William 19/07/2012
ANÁLISE DA OBRA O "DISCURSO DO MÉTODO" DE RENÉ DESCARTES (www.paginadowill.com)
Introdução
Vida e Obra por Denis Lerrer Rosenfield
(P. 05) Descartes acreditava que colégios e Universidades não ensinavam propriamente a verdade das coisas, mas contentavam-se com a repetição dos ensinamentos dos antigos, principalmente de sua recepção no transcurso da Idade Média. Por isso Descartes fez sua carreira à margem da universidade. (...)
(P. 06) Havia uma profunda inquietação com as formas da filosofia e da ciência reinantes naquela época. Para ele a ciência e a filosofia estavam esclerosadas, pois tinham como ponto de referencia indubitável e verdadeiro a filosofia escolástica[1], de cunho tomista-aristotélico[2], como se não mais coubesse a pergunta pela verdade de algo, de uma preposição, mas tão somente uma disputa dobre a interpretação de “verdades” tidas como eternas.
Para Descartes era necessário resgatar o princípio da filosofia, isso implicava um pensamento autônomo, livre de quaisquer amarras e, sobretudo, livre de toda espécie de preconceito.
Se cada um de nós almeja ter uma idéia verdadeira, devemos preliminarmente afastar todo pré-conceito e pré-conhecimento, sedimentado no senso comum.
O senso comum de uma época, qualquer que seja, não é nem pode ser critério de verdade.
Aventura e filosofia.
(P. 07) Seu propósito central, ao viajar, consistia em nada reconhecer como verdadeiro sem que, antes, tivesse passado previamente pela sua razão, pelo crivo de um procedimento metódico, baseado na dúvida e na hiperbolização dessa.
Nenhuma idéia merece o qualificativo de verdadeira, senão for objeto de um questionamento radical que permita chegar a princípios, proposições primeiras, que sejam, de fato indubitáveis[3].
O diagnóstico de Descartes sobre o conhecimento de seu tempo era que este tinha sido desordenadamente construído, sem um principio condutor.
(P. 08) Para ele o conhecimento e a ciência exigem trabalho, questionamentos sistemáticos e métodos. O dogmatismo é o pior companheiro da filosofia.
Um novo edifício seria necessário, construído a partir de sólidos alicerces, que só seriam alcançadas pela elaboração de novos princípios, primeiras proposições indubitáveis. De posse deste novo método, os homens poderiam seguir os passos de uma sabedoria teórica e prática.
(P. 11). Obras.
Em 1637, publica Discurso do Método, obra inaugural da filosofia moderna, escrita em língua vulgar (francês). Naquela época, as obras filosóficas eram escritas em latim e estavam voltadas para um público “douto”.
Descartes tinha o propósito de alcançar um amplo público, de tal maneira que os assuntos humanos estivessem ao alcance de cada um. Até mesmo as mulheres, que não eram consideradas seres racionais no sentido completo da palavra.
(P. 12) E como se tratava de um “discurso do método” a sua preocupação central residia no como conhecemos, no como podemos ter acesso a idéias verdadeiras, que fossem imunes ao erro.
Ele se voltava contra todo pré-conhecimento, todo pré-conceito, pois a maneira mediante a qual pensamos nos induz freqüentemente ao erro, à falsidade, à mera aceitação do senso comum, daquelas idéias que foram sedimentadas no nosso modo habitual de pensar.
Descartes propugnava por um pensamento jovem, aberto à crítica e aos questionamentos, capaz de exercer uma dúvida cética e de resistir à mesma dúvida graças a uma razão aberta ao questionamento de seus próprios princípios.
Ele lutava, por um mundo onde a fé não ordenasse as relações humanas, mas ficasse confinada a um lugar específico, ao do culto de cada um, não invadindo as esferas dos costumes, da política, da filosofia e da ciência em geral.
Moderno, ele defende a idéia de que a razão deveria permear todos os domínios da vida humana, numa atividade libertadora, voltada contra as mais diversas formas de dogmatismo.
Em 1641, aparece o livro “Meditações Metafísicas”. Agora ele escreve em latim para conquistar outro ramo da sociedade. E assim ser admitido nos meios letrados.
