Nâna 20/06/2023
Primoroso
Honestamente, foi inexplicável.
Eu não poderia escolher momento pior para começar essa leitura. Eu não tinha tempo, minha mente estava cansada e eu estava com uma dificuldade enorme de atenção. Mas ainda assim, foi excepcional.
Eu nunca li algo tão rico.
A narrativa é esplêndida; forte sem ser apelativa; sensível em seu tratamento; completa, com início, meio e fim; com enredo; com personagens interessantes, bem desenvolvidos, interligados, porém com construções únicas. Inclusive, encontrei certa dificuldade em decorar cada personagem e seus papéis, não esperava que fossem tantos.
Bom, o livro retrata as disputas de terras para a plantação de cacau no nordeste brasileiro. É evidente a percepção ilusória que se tinha sobre esta realidade, como a maioria dos personagens vão em busca da riqueza com as plantações e acabam por morrer nas ?terras adubadas por sangue?. O lugar do sonho se torna o pesadelo. Ninguém é feliz ou livre, todos estão ?presos pelo visgo do cacau mole?. Embora as coisas caminhem mal, não haja saúde básica, a exploração no trabalho seja tamanha e os grandes poderosos resolvam seus desagrados com assassinatos, todos permanecem ali pela esperança. É tão curioso, O sonho se torna a desgraça o que os prende a ela é a esperança.
São inúmeras camadas que Jorge não escreveu como os livros atuais, com frases de Pinterest para hitar no tiktok. É duro e direto, e a sensibilização se constrói no leitor, não na leitura. O homem que removeu um osso de passarinho do estômago de outro introduzindo nele um anzol; o coronel que mata seu maior aliado, responsável por sua vitória em função de uma traição enorme, íntima; a mulher que cuida de seu marido à beira da morte, culpada por tê-la desejado em algum momento, contrai sua doença e morre; o amante que se sente conectado ao traído, quem ele mais desprezou, porque ambos sentem a mesma dor; o mais poderoso de todos, que é um fraco, um homem insignificante, infantil, um completo ignorante, mas ainda assim, é maior que tudo à sua volta; o advogado brilhante que se desfaz de uma carreira cheia de futuro no Rio para se ligar ao ambiente da solidão e da morte, guiado pela ganância; o homem que não teme ser processado por assassinato porque todos os que julgaram fazem parte de seu eleitorado; o assassino respeitoso, que comete as maiores das atrocidades, mas não mata mulher; aquele que se apoia em tudo para conseguir o que quer e não se importa em desprezar o que já quis. Enfim, é tão grandioso, mas tão simples, que provoca inquietação ao leitor.
É tão social, deixa tão explícitas as diferenças entre a época da escrita e hoje, especialmente quanto às questões relacionadas ao racismo e à salubridade, à saúde. Mas em outros pontos faz parecer que nada mudou, que estamos andando em círculos no que toca a busca doentia e incessante pelo poder.
Véi, eu não consigo parar. Eu simplesmente estou apaixonada e muito grata por ter conseguido ir até o fim. É espetacular, é rico, é uma escrita repleta de conteúdo e que não precisa se agarrar a futilidades, ao conteúdo sexual para ser grande. Ela simplesmente é. Inclusive, eu adorei os hots do Amadão, mega elegantes e intensos, sem ser explícitos, escancaram todas as emoções e sentimentos envolvidos, mas não constrangem.
E o final... Aquilo foi tocante, foi triste, foi tão real e processual, muito show.
Jorge Amado, você foi foda para cara*ho nesse trabalho. Obrigada por essa contribuição.
Quem leu esse testamento de resenha, leia o livro. É bem mais fácil e prazeroso :)
PS: No meu coração o Virgílio e a Ester estarão para sempre juntos e felizes. Casalzão.