Confiança e medo na cidade

Confiança e medo na cidade Zygmunt Bauman




Resenhas - Confiança e medo na Cidade


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Romeu Felix 26/02/2023

Fiz o fichamento sobre esta obra, a quem interessar:
O livro "Confiança e medo na cidade" é uma reflexão sobre a importância da confiança nas cidades e como a falta dela pode gerar medo e insegurança. Bauman argumenta que a confiança é um elemento crucial para a vida urbana, pois ela permite que os indivíduos estabeleçam relações de reciprocidade e cooperação com os outros, o que é fundamental para a construção de uma sociedade justa e equilibrada.

O autor destaca que a falta de confiança pode ser explicada pela fragmentação social e pela individualização que caracterizam a vida nas cidades contemporâneas. Em um contexto em que as pessoas são cada vez mais incentivadas a buscar seus próprios interesses e a competir entre si, é difícil estabelecer laços de solidariedade e confiança com os outros.

Bauman também discute como a insegurança nas cidades é alimentada pelo medo, que é uma emoção cada vez mais presente na vida urbana. Ele argumenta que o medo é resultado de um discurso midiático e político que enfatiza os riscos e perigos presentes na vida urbana, o que leva as pessoas a se sentirem vulneráveis e inseguras.

Por fim, o autor defende que é preciso construir cidades mais justas e solidárias, em que a confiança e a cooperação sejam incentivadas e valorizadas. Para isso, é necessário superar a fragmentação social e o individualismo que caracterizam a vida nas cidades contemporâneas e investir em políticas públicas que promovam a inclusão social e a solidariedade.

Comentário:
"Confiança e medo na cidade" é um livro importante para entender as transformações que ocorrem nas cidades contemporâneas e suas implicações para a vida urbana. Bauman oferece uma reflexão crítica e profunda sobre a importância da confiança para a construção de uma sociedade justa e equilibrada, bem como sobre os obstáculos que impedem sua realização nas cidades contemporâneas. O livro é de fácil leitura e acessível a um público amplo, sendo recomendado tanto para especialistas em sociologia urbana quanto para leitores interessados em entender as transformações sociais e culturais que ocorrem nas cidades.
Por: Romeu Felix Menin Junior.
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KinoplexGuilha 31/03/2022

Entre muros segregação e vigilância
Ser moradora de São Paulo capital altera muito a minha perspectiva de como encarar esse livro. A realidade segregacional brutal apontada por Bauman é mais que presentes. Eu cresci em volta de muros que delimitavam onde eu podia e não podia ir, quem era eu e quem era eles. Um livro muito bom, leitura bem recomendada
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Paloma.Ferreira 02/07/2021