(P. 13) Nesse livro, ele vai se defrontar com as grandes questões da filosofia primeira. Aplicando seu método ao conhecimento de Deus e à demonstração da imortalidade da alma mediante a separação desta como diferente do corpo. Se o pensamento é uma propriedade essencial da alma, enquanto a extensão é do corpo, então um pode existir sem o outro. Para ele, mente, espírito, alma e razão são sinônimos. O corpo é extensão, sendo que essa propriedade não poderá ser aplicada a alma.
(P. 14) Nesta obra, Descartes aprofunda as suas provas da existência de Deus, explorando-o racionalmente. Com isso a razão já não admite limites, senão aqueles que ela mesma se dá. Essa disciplina chamar-se-á teologia natural ou filosofia primeira. Nada mais é considerado sagrado.
(P. 15) “Paixões da Alma” tem como objeto as paixões, os sentimentos, aquilo que o homem sente e pensa na sua condição de estar no mundo. Coloca-se a questão de como deve agir o homem virtuoso respondendo as paixões do corpo.
(P. 16) Em “Princípios da Filosofia” expõe toda sua filosofia, visando torná-la um manual para ser utilizado nos colégios jesuítas. Aqui temos um outro Descartes, preocupado com seu sucesso. Ele pensava que com esse livro, os manuais aristotélico-tomista seriam substituídos. O que não aconteceu.
O Fim.
O seu renome é grande. A filosofia cartesiana impõe-se como a nova filosofia, inaugurando o pensamento moderno. O racionalismo encontra em Descartes uma de suas grandes expressões.
(P. 17) Depois de sua morte, a sua correspondência começou a ser publicada. Nela, ele falava mais livremente sobre as grandes questões filosóficas e teológicas, sem a preocupação com a censura da igreja.
Nela a razão entrava, mas profundamente, na análise de dogmas religiosos como o da eucaristia e o da criação do mundo segundo a Bíblia.
No ano de 1663, uma parte de seus livros entra no índex da Igreja. Sob a alegação de exercícios metafísicos em assuntos religiosos e teológicos.
Argumentos Filosóficos.
O bom senso ou a razão.
(P. 18) Descartes considerava o bom senso ou a razão a coisa mais bem compartilhada entre os homens. A capacidade de discernir o verdadeiro do falso era igual em todos os homens. O que os distingue é a sua aplicação, pois essa deriva dos costumes, da religião, dos conhecimentos adquiridos, daquilo que ganhou o estatuto de verdade, embora não o seja. A razão iguala, as opiniões diferenciam os homens.O problema consiste, porém , em que essas opiniões podem impossibilitar a ciência, a filosofia e o próprio convívio regrado e pacífico entre os homens.
Descartes procura estabelecer um método que possa ser seguido por todo e qualquer homem, independentemente da época, opinião, crença, costumes ou sexo.
Um método que poderia ser utilizado por qualquer indivíduo sempre e quando estivesse disposto a fazer uso de sua razão e abandonar meras opiniões que não teriam nenhum fundamento sólido de sustentação.
Um método que permitiria que o edifício do conhecimento se construísse sobre bases sólidas, que não poderiam ser demolidas por opiniões impertinentes.
(P. 19) Um método voltado, para a busca da verdade e não da verossimilhança. E quando dizemos busca da verdade, referimo-nos a um livre exercício da razão, que pode ser publicamente reproduzido por qualquer um, de tal modo que desse exame público, coletivo, possa surgir um conhecimento indubitável.
O encontro com a verdade não tem nada de dogmático, ele significa somente um encontro da razão consigo mesmo num procedimento livre e metódico.
A Reforma do Pensamento.
(P. 20) Descartes sabia que não se poderia aplicar esse procedimento a uma revolução abrupta dos costumes e das relações sociais e políticas. Não teríamos um acordo metódico, consensual, mas a força invadindo todos os espaços de vida. Em lugar, ter-se-ia apenas o império da violência.
O questionamento deveria proceder por etapas, com conquistas graduais, ocorrendo, primeiro, no nível das idéias, para depois ganharem os outros campos da vida, onde os costumes seriam mudados, sociedades desenvolvidas e Estados aprimorados.
