Wanderley 12/04/2023
Aprender a cair para voltar a levantar-se
Ganhei num desses amigos secretos de final de ano, o livro A Queda – As memórias de um pai em 424 passos, do polêmico escritor e jornalista Diogo Mainardi. Trata-se de um relato sobre Tito, filho do autor, que nasceu com paralisia cerebral devido a um erro médico. Ia deixar na fila de livros que tenho, mas manuseando o presente, resolvi conferir as orelhas e a contracapa. Depois, sem maiores pretensões, li o primeiro parágrafo. Fui fisgado. Terminei a leitura das 150 páginas em pouco mais de um dia. Não há no relato de Mainardi momentos de autocomiseração barata, lições generalistas de como lidar com o infortúnio, mensagens de esperança e de perseverança afetando impressões de bondade, lamentos inúteis, homenagens religiosas ou apelos sentimentalistas. Pelo contrário, em muitas passagens, o texto alterna o impacto da força do amor paterno com trechos de ironia e certo estoicismo. A narrativa é uma habilidosa construção onde a experiência pessoal do autor, às voltas com os desafios impostos pela enfermidade do filho, é costurada a uma série de referências culturais (sobretudo a pintura, a escultura e a literatura), históricas (do Renascimento ao nazismo) e do pop (da banda U2 a jogos de videogame), demonstrando uma erudição refinada e agradável. É leitura enriquecedora, com certeza. Em A Queda, Mainardi consegue adaptar para a literatura o estilo desenvolvido em seus artigos: a capacidade de sintetizar conceitos complexos em frases curtas e diretas. A estrutura narrativa é feita de forma semelhante, com passagens breves sobre variados temas, sempre ligados, de maneira inesperada e bonita, aos desdobramentos da paralisia cerebral de Tito e da relação entre pai e filho. A meu ver, o maior desafio de um escritor é ter um estilo próprio. Isso é resultado de leitura, de absorção de outros estilos, de prática, até que se feche um modo literário capaz de expressar uma marca de identidade própria. No fim, o que prevalece da leitura é o amor incondicional de um pai por um filho. Incondicional porque não cobra reconhecimento, não espera retorno, não exige nada em troca; porque não lamenta, em momento algum, o destino, porque é doação que não se entende como doação. Mainardi revela, de forma indireta, que a gratidão é dele para com o filho enfermiço, que o fez ver como a família é o centro da vida e tudo o mais é passageiro e fugaz. A Queda é uma referência às tentativas que Tito faz de caminhar sozinho. Ao pai, resta-lhe cuidar para que o tombo não se faça doloroso, sua missão é a de acudi-lo sempre. "Suas quedas recordam-me permanentemente da precariedade e da transitoriedade de tudo o que eu tentei construir", confessa Mainardi. Encerro a resena com a transcrição de uma passagem na qual o autor explica o motivo do livro: "... Marcel Proust pensa em escrever um livro sobre o seu passado, porque para interpretar os sentimentos era necessário, antes de tudo, transformá-lo em ideias, 'convertendo-os em sem equivalente intelectual'. O livro que ele pensa em escrever é o próprio Em Busca do Tempo Perdido. (...) O livro que converte meus sentimentos em seu equivalente intelectual é este aqui".