Gated Communities
CAPÍTULO 1 – Confiança e medo na cidade
“...as cidades globais entraram numa nova fase histórica, inaugurada no fim do século XX.”
No primeiro capítulo, Bauman nos constrói a estrutura textual a partir dos sentimentos, uma ótima narrativa, já que o capítulo do livro nos traz justamente dois sentimentos dicotômicos muito debatidos em todo o nosso contexto de vida. Viver a cidade é uma experiência ambivalente, assim como ela é capaz de atrair, seu poder de afastar também é grande.
É emergido um debate sobre insegurança, medo e emoções que nos aflige e que consequentemente despertará tais sentimentos no ser humano em relação ao meio em que está inserido. Sigmund Freud vai apresentar três causas embasadas na “lógica factual” da psique humana, no que tange os sofrimentos humanos:
Primeira (medo de sofrer), Segunda (medo em si): “poder superior da natureza, da fragilidade dos nossos próprios corpos e da inadequação das normas que regem os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade.” (Freud apud Bauman, 2005).
Aceitamos os limites do que somos capazes de fazer. Sabemos que nunca conseguiremos dominar a natureza totalmente e menos ainda tornaremos nossos corpos imortais. Ou seja, estamos prontos da nos contentar com “segundas opções”.
Terceira (miséria de origem social): “tudo o que foi feito pelo homem pode ser refeito.” Ou seja, estamos sempre querendo que o universo se adapte as nossas necessidades.
Robert Castel complementa o sofrimento humano, ao nos trazer uma definição de segurança, que seria esta uma tentativa de amenizar o sofrimento, ou seja, refazer as tipologias já existentes. “a insegurança moderna não deriva da perda de segurança, mas da ‘nebulosidade de seu objeto’”. Ou seja, não é a falta de segurança que nos faz clamar por segurança, mas sim a busca por ela.
A partir do momento em que temos o foco para a segurança das cidades, ou seja para os gated communities, as grandes fortificações e utilização de diversos aparatos tecnológicos e totalmente excludentes, criadores de fronteiras, teremos na mesma proporção a perda da solidariedade, que é substituída por este espírito de competição o que originará a dissolução dos laços comunitários. “Quando a solidariedade é substituída pela competição, os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entregues a seus próprios recursos – escassos e claramente inadequados.” (pg 21).
“quanto mais nos separamos de nossas vizinhanças imediatas, mais confiança depositamos na vigilância do ambiente. ...Existem, em muitas áreas urbanas, um pouco do mundo todo, casas construídas para proteger seus habitantes, e não para integrá-los nas comunidades às quais pertencem.” (Gumpert e Drucker, apud Bauman).
São Paulo, por exemplo, é uma cidade feita de muros, isolamento e distância da cidade, ou seja, separação dos que são considerados socialmente inferiores. “A cerca separa o ‘gueto voluntario’ dos arrogantes dos muitos condenados a nada ter.
Outros assuntos abordados é a xenofobia, mixofilia e mixobia nas cidades atuais.
Diga-se mixofilia: a interação e a vivência com refugiados, imigrantes e qualquer tipo de pessoa que possua cultura diferentes da sua. Mixofobia, como o nome diz, é o preconceito com este grupo. “A sensação de nós’, que expressaria um desejo de semelhança, não é mias que um modo de fugir da necessidade de olhar profundamente um dentro do outro”. (Richard Sennett apud Bauman, 44).
Também é trazido ao debate as “classes perigosas” (Robert Castel) que nada mais é do que as “gente em excesso”, que não conseguiram ser reintegradas na aceleração do progresso econômico. Baumman os conceitua como “supérfluos” ou underclass (EUA), em resumo “gente que não contribui para a vida social”. Ou seja, são pessoas que na grande dialética do avançar dos anos, não conseguiram uma posição de destaque dentro do cenário econômico, sobretudo, sendo totalmente empurrados a uma categoria de subclasse, que provavelmente, nunca perderá tal título. Essas pessoas são empurradas para os off-limits “espaços marginais”.
Manuel Castells nos diz que a polarização se acentua, temos então, dois tipos de cidadãos: “primeira fila” ligado as comunicações globais. E na outra ponta (última fila), as redes locais fragmentadas, baseadas na etnicidade, confiança depositadas na própria identidade como recurso mais precioso para defesa (quase sempre é a reação).
A globalização, para os da “primeira fila”, apresenta um mundo mais amplo, portanto, sem muitas limitações. Este grupo geralmente não se identifica com o lugar onde moram, tão pouco nos negócios de sua cidade. Seus interesses são flutuantes, afinal sua posição é privilegiada no cyberespaço. Portanto, até mesmo sua morada pode tornar-se virtual. Já os da última fila estão fadados a permanecerem no lugar. Ou seja, seus sonhos, esperanças e insatisfações são dirigidos para as “questões locais”.
“Em poucas palavras: as cidades se transformaram em depósitos de problemas causados pela globalização.” E tais problemas só são debatidos quanto atingem a esfera local, o que de certa forma é contraditório, pois vivemos cada dia mais num modelo globalizado.
“É nos lugares que se forma a experiencia humana, que ela se acumula, é compartilhada, e que seu sentido é elaborado, assimilado e negociado. E é nos lugares, e graças aos lugares, que os desejos se desenvolvem, ganham forma, alimentados pela esperança de realizar-se.”
As cidades contemporâneas são campos de batalhas entre os sentidos globais e identidades resistentes. A modernidade é liquida, os resultados passageiros, a homegeinização é um percurso promissor. Quanto maior a uniformização do espaço, maior é o isolamento a ser produzido, pois se intensifica a intolerância às diferenças.
Steven Flosty “espaço escorregadio”, “espaço inatingível”.