Descartes afirma que seu propósito consiste em apresentar uma experiência individual que poderia ser adotada por outros. Se bem sucedida nesse nível individual, ela poderia ser considerada um caminho seguro de conhecimento, que tornaria viável o progresso de toda uma coletividade, de toda a humanidade.
Uma humanidade avança se empreende a reforma do pensamento, e essa começa por indivíduos que procuram retomar as próprias bases do conhecimento em geral. Nisso encontra-se os grandes homens da história.
(P. 21) Regras do Método.
Descartes propõe quatro regras do método, que de tão simples pode ser adotada por qualquer um livre de preconceito.
1º “Não aceitar nada como verdadeiro sem antes ter passado pelo crivo da razão”. Para que o pensamento não seja tomado por paixões ou se deixe guiar por preconceitos.
2º “Tudo o que aparece como complexo deve ser dividido em tantas partes simples quanto possível”. Pois a razão, ao focar um problema perfeitamente delimitado, tem mais condições de resolvê-lo do que se encarar algo composto de várias maneiras.
3º “Uma vez feito esse processo de simplificação, ele deve seguir um ordenamento, de modo que a remontagem para o composto possa ser feita sem desvios, que prejudicariam a verdade almejada”. Trata-se do estabelecimento de uma ordem lógica, necessária entre esses elementos simples. A busca da verdade pressupõe o descobrimento de nexos necessários.
(P. 22) 4º “Como esse procedimento pode ser retomado e repetido por qualquer um, ele deve dar lugar a tantas revisões quanto necessárias”. De modo que as contribuições e objeções de todos possam ser levadas em consideração, pois ela é a condição mesma de estabelecimento da verdade.
A Moral Provisória.
Enquanto os pensamentos estão em ebulição, a vida continua. Por isso torna-se necessário uma moral provisória, que permita a quem se dedica à filosofia viver segundo o mais provável, enquanto o pensamento segue o seu próprio percurso.
(P. 23) 1º A primeira estipula seguir as regras existentes em cada país, de modo que os costumes e as leis sejam observados. Não se trata de uma obediência cega, mas decorrente das necessidades de uma razão, seguindo uma espécie de termo-médio, capaz de orientar as ações de uma forma adequada. Enquanto o exame corre solto no nível do pensamento.
2º Devemos ser resolutos e firmes em nossas ações, pois por maior incerteza que tenhamos devemos agir de modo que cheguemos a algum lugar, mesmo que cheguemos a um lugar errado. (P. 24) Pessoas que hesitam constantemente não chegam a lugar nenhum, como se andassem em círculos. Uma decisão uma vez tomada deve ser assumida com firmeza, tal como uma hipótese cientifica que deve ser verificada. Se ela for demonstrada falsa, pelo menos saberemos com certeza que esse caminho não deverá ser novamente trilhado.
3º As mudanças devem ser feitas na consciência de cada um, para que o exercício da razão se torne uma maneira habitual de pensar, sem preconceitos. O mundo, pelo menos por enquanto, deve permanecer tal como é, pois uma transformação abrupta não estaria seguindo nenhum preceito de razão. Cada homem, já no ato de seu nascimento, está inserido no mundo, num contexto de costumes e regras. Impõe-se como uma necessidade, o controle dos desejos e das paixões, pois todo descontrole termina repercutindo sobre aquele que desta forma age.
(P. 25) 4º A moral implica, uma escolha de vida. Ele opta por um fim não provisório, a saber, o contentamento advindo de um bem maior, o da verdade enquanto fruto de uma razão questionadora, metódica e aberta. A verdadeira felicidade, o bem supremo consiste principalmente, na conquista da verdade, o que pressupõe a escolha de determinadas condições que possibilitem que esse fim seja alcançado. A filosofia para Descartes é uma opção pela vida contemplativa, aquela que o dispôs a ser “mais espectador do que ator” nas comédias do mundo.
Penso, logo existo.
A metafísica é o conhecimento das coisas que se encontram acima da physis, acima do mundo físico. O conhecimento, as idéias, o ser perfeito e infinito, liberdade.
(P. 26) Entre os objetos que a metafísica do séc. XVII colocava como seu domínio de estudo estavam Deus e a imortalidade.
