jota
08/07/2022José Luís Peixoto nos entrega uma narrativa extremamente poética que vai muito além do Tejo e da nossa imaginaçãoLido entre 24 de junho e 06 de julho de 2022.
Já tinha iniciado a leitura de Nenhum Olhar tempos atrás, mas desde as primeiras páginas achei o livro complicado (para minha inteligência literária) e o abandonei. Ele não tinha problema algum, claro, eu é que então encontrei dificuldade para mergulhar nas tramas vividas pelos curiosos personagens da fantástica aldeia alentejana criada pela pródiga imaginação de José Luís Peixoto.
Retornei a leitura mês passado e agora recordo que o livro foi ganhador do Prêmio Literário José Saramago em 2001, tem mais de vinte edições em Portugal, além de ter sido traduzido para quase trinta diferentes idiomas. Se Nenhum Olhar encantou tanta gente e me fez lê-lo até o final dessa vez foi certamente por conta da intensa poesia com que Peixoto narra as histórias dos personagens desse lugar imaginário.
Quando entrei na estranha realidade alentejana tive de deixar de lado a ideia de encontrar uma história narrada linearmente, com início, meio e fim e personagens portugueses tradicionais. Tem um pouco disso, claro, mas também -- e muito – tem a força criativa de Peixoto, trazendo imagens singulares, frases elegantes e marcantes e sobretudo um lugar fantástico, onde os sentimentos dos personagens são iguais aos nossos, embora todos vivam num mundo à parte, além do Tejo e da nossa imaginação.
Conforme observou o escritor espanhol Antonio Muñoz Molina: “O fantástico é contado com a naturalidade do quotidiano. A crônica e a fábula sobrepõem-se, como as histórias que contam ou presenciam ou calam as personagens de William Faulkner ou de Juan Rulfo.” De Rulfo não li sua principal obra, Pedro Páramo, mas certamente Nenhum Olhar dialoga com a literatura de Faulkner, que não me parece lá um escritor acessível a todo mundo, mas que tem uma imensa legião de admiradores.
Se por suas peculiaridades apreciei esse volume com intensidade um pouco menor do que na ocasião em que li o belo e triste Livro (Companhia das Letras, 2012), penso que ele tem mais qualidades e me pareceu mais interessante do que Galveias (idem, 2015), outro de Peixoto que li. Ao entregar o prêmio Saramago ao autor, Antonio Frias Martins destacou que Nenhum Olhar não seria “uma obra destinada a um leitor modelo, carregado de erudições ou trejeitos intelectuais. Nada disso. Este é um livro que atravessa todas as camadas de público. É inteligente sem ser ostensivo, é culto sem ser pretensioso, é belo sem ser narcísico.” Verdade, daí que mesmo com certo estranhamento consegui lê-lo até o final dessa vez.