CAPÍTULO 2 – Buscar abrigo na caixa de Pandora: medo e incerteza na vida urbana
“Com falta conforto em nossa existência, acabamos por nos contentar com a segurança, ou a ficção de segurança” (The Hedgehog Review apud Bauman, 52).
O progresso, se apresentava uno com a sua promessa de avanço e felicidade duradoura. Caracterizava-se como o ponto chave para libertação de diversos males. Entretanto, o que temos visto é um efeito apavorante e fatalista, mudanças que não trazem paz ou alegria fazem parte do cotidiano. É a “insônia povoada de pesadelos.” (Baumman, 53).
Dinheiro líquido: investimentos de todos os tipos, gerando a “capital do medo”. A globalização é quem fornece as balas para serem atiradas no meio, porém sempre há um financiador.
“Quando falamos das condições de vida na cidade, estamos nos referindo, na pratica, às condições de vida de toda a humanidade.” (56)
Hoje, temos cidades que nos faz pensar mais no perigo do que na segurança, contrariando totalmente a lógica de vivenciar tais espaços. “A vida nas cidades está se convertendo em um estado de natureza caracterizado pela regra do terror e pelo medo onipresente que a acompanha.” (Diken e Lausten). Bunkers, as cidades tornaram-se bunkers. É a arquitetura do medo, do arrepio.
Como Richard Roger exemplifica, é papel do arquiteto fazer os construtores, investidores entenderem a importância de tornar os espaços aprazíveis, quer com vegetação, quer com menos dispositivos miraculosos, a lógica é sempre a do capital, portanto, em dez anos, o edifício deve ser capaz de amortizar os custos. Roger também apresenta um panorama geral das cidades, da morte das cidades. A globalização afetou primeiramente, estes nossos espaços públicos, tão logo, devemos carregar em nós a missão de proteger estes espaços. “É nos locais públicos que a vida urbana e tudo aquilo que a distingue das outras formas de convivência humana atingem a sua mais completa expressão, com alegrias, dores, esperanças e pressentimentos que lhes são característicos.” (70)
Niam Ellin aponta as diferenças como um fator de integração, afinal o espaço público é palco para as mais diversas manifestações, de maneira que, a diversidade é sempre exaltada. Assim sendo, os espaços públicos precisam ser planejados para atender a tal demanda diversa, com usos igualmente múltiplos, sendo catalisadores e não barreiras. Neste sentido, qual o papel das esferas privadas¿ Como estas podem realizar projetos integrados ao espço público¿ Gehl coloca muito bem esta questão em seus escritos, apresentando diversas tipologias de edificações que contribuem para a vida na cidade.
“...a arquitetura ‘fornece um testemunho exaustivo do progresso da barbárie para a civilização”. (Lewis H Morgan apud Baumman, 73).
E por fim, a última frase de Baumman exemplifica o porquê de o urbanismo ser uma utopia, o “progresso da a civilização’ não é uma conquista, mas uma permanente luta cotidiana. Combate jamais totalmente vitorioso, que muito provavelmente não alcançara sua meta, mas que continua a ser encorajado pela esperança de vencer.

Este capítulo traz uma curiosidade sobre os SUV, consomem 30% gasolina, poluem 3x mais, em razão do seu peso, em colisões mostra-se mais perigoso. (2002 EUA).
Em 2005, menos de 10% da população indiana possuía um emprego regular (muitas estatais foram privatizadas, o que contribui).

CAPÍTULO 3 – Viver com estrageiros
“Quanto mais o espaço e a distancia se reduzem, maior é a importância que sua gente lhe atribui; quanto mais é depreciado o espaço, menos protetora é a distância, e mais obsessivamente as peças traçam e deslocam fronteiras.
Frederick Barth, grande antropólogo diz que “as fronteiras não são traçadas com o objetivo de separar as diferenças. Ao contrário, justamente por que se demarcam fronteiras é que, de repente, as diferenças emergem... vamos em busca de diferenças justamente para legitimar as fronteiras. (apud baumman, 75).
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Douglas.Bonin 17/06/2021

Cidades complexas
Meu Brasil, qual o rumo de nossas cidades? Apinhados de gentes? Templos da desigualdade? Locais perigosos até para respirar?

Pois bem, ao longo desta obra, o Sr.Bauman trata sobre os problemas que as grandes cidades tem enfrentado e o modo pelo qual a globalização democratiza esta "crise municipal".

Terrorismo, crise dos emigrantes, criminalidade, catástrofes ambientais proveniente da ação humana, todas essas maravilhas produzidas pela raça humana, hoje são, exclusivamente, problemas a serem resolvidos por "pobres" prefeitos.

Acredito que o autor patina no primeiro capítulo - Bauman é ótimo, mas não perfeito - mas no segundo e terceiro capítulo, ele dá um show.

Recomendo este livro para todos aqueles que se preocupam com o futuro destas grandes $ur?b@s urbanas, na expectativa que possamos contribuir para a salvação...
Ou ver o circo pegar fogo em grande estilo ?
dani 17/06/2021minha estante
Ainda não li nenhum livro dele. Você acha que esse é um bom livro para começar?


