Kris Monneska - Conversas de Alcova 15/04/2016Uma Obra permeada de Riqueza Cultural, respeito e representatividadeAqualtune é Alice, Alice é Aqualtune.
Complicado???
Acalmem-se eu vou explicar melhor.
Aqualtune é uma adolescente, que como muitas acha seu nome complicado, precisa ficar repetindo, porque as pessoas não entendem e etc. o que acaba fazendo com que ela não o aceite e sendo assim ela decide que nunca mais terá que soletrar o seu nome pra ninguém, e resolve abolir o nome Aqualtune da sua vida (ainda que não juridicamente) e adota o nome de Alice, mesmo sob os protestos dos seus país de que Aqualtune, é um nome forte, imponente, diferente, original e que carrega em si uma grande história. E é assim que Aqualtune passa a ser Alice.
A Nossa história começa, quando nas férias Alice viaja junto com sua melhor amiga Maria, Guilherme e os pais de Maria para uma fazenda, na Serra da Barriga em Alagoas. Essa fazenda em outros tempos foi uma imponente fazenda canavieira, localizada na Capitania Hereditária de Pernambuco e como todas na época abrigava muitos escravos, além de ficar muito próxima do Quilombo dos palmares.
Ao chegarem na fazenda todos perceberam que apesar da decadência do lugar, ali tudo contava a história, inclusive os moradores, descendentes dos escravos que lutaram por liberdade, que ainda habitavam os antigos quilombos e se ocupavam de passar de geração para geração a história e a cultura do seu povo. E é uma moradora da vila quilombola, a Vó Cambinda que ao ouvir o nome Aqualtune, sente que é chegada a hora do cumprimento de uma antiga profecia do seu povo. De que uma menina chamada Aqualtune, assim como a princesa guerreira do congo, viria a encontrar o tesouro da princesa e provar que a sua história era real.
A Vó cambinda apresenta aos garotos o seu neto Kafil, que tem a mesma faixa etária deles e é um exímio conhecedor da área e eles logo se tornam bons amigos, rola até um doce romance. E é lógico que não seria difícil convencer aos adolescentes de férias a toparem uma aventura em busca do tesouro de Aqualtune.
Vocês podem estar nesse momento se perguntando quem foi a Princesa Aqualtune e eu vou fazer um resuminho sobre ela pra vocês a partir do que me foi repassado pelo próprio livro. É comprovado que Aqualtune realmente existiu, mas o que se sabe sobre a sua vida é muito impreciso. Diz-se que ela teria nascido no Congo, no século XVI e que seria filha do rei, o que faz dela princesa, mas era também uma guerreira. Foi capturada por um reino rival, vendida como escrava e trazida ao Brasil, onde desembarcou no Recife e levada a um engenho em Porto Calvo de onde ela Fugiu e se refugiou no Quilombo dos Palmares. Há especulações de que ela tenha sido mãe de Ganga Zumba ou avó de Zumbi, mas esses parentescos nunca foram comprovados.
Como eu já mencionei, no skoob e até mesmo no meu perfil no Facebook, Aqualtune e as Histórias da África é uma das leituras infantojuvenis mais ricas em termos culturais, sociais e de representatividade que eu tive o prazer de ler atualmente. A Escrita da Ana Cristina Massa é muito didática e ao mesmo tempo fluída, ela consegue conduzir o leitor por toda essa aventura em um único fôlego. Em um momento nós estamos na fazenda em Alagoas ouvindo as histórias da Vó cambinda e em segundos estamos na África, fugindo na floresta junto com a princesa Aqualtune.
Eu me apaixonei pela riqueza de detalhes das lendas, dos fatos históricos e até mesmo da congada, mas principalmente sobre as religiões de matizes africanas, que normalmente são descritas de maneira demonizada, mas nessa obra não, aqui elas receberam o maior respeito.
"_ Bamburucema é o nome daquele tipo de vento que a gente sentiu e viu no céu. Para nós que viemos da África, é a manifestação de uma Deusa que tem a força da natureza. Para umas tribos da Àfrica, essa Deusa é chamada de Iansã, para o nosso povo, os Bantus, é a Bamburucema. Nunca acontece por acaso. Deusa das tempestades, raios e trovões. É força."
Por isso eu acredito que essa obra literária, deveria sim, ser levada as escolas, como forma de combater o preconceito e mais como forma de apresentar as nossas crianças um pouco mais sobre essa cultura africana, que faz tanta parte da construção cultural do nosso país, mas que nunca recebeu o devido respeito, pelo contrário foi demonizada e carrega até os dias atuais o grande fardo do preconceito. Ah, quase esqueci, além desse contexto, principal, a obra ainda apresenta bem de leve um plano de fundo que menciona a invasão holandesa.
Eu gostei bastante da construção dos personagens, onde de uma maneira bem peculiar a autora os estruturou muito mais psicologicamente, do que fisicamente. Em momento algum ela dá aos protagonistas da nossa história, uma cor específica, seja ela de pele, de olhos, de cabelo, o que abre mais ainda esse leque e possibilita aos leitores imaginarem os seus personagens e se identificarem com eles. Alimenta o conceito de que somos todos iguais e mostra o quanto essas padronizações físicas são desnecessárias.
Agora vou falar especialmente sobre a parte gráfica da obra. Como os visitantes mais assíduos do blog já sabem, eu sou estudante de designer na UFPE e assim sendo, não poderia de deixar de falar do trabalho maravilhoso que foi feito nas ilustrações do livro. Trabalho esse que arrancou vários suspiros de outros estudantes de designer quando esse foi comigo para a faculdade.
Nele, a equipe gráfica teve a brilhante ideia de desenvolver 'Pop Art' com elementos étnicos, tendo assim um resultado deslumbrante.
A diagramação do livro está maravilhosa, não notei erros de revisão, e apesar das páginas serem brancas, eu não senti que em momento algum isso tenha atrapalhado a minha leitura.
Enfim, essa é uma obra que eu vou guardar comigo e sem dúvidas lerei pra minha Alice, assim como para todos os filhos, sobrinhos e futuramente até netos que eu venha a ter, pois ela sem dúvidas vale a pena e faz a diferença. Agradeço a editora pela cortesia.
Espero que tenham curtido a resenha.
Beijos
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http://www.conversasdealcova.com/2016/04/resenha-aqualtune-e-as-historias-da.html