Coruja 14/02/2011Esse livro foi indicação de um grande amigo, o Flávio, quando ele estava fazendo o primeiro ano de psicologia. "Cara, é muito, bom, bem viajado, tem umas questões de sonho e blá, blá, blá..." Não lembro das palavras exatas que ele usou, mas, em resumo, o sentido era esse. Assim foi que Confissões de um Comedor de Ópio foi o primeiro livro de que me lembrei para colocar na lista de fevereiro do Desafio Literário 2011.
Não sou difícil de agradar. Leio de tudo um pouco e, de uma forma geral, sempre me divirto com o que estou lendo. Vou de ensaios filosófico-literários a romances de banca num mesmo dia e, de uma forma geral, sempre encontro alguma coisa, por mais viajada que seja, que me agrada.
O livro de De Quincey, contudo, é um daqueles raros volumes com o qual não fui com a cara.
Thomas De Quincey foi um autor inglês... e parece que só. Nesse livro, ele conta como foi um menino prodígio, tanto que decidiu sair da escola mais cedo e ir para a faculdade - porque, sabe como é, ele sabia muito mais grego que qualquer um de seus mestres. Problema é que, menino ingênuo que era, muito dado aos livros, calculou errado seus gastos, seu orgulho e suas direções, e foi parar em Londres, onde quase morreu de fome, vivendo de favor e, de uma forma geral, não fazendo nada de útil.
Nesses anos de privações, ele arranjou uma doença estomacal terrível, que mais tarde lhe causava tantos momentos de tortura que ele começou a tomar ópio de forma medicional - e, depois de algum tempo, de forma recreativa mesmo, em doses que, segundo os médicos de hoje, matariam um cavalo.
O que significa que ou nosso Thomas tinha uma resistência prodigiosa ou simplesmente andava tão mal das pernas com tanta droga em seu sistema que em algum ponto desaprendeu a contar.
Minha crítica nem é tanto às incongruências da história do rapaz. Posso até engolir que ele era ingênuo e inocente o suficiente para chegando em Londres e se escondendo da família com medo de ser mandado de volta à escola, tenha se enfiado por uma vida de quase mendicância, quando podia, com sua fluência em grego, ter sido tutor em alguma casa de família, arranjado algum trabalho, enfim, que o sustentasse ao menos modicamente.
Meu grande problema, contudo, foi a forma desapaixonada com que De Quincey escreve. Considerando as agruras pelas quais o homem passou - e eu totalmente me comisero com ele relativamente às gastrites da vida - era esperado que ele demonstrasse um pouco mais de sentimento ao falar sobre isso. E na segunda parte do livro, quando ele se predispõe a falar sobre os sonhos que o atormentaram sob efeito da droga - sonhos que deveriam ser terríveis, majestosos, coloridos ou sombrios... céus, não é nem que ele coloco os fatos de uma forma crua, ele só... joga aquilo para cima de você de uma forma tão monótona que você é capaz de imaginá-lo lendo, com a voz sem qualquer emoção ou inflexão, mesmo ao se deparar com seus medos e pesadelos mais terríveis.
A história dele tinha um potencial incrível - até pelo contexto histórico, pela situação político-internacional em torno do tráfico de ópio, que levaria a Inglaterra à Guerra dos Boxers com a China em 1899. Existia à época toda uma cultura em torno da droga, com casas para que os viciados pudessem tomá-la e passar o tempo de seus delírios em paz (ou tanto quanto é possível quando se está sob o efeito de uma droga como essa), com a aquiescência do governo e até uma certa aura de sofisticação e intelectualidade - ao menos no princípio.
Nada disso foi aproveitado por De Quincey. Vá lá que ele quisesse dar ao seu relato um tom de parecer científico - mas além de ser chato (e não posso encontrar outra palavra para classificá-lo), ele é inexato e não apresenta quaisquer conclusões. Embora durante boa parte da história ele faça uma apologia do ópio - tanto que se diz da "Igreja do Ópio", volta e meia ele faz um comentário sobre os efeitos mais danosos da droga, embora nunca adentre muito o assunto.
É um livro, portanto, que está no meio do caminho e não sabe bem o que deve ser - o que talvez, no final das contas, deva ser perdoado, já que De Quincey parece escrever sob efeito do ópio (que, de acordo com seu relato, lhe dá uns 'trancos intelectuais').
Ok, amigo, eu te perdôo. Mas, certamente, você não será um livro que farei questão de tirar da estante e reler.
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)