Douglas.Bonin 17/06/2021minha estante
Dani, então, se você tem interesse pela crise migratória europeia, ou até mesmo venezuelana: vá sem medo. Inclusive tem um que se chama "Estranhos a nossa porta" que é destinado a isto.
Neste livro ele parece tentar expandir o pensamento para além da modernidade líquida. A crise nas cidades seriam fruto da sociedade líquida.
Não li o "Modernidade Liquida", mas não tive dificuldades com este livro para entender o pensamento do autor.
Então vai sem medo! Será uma grata leitura


dani 17/06/2021minha estante
Obrigada pela recomendação!


Douglas.Bonin 17/06/2021minha estante
Show! Antes de ler Tio Bauman, vale a pena ver um vídeo dele falando antes do falecimento. Muito cara de vôzinho que faz biscoito e tem uma horta kkkkk


dani 17/06/2021minha estante
Que gracinha! Vou ver sim ?




DarcioGeo 14/08/2020

Ótimo ensaio.
Primeiro livro do Bauman que leio. Aqui são discutidas as relações que as cidades possuem com a arquitetura, com as construções de suas vias, com os aspectos físicos dos bairros etc. Fala tbm da globalização e em como ela afeta as mais diversas esferas citadinos. No geral um ótimo livro.
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Davi 17/06/2020

A nova cidade, no mundo
Estamos desconfiados, atentos, olhando de lado, "protegidos" de dentro do muro dos condomínios cinzas. Nessa obra, Baumann, belamente, elabora um tratado de como as cidades evoluíram de um modelo protetor (todos da cidade protegidos contra os estranhos, os de fora) para um modelo "desconfiado", onde as cidades passam a possuir membros desconfiados, com cidades distintas, dentro de uma mesma cidade formal. Bela análise. Baumann brilhante.
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Drielly.Insther 11/02/2020

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Interessante, primeiro livro do autor dentre vários que pretendo ler. Este aborda a forma como o urbanismo moderno funciona. Que estar seguro é algo muito relativo....
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Paulo Silas 17/08/2018

Em "Confiança e Medo na Cidade", Bauman analisa o aspecto arquitetônico das cidades, que teriam se constituído em um aspecto defensivo diante da insegurança e do medo que permeiam a sociedade. O mote que propulsiona o grande afã de se construir grandes fortalezas, casas isoladas, condomínios que se traduzem numa tentativa de se constituir uma espécie de sociedade própria, afastada da cidade em que se situa, seria justamente a sensação de constante insegurança – reflexo do medo que passa a exercer forte domínio sobre a vida de toda a sociedade. Eis um dos fenômenos observáveis pelo sociólogo polonês na modernidade líquida.

Dividido em três capítulos, a obra aborda algumas das características dos centros urbanos, dentre os quais o eminente convício com o outro. O contato com a figura do “estrangeiro” e as possibilidades disso decorrentes (o compartilhamento de diferentes perspectivas e experiências, a diversidade na própria existência...) estão no cerne da própria ideia das cidades. Constituem as bases de sua origem e, quiçá, uma de suas razões de o ser. Contudo, Bauman vai apontar que a cidade atual está inserida em outro contexto – do medo e da constante insegurança -, ensejando assim no apartar do “estrangeiro”. O outro é segregado por se tratar, nesse processo, de um estranho, e o estranho é um dos focos e ao mesmo tempo também origem desse medo. Assim, as grandes cidades, vai apontar Bauman, são movidas pelo medo. As razões dessa mudança paradigmática são várias, mas em "Confiança e Medo na Cidade" o enfoque se dá nas imposições globais que acarretam numa perda de identidade das comunidades – aí estaria a origem do problema atual exposto na obra.

