Agatha Krauss 01/07/2019Gramático versus Teoria Gramatical na EscolaApesar de já estar no final do curso de Letras, ainda não tinha tido a oportunidade de ler Celso Pedro Luft. Conhecia-o apenas de nome, graças a uma professora de Sintaxe que sempre citava a sua Moderna Gramática Brasileira. Agora, no último ano da graduação, Luft voltou a ser a mencionado, desta vez em aula de Didática, e a familiaridade com seu nome junto da lembrança afetuosa que tenho pela crônica "O Gigolô das Palavras", de Luis Fernando Verissimo (primeiro texto que li ao entrar na faculdade, indicado pela professora de Linguística I, e texto que abre este livro de Luft) me estimularam a ler a obra Língua e Liberdade: por uma Nova Concepção da Língua Materna.
Celso Pedro Luft foi professor de Letras e gramático e, embora este seu livro seja de 1985, traz temas ainda muito atuais. Ela é composta de artigos de jornais de diferentes épocas e visa levar ao público geral questões como a forma que se ensina língua materna nas escolas, as noções equivocadas que se têm de língua e gramática (e a obsessão por esta última), assim como o grande engano que é acreditar que ensinar uma língua é simplesmente ensinar a escrever de forma "correta". Além disso, Luft também problematiza "a postura opressora e repressiva, alienada e alienante" do ensino e defende "uma mudança radical" nas aulas de português, que aconteceria através do entendimento de que o aluno já sabe a sua língua e que a escola deve ensiná-lo a ler e a escrever e expô-lo a bons modelos da língua, tanto escrita quanto oral (com foco nesta).
Assim como Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira, Luft preza pelo desenvolvimento do espírito crítico nos alunos, pelo fim da visão de que o professor é aquele que sabe e o aluno o que não sabe e pelo respeito aos saberes já trazidos para a escola pelos educandos. Ele alega ainda que o ensino de língua portuguesa deve "liberar os poderes de linguagem e aprimorar a competência comunicativa", o que é bem diferente do fracassado ensino gramaticalista que temos, que faz os estudantes decorarem regras e nomenclaturas, temerem sua língua materna e que os convence de que eles não sabem português. Inclusive, em determinado momento, o autor reflete se o intuito de manter essa teoria gramatical no ensino básico não seria apenas por comodismo, ou seja, para cumprir programas e conservar a tradição.
Contudo, não acredito que seja apenas por desinteresse que mantenham esse ensino ultrapassado, mas por conveniência. E é justamente nesse ponto que acho que o livro peca um pouco. Apesar de defender uma educação para a liberdade, ele não entra muito nas questões sociais, não reflete sobre como é oportuno para a elite, para as autoridades, que as pessoas não dominem a língua em sua plenitude, já que língua é poder. Já dizia Barthes em sua aula inaugural no Colégio de França: "Esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda eternidade humana, é: a linguagem - ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua".
Além disso, logo nas primeiras páginas, enquanto cita e comenta diversos trechos da crônica de Verissimo, Luft destaca um importantíssimo: "... a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e deve ser julgada exclusivamente como tal". Apesar de ser um pensamento coerente para a época, uma vez que a disciplina de Português foi modificada para Comunicação e Expressão pela LDB de 1971, atualmente é no mínimo ingênuo dizer que a função da linguagem é exclusivamente a comunicação. Irandé Antunes, em Muito Além da Gramática: por um Ensino de Línguas Sem Pedras no Caminho, diz que nem sempre comunicar basta, que "ser eficiente vai além de apenas se fazer entender. Para qualquer situação vale o jeito de falar que é adequado a essa situação", o que é muito mais pertinente e realista do que a afirmação de Verissimo e Luft.
Fora esses dois pontos que me causaram certo incômodo, achei o livro muito bom. Mesmo tendo sido escrito há mais de 30 anos, contém pareceres ainda muito relevantes para a educação brasileira, como a desaprovação da troca do ensino de teoria gramatical pelo ensino de teoria linguística, prática defendida e adotada por diversos professores até hoje, e a defesa de que as aulas de linguagem deveriam fazer os alunos crescerem linguisticamente. Evidentemente deveria ser uma obra obrigatória nos primeiros semestres de licenciatura em Letras (uma pena eu só ter conhecido no meu último período) e sem dúvida nenhuma indico a leitura, principalmente aos professores de português e pedagogos. Não acho que o livro seja tão acessível ao público geral, pois mesmo usando uma linguagem simples, trata de assuntos muito específicos, sobretudo nos capítulos 2, 3 e 4. Acredito que os capítulos 1, 5 e 6 seriam os mais interessantes para os que têm uma curiosidade sobre ensino de português, mas que não estudam isso a fundo.