MarcosQz 26/05/2024
"Eu vou contar uma história, uma história de espantar."
Nas primeiras páginas do primeiro capítulo o narrador já nos diz o que vem pela frente em "palavras que foram pronunciadas em tom mais forte: terras, dinheiro, cacau e morte."
Ilhéus, a cidade de ouro da Bahia, onde quem era pobre poderia ficar rico amanhã e vice-versa. Onde o dinheiro corria solto, onde era fácil enricar. Mas é também Ilhéus a cidade em que a última palavra, e a única lei é a do gatilho. E é lá que se passa a história, é lá as terras do sem-fim.
O capitão João Magalhães está partindo para Ilhéus, levando um bom dinheiro e o anel de engenheiro que ganhou num jogo, além de cartões onde diz ser engenheiro militar, puro golpe. Antônio Vitor vai também, com a promessa de voltar feita para Ivone, mas dizem no navio que ninguém volta e a lua vermelha parece confirmar esse agouro. Mas as terras e o fruto de ouro são atrativos demais, é sinal de riqueza. O primeiro capítulo apresenta alguns personagens e suas histórias até ali, profundamente triste, com desejos bons e desejos de vingança. Tudo é cobiça.
Coronel Horácio é um homem perigoso, há lendas sobre ele circulando por todo lugar, um homem de verdade, um homem realmente ruim. Seu amor por Ester, sua mulher, é comparável ao amor que sente pelo cacau, ou até menor, quando compara o fruto ao corpo da esposa: "Com amor. Com infinito amor.". Ester era jovem e sonhadora, no casamento é infeliz. Um casamento que odiava, um lugar que não gostava, mas se acostumou com tudo, até em ser tomada pelo coronel todas as vezes, mas não se acostumava com a mata. Uma coisa horrível. Ester se vê feliz ao conhecer o dr. Virgílio, novo advogado na cidade e de seu marido, surge um desejo e um amor ardente entre os dois.
Os irmãos Badarós são os inimigos mortais do coronel Horácio em suas disputas por terras. Juca é mais novo, violento, gosta de resolver tudo na violência, na bala. Sinhô é o mais velho, está construindo a fortuna da família, mais racional, não gosta de mortes e sangue, mas quando é preciso não exita. Vê na Bíblia sinais do que precisa fazer. Até a jovem Don'Ana segue a visão da família, é preciso sangue para progredir.
Toda história gira em torno das disputas entre os homens pelas melhores terras. As duas famílias desejam a mata do Sequeiro Grande, majestosa, onde vive o velho Jeremias, preto velho ancestral, fugido ainda escravo e que se embrenhou na mata, conhecedor de feitiços, de plantas e de pragas. Todos temem o velho, mas o desejo pela terra é maior, até que Jeremias morre rogando praga aos invasores, clamando pelos deuses africanos.
Os trabalhadores vivem em condições precárias, devem fortunas aos patrões, vivem em casas coletivas que lembram as antigas senzalas. Como disse um velho numa noite: "As coisas não mudou, foi tudo palavra". A escravidão só mudou de perfil.
A mata é um deus, o mar está distante, a floresta virgem é a dona do mundo, onde é comprada e possuída com uma mulher virgem, desejada. Criaturas folclóricas se apresentam como as criaturas mágicas da mata que amedrontam os homens. A mata é um deus e é temida também, leva homens embora, mortos, enterrados e esquecidos pela mata que vai sendo desbravada para o plantio do cacau. A febre leva à todos, crianças, homens, mulheres. Jorge Amado transmite a dor da perda de forma intensa nas páginas finais de Terras do sem-fim. Uma morte de um grande amor para dois homens, que acaba os aproximando. Pela dor da perda e pela raiva, pelo menos por um tempo. Tudo parece ser fadado ao triste fim. O progresso é construído em cima de cacau e sangue.
A música está presente em Terras do sem-fim também, mas a música aqui é triste, já começa como sinal de desgraça, é sempre um lamento de morte, uma melodia triste. A única beleza é a do fruto do cacau.