Levando o mesmo título que a obra, o primeiro capítulo trata da “forte tendência a sentir medo e a obsessão maníaca por segurança”, fenômeno este que teria levado a criação da mais espetacular das carreiras – aquela que cria e oferece dispositivos que visam atender à demanda do medo, fornecendo – pelo menos assim se dizendo – a defesa necessária aos indivíduos. A sensação de insegurança seria caracterizada, principalmente, pelo medo do crime das pessoas que o cometem. A suspeita se dá contra o outro – quais são suas intenções? Não há espaço para a confiança, de modo que rui a ideia de solidariedade. A proteção então passa a ser a grande promessa moderna, a qual, para o autor, constitui o verdadeiro coração do Estado Social (e não a ideia de redistribuição de riqueza). Com o dissolver da solidariedade, há o consequente findar daquele “universo no qual a modernidade sólida administrava o medo”. Novos atores passam a assumir esse papel, assim como novos passam a ser os protagonistas que representam as classes perigosas – os supérfluos, os incapacitados para a reintegração, não assimiláveis. Essa exclusão acaba sendo uma via de mão única, pois “é pouco provável que se reconstruam as pontes queimadas no passado”. Os excluídos, portanto, constituem a atual classe perigosa. Bauman classifica então quais seriam as tendências sociais, políticas e culturais mais significativas que ensejariam na passagem de uma fase sólida para a constatada fase líquida da modernidade: “a segregação das novas elites globais; seu afastamento dos compromissos que tinham com o populus do local no passado; a distância crescente entre os espaços onde vivem os separatistas e o espaço onde habitam os que foram deixados para trás”. Em síntese, o que aduz Bauman é que “as cidades se transformaram em depósitos de problemas causados pela globalização”. Daí é que advém a perspectiva das cidades contemporâneas como grandes campos de batalha, cenário do qual surge o estranhamento para com o estrangeiro, uma vez que sua presença causa desconforto. O resultado disso é o paradoxo dos grandes centros urbanos: “as cidades – que na origem foram construídas para dar segurança a todos os seus habitantes – hoje estão cada vez mais associadas ao perigo”.

No segundo capítulo, “Buscar abrigo na caixa de Pandora: medo e incerteza na vida urbana”, fala-se da importância que galgou a segurança pessoal na sociedade, acabando por se constituir numa grande ferramenta e estratégia de marketing – a ideia de “lei e ordem” “transformou-se num argumento categórico de venda, talvez o mais decisivo nos projetos políticos e nas campanhas eleitorais”. A consequência desse afã por segurança, aproveitada pelos agentes que oferecem dispositivos aptos a garanti-la, se dá numa espécie de arquitetura do medo: espaços vigiados constantemente. Isso se consolidou na própria cultura líquido-moderna a ponto de ensejar num grande dilema enfrentado pelos arquitetos e planejadores: “a alternativa à insegurança não é a beatitude da tranquilidade, mas a maldição do tédio. É possível derrotar o medo e ao mesmo tempo suprimir o tédio”?

O livro é encerrado com o capítulo “Viver com estrangeiros”, que se trata da transcrição de uma conferência proferida por Bauman em 2004. Em sua fala, o autor aduz que “viver numa cidade significa viver junto – junto com estrangeiros”. Questiona também a obsessão da demarcação de fronteiras, cuja resposta estaria em algo que deriva do desejo – aquele desejo de “recortar para nós mesmos um lugarzinho suficientemente confortável, acolhedor, seguro, num mundo que se mostra selvagem, imprevisível, ameaçador”. A preocupação contemporânea, defende o autor, deveria residir na compaixão, algo inerentemente humano, devendo ser levada tal solicitude para um grau planetário.

O livro constitui mais um grande acerto do autor. O desafio proposto é o de recuperar o aspecto comunitário da esfera pública, de modo que ao invés da segregação reinante, deve-se levar em conta, como mote propulsor das relações humanas, a solidariedade e a valorização daquele mesmo espaço que é ocupado por muitos – inclusive pelo outro.
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Janos.Biro 17/11/2017

Cultura do medo
As áreas urbanas estão se reacomodando segundo uma dinâmica estrutural em que “a ação repressiva e as reivindicações comunitárias servem apenas para tornar mais suportável uma transformação que se processa fundamentalmente fora de qualquer controle”. A insegurança sentida é uma ameaça que não é necessariamente real, mas é capaz de gerar efeitos sociais deletérios. O crescente interesse por segurança é por si só um sintoma da cultura do medo. Por isso, “a insegurança moderna não deriva da perda de segurança”, mas de uma incômoda ausência de sensação de segurança. O medo do crime, por exemplo, causa a sensação de que falta segurança. Mas esta insegurança seria inerente à sociedade individualizada, que substituiu as comunidades pelo “dever individual de cuidar de si próprio e de fazer por si mesmo”.

Depois da supervalorização do indivíduo, temos a fragilidade e a vulnerabilidade do mesmo indivíduo, “agora desprovido da proteção que os antigos vínculos que lhe garantiam”. Cria-se o medo de ser inadequado. O Estado moderno foi obrigado a “tecer de novo a rede de proteção que a revolução moderna havia destruído”. No Estado social havia mais preocupação com a proteção do que com a redistribuição de riqueza.