Mas para que a filosofia pudesse alçar-se com certeza ao conhecimento desses objetos, era necessário que ela estivesse em possessão de princípios de validade universal. Era necessário que ela efetuasse um novo começo, onde tudo passasse preliminarmente pelo exame da razão.
Nesse contexto Descartes vai elaborar a célebre proposição “Penso, logo existo”. Ela é resultado de todo um trabalho de questionamento radical das coisas passiveis de serem conhecidas. Dentre elas, aquelas que se originaram no conhecimento sensível ao em atos de imaginação.
Na 1ª, temos a experiência de que o conhecimento oriundo das sensações freqüentemente nos engana, de modo que ele não pode ser uma orientação segura.
Na 2ª, muitas vezes criamos objetos quiméricos, que não possuem nenhuma correspondência com o real.
Assim, Descartes optou por considerar que todo conhecimento seria falso, por não serem seus fundamentos estabelecidos com clareza e distinção.
Sobrou-lhe deste ato a generalização da dúvida apenas uma certeza, a de que o sujeito que duvida radicalmente não pode duvidar de duvidar. (P. 27) E como o ato de que a proposição “Penso, logo existo” era verdadeira, construindo o ponto de partida de sua filosofia.
A razão se encontra consigo neste ato puro de pensamento, livre de qualquer condicionamento físico, sensível ou imaginativo.
Deus.
(P. 28) Quando dizemos algo como imperfeito, estamos aplicando a idéia de perfeição sob a forma de falta de alguma coisa. Ao demonstrar que a idéia de perfeição não se origina nos sentidos mas na razão, não sendo uma construção imaginária, Descartes abre o caminho para uma prova racional da existência de Deus.
Perguntando-se sobre a origem dessa idéia, Descartes se depara com o problema de que ela não se pode originar do nada, pois do nada, nada provém.
Um ser imperfeito não pode ser a causa da criação de um ser perfeito, pois o menos não pode ser a causa do mais.
Resta, portanto, a opção de que a idéia de perfeição, tenha sido posta na razão por um ser perfeito. Só um ser sumamente perfeito pode ser causa de si mesmo.
Uma vez que a razão não se origina da criatura, torna-se necessário que ela tenha uma origem e essa origem esta num ser que é a sua causa. E esse ser perfeito não pode ser inexistente, pois isso seria contraditório.
Homem-Maquina
(P. 29) Descartes parte para o conhecimento do mundo físico em particular o corpo humano: A física dos corpos humanos.
Uma vez demonstrada à imortalidade da alma, onde a sua existência é distinta da existência sensível, o corpo humano aparece como sendo do mesmo tipo do corpo dos animais, funcionando de uma forma mecânica como se fosse uma maquina.
Descartes, junto com o médico inglês Harvey, está na origem da anatomia, em particular do descobrimento do modo de funcionamento da circulação sanguínea.
(P. 30) O bem-estar.
A filosofia tem um fim prático, o de propiciar o bem-estar de todos os homens, bem-estar físico em relação ao corpo, bem-estar material em relação aos ganhos oriundos da aplicação da ciência e da tecnologia. A saúde é considerada como um dos bens mais prezados pelos homens, assim como as comodidades da vida que possibilitam ema existência mais fácil e prazerosa.
O conhecimento visa ao bem coletivo, de modo que possamos nos tornar “mestres e possuidores da natureza”.
A ciência não é, entretanto, o resultado de esforços apenas individuais, é principalmente um empreendimento coletivo, baseado na divisão do trabalho.
(P. 31) Descartes defende vigorosamente a divisão do trabalho como principio do progresso das sociedades, pois muitos pesquisando coletivamente e seguindo os mesmos princípios, podem produzir resultados muito melhores e mais abrangentes do que aqueles que seriam conseguidos por um indivíduo isolado.
Na medida em que há um avanço no conhecimento da natureza, tendo como procedimento essa divisão do trabalho intelectual, o bem coletivo, se torna acessível a um número cada vez maior de seres humanos, fazendo com que a vida de todos se torne muito melhor.
O bem dos homens, eis o alvo da filosofia.