Ana Aymoré 18/11/2019Nove maravilhas de OsmanMuito já foi dito daqueles nomes incontornáveis da literatura brasileira, que renovaram, transformaram ou subverteram de modo único o uso literário de nossa língua e, por isso, são incomparáveis a outras e outros escritores. Notadamente, se fala sempre em Machado, Guimarães e Clarice como maiores exemplos de uma produção literária fora da curva - o que é, diga-se de passagem, merecidíssimo. Mas há outros nomes menos lembrados e provavelmente muito menos lidos e que mereceriam, igualmente, figurar nessa lista, e Osman Lins é um deles, certamente.
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O escritor pernambucano, cujo romance Avalovara é considerado por Milton Hatoum como um dos pontos culminantes da literatura brasileira do século XX, publicou em 1966 um volume de contos (denominados por Osman não como contos, mas como narrativas) tão impressionante e tão singular - este Nove, novena - que qualquer tentativa de sintetizá-lo estaria, de cara, fadada ao fracasso. Dele, posso apenas lançar fragmentos de ideias, impressões e sensações de leitura que são e serão inesgotáveis. Que jamais presenciei transições tão vertiginosas, impossíveis, e, ao mesmo tempo, tão tangíveis e encadeadas, entre múltiplas vozes narrativas: vozes que se alternam, por vezes, no meio de uma frase, vozes que se fundem num único eu para, em seguida, separar-se novamente, e desvelar os abismos entre o eu e o outro. Que há, em muitas de suas narrativas, personagens mais verdadeiros do que a própria vida, de uma sabedoria absoluta e desconcertante, como Joana Carolina. Que há algo de verdadeiramente mágico nessa escrita que associa nossos signos alfabéticos tão conhecidos a outros que evocam os signos alquimicos, astrológicos, esotéricos, musicais e matemáticos, cujas notações prefiguram, por sua vez, modos de decifração que oscilam incessantemente entre o hermetismo e "sua original clareza". Uma escrita hieroglífica, justo "equilíbrio entre a vida e o rigor, entre a desordem e a geometria". Uma escrita que também fabrica, com seus recursos, uma elefanta prodigiosa, e faz dela o centro do pentágono, também da estrela, que situa nosso lugar no mundo.