A origem dos medos modernos seria a desregulamentação do controle estatal. A substituição da irmandade pela solidariedade representa a substituição de laços naturais, que não podem ser refeitos, por laços artificiais, que devem ser fortalecidos constantemente. Mas na pós-modernidade, mesmo as proteções artificiais da modernidade são desmanteladas. A solidariedade é substituída pela competição, onde “os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos”. Os laços comunitários são corroídos, e o indivíduo se transforma num indivíduo de direito, sem que tenha alcançado necessariamente o status de indivíduo de fato. Na modernidade líquida, o maior medo passa a ser o da inadequação.

As pessoas que fazem parte das “classes perigosas” ou “subclasses” estão privadas de utilidade funcional. Mas aqueles que fazem parte das “novas classes perigosas” não estão apenas em excesso, eles se tornam permanentemente supérfluos. Não é a simples falta de espaço para acomodá-los, mas sua falta de atratividade para a cidade. Esses indivíduos não são apenas temporariamente excluídos ou imprestáveis, são não-assimiláveis. Mesmo reabilitados eles não despertariam o interesse de uma sociedade que não precisa deles. Esta é uma consequência da decomposição do Estado social.

Neste sentido, o termo “desempregado” adquire um novo significado. Ao invés de representar uma situação passageira e remediável, ou um desvio da regra, ela representa uma condição de superfluidade que condena o indivíduo à inatividade econômica permanente. Esta exclusão definitiva do trabalho é o resultado do progresso econômico, que investe em meios de realizar mais com menos força de trabalho, e a custos menores. Enfim, se o trabalhador não se torna indispensável, ele não será visto como alguém que contribui para a vida social. A diferença entre os supérfluos e os criminosos diminui. Os criminosos também não são mais vistos como pessoas que precisam ser reabilitadas para a vida social ou “socialmente recicladas”, mas “indivíduos que precisam ser impedidos de criar problemas e mantidos à distância da comunidade respeitosa das leis”. Trata-se de uma distância social e econômica.

O dejeto da nova extraterritorialidade são as “zonas fantasma”, ou espaços marginais, fora do alcance da visão, e também da possibilidade de vida social. Os vínculos entre dois mundos-de-vida (Lebenswelt) se rompem. O primeiro tem acesso às redes globais, e o segundo está condenado às redes locais, fragmentárias, tendo que confiar na própria identidade e permanecendo territorialmente circunscrito. Os outros podem permanecer temporariamente num determinado local, mas jamais pertencem a algum lugar específico [1]. A única coisa que querem da cidade é paz e liberdade para se dedicarem a seus interesses flutuantes. “A gente da cidade não se identifica com a terra que a alimenta, com a fonte de sua riqueza”. Não se interessam, portanto, pela cidade, ela não passa de um lugar insignificante em comparação com o ciberespaço, que é sua verdadeira morada.

De acordo com esse raciocínio, a única esperança para quem está fora das redes globais seriam as questões locais. Mas há uma “estreita interação entre as pressões globalizantes e o modo como as identidades locais são negociadas, modeladas e remodeladas”. Global e local co-existem, pois as localidades são “construções dinâmicas”. Estes aspectos só são separados “por razões de clareza”. “Os poderes reais que criam as condições nas quais todos nós atuamos flutuam no espaço global, enquanto as instituições políticas permanecem, de certo modo, ‘em terra’, são ‘locais’”. Há uma falta de política no ciberespaço extraterritorial, que é o campo do jogo de poder, enquanto a política tende a permanecer local. As questões locais parecem ser as únicas tangíveis, e tendemos a considerar que nada pode ser feitos pelas questões supralocais.

As situações que se originam no plano global só se tornam políticas no plano local. A crise ambiental, a comercialização da saúde e mesmo o terrorismo, para citar alguns exemplos, só se tornam questões políticas quando algo acontece nas proximidades da cidade. “As cidades se transformaram em depósitos de problemas causados pela globalização”, com a tarefa de resolver localmente esses problemas globais. As pessoas sem defesa diante do “vórtice global” são também “mais fracas na hora de decidir sobre os sentidos e as identidades locais”. O caos do “espaço de fluxos” acaba indo para algum local vizinho, cercando a comunidade de perigos. A política local está sobrecarregada e inoperante. A própria globalização tornou inadequados os meios para lidar com seus problemas.

