Marcos606 28/03/2023
Um jovem encontra um pedaço mágico da pele de um burro selvagem, que satisfaz todos os seus desejos. Para cada desejo concedido, porém, a pele encolhe e consome uma parte de sua energia física.
Embora o romance use elementos fantásticos, seu foco principal é um retrato realista dos excessos do materialismo burguês. A renomada atenção de Balzac aos detalhes é usada para descrever uma casa de jogo, uma loja de antiguidades, um banquete real e outros locais. Ele também inclui detalhes de sua própria vida como um escritor esforçado, colocando o personagem principal em uma casa semelhante à que ocupou no início de sua carreira literária. O tema central é o conflito entre desejo e longevidade. A pele mágica representa a força vital do dono, que se esgota a cada expressão de vontade, especialmente quando é empregada para a aquisição de poder. Ignorando um aviso do lojista que lhe oferece a pele, o protagonista avidamente se cerca de riqueza.
No início do livro, o lojista discute com Valentin "o grande segredo da vida humana". Eles consistem em três palavras, que Balzac traduz em letras maiúsculas: VOULOIR ("querer"), POUVOIR ("poder") e SAVOIR ("saber"). A vontade, explica ele, nos consome; o poder (ou, em uma tradução, "ter sua vontade") nos destrói; e o conhecimento nos acalma. Esses três conceitos formam o fundamento filosófico do romance.
O talismã conecta esses preceitos à teoria do vitalismo; ele representa fisicamente a força vital de seu dono e é reduzido a cada exercício da vontade. O lojista tenta alertar Valentin que o caminho mais sábio não está em exercer sua vontade ou assegurar o poder, mas em desenvolver a mente. "O que é loucura", ele pergunta a Valentin, "se não um excesso de vontade e poder?" Vencido com as possibilidades oferecidas pela pele, porém, o jovem joga a cautela ao vento e abraça seu desejo. Ao agarrar o talismã, declara: “Quero viver com excessos”. Somente quando sua força vital está quase esgotada, ele reconhece seu erro: "De repente, ocorreu-lhe que a posse de poder, não importa quão enorme fosse, não trazia consigo o conhecimento de como usá-lo ... [ele] tinha tudo em seu poder, e ele não fez nada"
A vontade, adverte Balzac, é uma força destrutiva que busca apenas adquirir poder, a menos que seja temperada pelo conhecimento. O lojista apresenta um contraste para o futuro eu de Valentin, oferecendo estudo e desenvolvimento mental como uma alternativa ao desejo de consumo. Foedora também serve de modelo de resistência à corrupção da vontade, na medida em que procura sempre despertar o desejo nos outros sem nunca ceder ao seu próprio. O fato de Valentin ser mais feliz vivendo na miséria material de seu minúsculo sótão - perdido em estudos e escrita, com a bondosa Pauline se entregando a ele - ressalta a ironia de sua miséria.
O romance extrapola a análise do desejo de Balzac do indivíduo para a sociedade; ele temia que o mundo, como Valentin, estivesse se perdendo devido ao excesso material e prioridades equivocadas. Na casa de jogo, na festa, no antiquário e nas discussões com homens de ciência, Balzac examina esse dilema em vários contextos. A ânsia de status social a que Valentin é levado por Rastignac é emblemática desse excesso; a linda mas inatingível Foedora simboliza os prazeres oferecidos pela alta sociedade.
A ciência não oferece nenhuma panaceia. Em uma cena, um grupo de médicos oferece uma série de opiniões rapidamente formuladas sobre a causa da debilidade de Valentin. Em outro, um físico e um químico admitem a derrota após empregar uma série de táticas destinadas a esticar a pele. Todas essas abordagens científicas carecem de uma compreensão da verdadeira crise e, portanto, estão fadadas ao fracasso. Embora seja mostrado apenas em vislumbres – a imagem de Cristo, por exemplo, pintada pelo homônimo de Valentin, o artista renascentista Raphael – Balzac desejava lembrar aos leitores que o cristianismo oferecia o potencial para moderar o excesso mortal. Após fracassar na tentativa de esticar a pele, o químico declara: "Acredito no diabo"; "E eu em Deus", responde o físico.