Coisas de Mineira 14/06/2021
“Psicopata Americano” é a história que trago hoje para conversar com vocês, e acredito que muitos já tenham ouvido falar sobre, principalmente em relação ao chocante filme dos anos 2000. Particularmente, eu nunca tinha lido esse livro, as edições estavam esgotadas e era difícil de encontrar. Porém, o filme eu já perdi as contas de quantas vezes assisti. E me choquei como se fosse a primeira vez! A minha surpresa agora foi então encontrar uma história bem mais forte e repulsiva da que tanto havia me marcado nas telas.
Patrick Bateman é o protagonista e acumula exemplos de sucesso profissional e pessoal. Dono de uma aparência bem cuidada e planejada, está inserido em um contexto financeiro alto, possui um emprego de status e prestígio em Wall Street, é noivo de uma garota bastante padrão e referência “barbie”, se preocupa com roupas de grife e jantares de luxo. Seria normal dizer que ele está vivendo seus sonhos e objetivos, no entanto Bateman é vazio e superficial. Ele não sente nada.
"Minha dor é constante e aguda e não quero um mundo melhor para ninguém. Na verdade, quero infligir minha dor aos outros. Não quero que ninguém escape."
Em seu convívio profissional existem vários outros consumistas fúteis, assim como ele, o que o torna bem parte de um todo, de um nicho. É bem possível, inclusive, confundir seus colegas e falas. Mas Patrick Bateman não deseja ser mais um, ele quer se destacar. É exatamente por isso que cuida meticulosamente de sua aparência, sua vitrine. Ele demonstra aos outros a imagem que quer e projeta, uma imagem de perfeição que o leva a desejar destruir tudo aquilo que a ameace, seja um cartão de visitas melhor que o seu ou um mendigo em seu caminho.
E é aí que entramos na alma de “Psicopata Americano”, uma perfeita crítica ao consumo exacerbado e a busca inescrupulosa por destaque e prestígio. Bateman representa o pior da sociedade e suas máscaras, sua superficialidade. Na busca por sentir algo, o protagonista realiza atrocidades inimagináveis. Em um perfeito contraste de imagem entre o corretor da bolsa de Nova Iorque em ascensão e o homem frio e cruel que se incomoda com tudo que os outros possam fazer para ofuscá-lo, refletimos sobre as nossas fraquezas sociais.
Enquanto ele cultiva a imagem do homem culto que assiste “Os Miseráveis”, ele mata mendigos na rua; enquanto possui um relacionamento invejável, mantém relações sexuais com várias outras mulheres (lê-se aqui “objetos”), se excitando com sua própria visão e não pelo ato em si; enquanto faz parte de um coeso e semelhante grupo de funcionários de conversas vazias, deseja assassinar todo aquele que se destaca em seu lugar. E não para por aí, este psicopata americano é além de extremamente narcisista, muito machista, racista, homofóbico… E tem como ídolo o Donald Trump (pois é).
"Ao entrar na tinturaria chinesa, passo quase encostando por um mendigo suplicante, um velho, quarenta ou cinquenta anos, gordo e grisalho, e bem quando vou abrir a porta reparo, ainda por cima, que é também cego e piso-lhe o pé, que na verdade é um coto, fazendo-o derrubar a caneca, espalhando os trocados por toda a calçada. Fiz isso de propósito? O que você acha? Ou fiz sem querer?"
Como eu disse no começo do texto, eu já esperava algo extremamente forte, pois já assisti ao filme inúmeras vezes. Porém, não estava preparada para a força e violência da história que iria encontrar. Apesar do filme ser bastante fiel, as cenas do livro são bem mais detalhadas (muito mesmo) e repulsivas, de forma a te deixar completamente horrorizado, mas mergulhado na história. Além de assassinatos e objetificação de mulheres, temos também estupro, tortura animal e até assassinato de bebê. É gatilho após gatilho.
“Psicopata Americano” é narrado em primeira pessoa por Patrick Bateman, porém não se iluda. Você não terá um minuto de empatia ou entendimento pelas atitudes do personagem. O clima do livro se resume em uma completa revolta e desgosto pelo protagonista. No entanto, essa característica da narrativa é importante para entender dois pontos: a principal crítica e decepção de alguns leitores do livro, e o seu final aberto e reflexivo.
Primeiramente, muita gente relata ter dificuldade com o livro pela sua excessiva descrição, sejam das cenas violentas como as demais do cotidiano. Patrick não enxerga as pessoas, enxerga apenas seus pertences de marcas e atributos físicos (no caso das mulheres) interessantes, ou seja, seu relato é arrastado, repetitivo, confuso e cansativo em vários momentos ao descrever toda a roupa e acessórios de alguém. No entanto, em minha opinião, é algo completamente necessário (apesar de ser difícil mesmo). O outro ponto nos remete ao final do livro, então vou ser o mais genérica possível para evitar spoiler. Quem está nos contando a história é o Bateman, todos os diálogos, detalhes, emoções, situações e percepções. Tudo é dito e afirmado por ele. Isso propicia uma trajetória em sua própria condição psicológica, possibilitando refletir no que se deve acreditar. Pelo que está descobrindo, ele é tão confiável assim?
"Meu eu é inventado, uma aberração. Sou um ser humano nada contigente. Minha personalidade é vaga e informe, minha falta de sentimento é profunda e persistente. Minha consciência, minha piedade, minhas esperanças desapareceram há muito tempo (provavelmente em Havard), se é que jamais existiram. Não há nenhuma outra barreira a ser vencida. Tudo que tenho em comum com o incontrolável e o insano, o cruel e o mal, todo o horror que causei e minha total indiferença a ele, já superei."
O livro foi publicado pela primeira vez em 1991, causando grande polêmica. O engraçado então é pensarmos que 30 anos depois toda a selvageria retratada pode ser vista como uma previsão cumprida. O capitalismo desenfreado apresenta seu ápice, a superficialidade e a futilidade acompanham em ritmo exponencial, os crimes e atos violentos de Patrick Bateman não são tão inéditos e nem chocam mais pela surpresa e capacidade, e inclusive o mundo já deu voz e credibilidade às ideias de Donald Trump, que são bem semelhantes às do protagonista. Assustador, não é?!
A Darkside Books, mantendo seu nível impecável, traz uma edição lindíssima e repleta de detalhes desde a luxuosa capa. Pra você que ainda não teve a oportunidade de mergulhar nesse universo incômodo e sangrento de Bret Easton Ellis, essa é uma grande oportunidade. “Psicopata Americano” é um daqueles livros que todo mundo precisa incluir um dia em sua lista de leituras pelas reações e questionamentos que provoca, no entanto, nem todo mundo estará preparado para o que vai encontrar.
Por: Karina Rodrigues
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