Isso não preocupa o “operador global”, porque quando algo o incomoda, ele pode sempre mudar de lugar. Isso não significa que a elite global possa desconsiderar o local onde vive e trabalha quando se trata de buscar pelo “sentido e identidade”. “Como operadores globais, podem girar pelo ciberespaço. Mas como seres humanos, estão confinados de manhã à noite no espaço físico em que atuam”. Pois é nos lugares que se forma a experiência humana. Este confronto entre global e local “aciona e orienta a dinâmica da cidade na modernidade líquida”.

A cidade pode ser caracterizada como “um espaço em que os estrangeiros existem e se movem em estrito contato”. As intenções do estrangeiro são imprevisíveis, ele é a variável desconhecida, e por isso causa desconforto. São Paulo é um exemplo notável de cidade feita de muros, onde os que têm condições moram em condomínios que estão fisicamente dentro da cidade, mas social e idealmente fora. O que é dentro para um é fora para outro. Os moradores de condomínio estão fora da vida urbana, num gueto voluntário, nos quais os moradores dos guetos involuntários não podem entrar.

As cidades, feitas para proteger as pessoas do perigo, paradoxalmente se tornaram os lugares mais associados ao perigo. “A incerteza do futuro, a fragilidade da posição social e a insegurança da existência (...) tendem a convergir para objetivos mais próximos e a assumir a forma de questões referentes à segurança pessoal”. Neste ponto, a arquitetura e a urbanística contribuem para construir maneiras de proibir o acesso aos objetos desse medo. Para isso, criam-se espaços inatingíveis, que não podem ser confortavelmente ocupados, ou que não podem ser usados sem se estar sendo observado. Esta desintegração da vida comunitária leva à mixofobia (medo de se misturar).

A mixofobia é o impulso de se isolar em ilhas de identidade e de semelhança. Isso também significaria medo de sofrer. A comunidade de iguais gera uma sensação de segurança semelhante à de uma apólice de seguro. Quanto mais ineficaz, mais ela se reforça. A vivência dessas comunidades isoladas destrói a convivência. Mas a experiência urbana é ambivalente. Ela atrai e afasta os mesmos aspectos. Sua variedade desorientadora é a fonte do medo, e também do seu poder de sedução. Assim, a cidade induz tanto à mixofobia quanto à mixofilia. Essas tendências existem não apenas em cada cidade, mas em cada cidadão. A arte de extrair benefícios da variedade é sua mais importante habilidade.

Os arquitetos e planejadores urbanos poderiam contribuir com o aumento da mixofilia ao invés da mixofobia. Condomínios fechados não são a solução, mas uma das causas do problema. Seria preciso a difusão de espaços públicos abertos, convidativos, acolhedores, que todo tipo de cidadão teria vontade de frequentar assiduamente e compartilhar voluntariamente e de bom grado. O ideal seria permitir a “fusão de horizontes”, pois a experiência compartilhada depende do espaço compartilhado.

Notas:

[1] Neste sentido, é interessante uma cena do filme Amor sem escalas (Up in the air), onde o personagem, que acumulou 10 milhões de milhas em viagens de avião, ao ser perguntado “De onde você é?”, responde simplesmente “Daqui”, ou seja, de lugar nenhum.

site: http://www.janosbiro.com.br/post/113180230708/cultura-do-medo
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Paulo.Incott 22/02/2017

Confiança e Medo na Cidade - Bauman
Fiel ao seu estilo, Bauman de modo sucinto e claro aborda a percepção do medo na sociedade líquido-moderna. Partindo de concepções psicanalíticas, o autor traça um panorama do sentimento generalizado de medo, funcional ao sistema politico-econômico ocidental. Vislumbra a figura do estranho, do estrangeiro, do diferente como arquétipo da simbologia do medo, da desconfiança.

Quais seriam as causas do medo generalizado e constante em nossos tempos? O autor aponta(p. 17):

Poderíamos fizer que a insegurança moderna, em suas várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos crimes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e regularidade da solidariedade humana. Castel atribui a culpa por este estado de coisas ao individualismo moderno.

Partindo dessa visão, Bauman demonstra o papel do individualismo em nos colocar em uma posição de desconfiança, medo constante, em que precisamos por nós mesmos lidar com as inseguranças próprias da experiência humana e exacerbadas pelo ambiente de competição criado na modernidade líquida, focada no consumo.

Bauman destaca ainda uma espécie de medo que se assevera nos últimos dois séculos: o medo de ser inadequado, de ser excluído. A ideia voltará a ser trabalha de modo extenso em outra obra posterior do autor ("Medo Líquido"), mas desde já o sociológo elabora o diagnóstico de que o ser humano, na passagem para modernidade, enfrenta a ameaça constante de ser considerado inútil ou ultrapassado. Em todas as esferas da vida há a perene possibilidade de sermos descartados, sem chance de recorrer da "decisão", consequência muitas vezes de acontecimentos que estavam fora do nosso alcance de previsão e controle.

