez seja a característica mais significativa do livro, e também a mais coerente, pois a vida na pequena e acomodada cidade de Hardborough, assim como a narrativa, não deslancha.
Embora a proposta do livro seja interessante e os personagens sejam bem desenvolvidos, ainda falta alma à narrativa. Muito atraída pela capa e título do livro, confesso que esperava uma narrativa que ressaltasse a paixão pelos livros, o encanto de ser livreiro, o talento de cativar as pessoas pela leitura e para a leitura. Enfim, não me deparar com toda a magia que é mergulhar nas páginas de um livro foi um pouco decepcionante. Infelizmente a obra centra-se mais nas relações mesquinhas entre as pessoas e nas dificuldades burocráticas encontradas por Florence Green do que no resto.
Finalmente, é uma obra leve, de humor recatado, de observação social serena e precisa. Agradável, mas sem grandes pretensões. Ainda destaca-se a atitude louvável da protagonista: o sonho de criar um local onde se respirasse novas histórias. Há qualquer coisa de romântico nesta ideia. Mas quando as mentes são medíocres, as almas minguadas e as vontades escassas, não há tempo ou lugar para existir em novas vidas que os livros nos proporcionam.
Termina a história de Florence em um lugar que nunca a mereceu, em uma cidade que não tinha uma livraria porque, definitivamente, não merecia ter uma.