As consequências do individualismo, da desconfiança generalizada e da possibilidade constante de exclusão são obserbadas na forte tendência de "elitização" geral. Conforme o autor (p. 28):

A segregação das novas elites globais; seu afastamento dos compromissos que tinham com o populus local no passado; a distância crescente entre os espaços onde viviam os separatistas e o espaço onde habitam os que foram deixados para trás; estas são provavelmente as mais significativas das tendências sociais, culturais e políticas associadas à passagem da fase sólida para a fase líquida da modernidade

Não é difil para o autor construir, a partir destas percepções, a noção de que vivemos em uma sociedade propícia ao medo e contrária à solidificação da confiança mútua. Em uma das passagens mais sigificativas desta obra, Bauman traz uma conclusão perspicaz (p. 44):

As origens da mixofobia são banais e não muito difíceis de identificar. São facilmente entendidas, embora não se possa dizer que sejam fáceis de justificar. Como sugere Ricard Sennett, a "sensação de nós, que expressaria um desejo de semelhança, não é mais que um modo de fugir da necessidade de olhar profundamente um dentro do outro".

Na sequência, Bauman tece comentários sobre os efeitos políticos desta estruturação. Porém, quem sabe sua contribuição mais significativa através da obra em tela se dê em sua análise dos efeitos do medo sobre a forma de vivência no ambiente "principal", corriqueiro, das pessoas no Ocidente: a Cidade.

Bauman analisa a arquitetura em voga nas cidades, em especial nas grandes metrópoles; uma arquitetura pontuada sobremaneira por construções de "segurança máxima", com espaços limitadíssimos ou inexistentes para o intercâmbio entre "diferentes", resultando numa lapidação dos conceitos fundantes da democracia, destacadamente a solidariedade.

As ações tomadas em virtude do medo na cidade, como a construção de ambientes como os acima descritos, acaba por não trazer a sensação de segurança desejada, mas por asseverar as bases sobre os quais o medo se sustena e se alastra. Comentando os efeitos destas e de outras medidas de segurança cada mez mais comuns o sociológo conclui (p. 54):

Essas atividades reforçam (e contribuem para a produção de) uma sensação de caos que nossas ações só fazem agravar. Cada fechadura suplementar na porta de entrada, em resposta aos insistentes alertas sobre os desenfreados criminosos de aspecto estrangeiro, ou cada nova revisão da dieta, em resposta ao "pânico da comida", faz surgir um mundo mais desconfiado e medroso, e induz ações defensivas posteriores que terão inevitavelmente o mesmo efeito. Nossos medos são capazes de se manter e se reforçar sozinhos. Já têm vida própria.

Por fim, Bauman faz alusão aos lucros que são gerados pela manutenção dos níveis de desconfiança e medo. Indústrias poderosas lucram anualmente cifras altíssimas vendendo os mais criativos "antídotos" para o medo. Desde sistemas de segurança, eletrônicos ou não, passando por veículos blindados e apólices de seguro, há todo um "comércio do medo" que propsera em numa progressão qjue guarda relação direta com o aumento de uma sensação propagada (e manipulada) de desconfiança e insegurança.

O fetiche pós-moderno (da modernidade líquida) da segurança - eis a questão trazida por Bauman. O modo como se passou a compreender o medo, seus efeitos e a reação a eles é um dos pontos focais de toda a produção deste brilhante sociológo que nos deixou órfãos em 2017.

Conclui-se aqui a resenha da obra selecionada com a bela observação do autor sobre o que faz de nós realmente humanos, baseado numa aula que assitstiu de antropolgia (p. 90):

Antropólogos conseguiram identificar a aurora da sociedade humana graças à descoberta de um esqueleto fóssil, o esqueleto de criatura humanoide inválida, que tinha uma perna quebrada. Quebrara-a quando era ainda menino e, no entanto, só tinha morrido aos 30 anos. A conclusão do antroopólogo era simples: aquela devia ser uma sociedade humana, pois algo assim não aconteceria num bando de animais, em que uma perna quebrada poria um ponto final à vida, pois a criatura não teria mais condições de se sustentar. [...] A sociedade humana nasceu com a compaixão.

Não haveria melhor maneira de elucidar o único remédio possível para o medo e os outros males que afligem nossa sociedade. Sim, o único caminho é a compaixão!


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