Meditações Metafísicas

Meditações Metafísicas Descartes




Resenhas - Meditações Metafísicas


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AleixoItalo 15/03/2024

O grande problema central para a epistemologia é como se dá o acordo entre, a realidade de fato e os aparatos subjetivos que utilizamos para interagir com ela. Há séculos, os filósofos se debruçam sobre essa questão primordial e debatem como funciona essa relação. O racionalismo foi uma das primeiras doutrinas que almejavam uma visão mais científica do mundo e se opunham à metafísica e outras escolas do pensamento medievais, focando nos principais problemas que envolve a epistemologia até hoje: o que de fato podemos chamar de conhecimento, como o obtemos e quais são seus limites?

O racionalismo defende que existem verdades fundamentais, objetos do conhecimento basais, a partir dos quais podemos derivar outras verdades — esse é um debate entre quase todas as doutrinas epistemológicas: onde estão e o que podemos considerar essas verdades — e acredita que essas verdades já existam como conhecimentos a priori no intelecto humano. A partir disso, utilizamos a intuição para conhecer essas verdades basais e a dedução para conhecer coisas que não são evidentes. De acordo com o racionalismo, portanto, a razão seria mais importante do que a experiência — outras doutrinas, como o empirismo, defendem que não existem verdades basais e tudo aquilo que conhecemos é fruto de nossas experiências.

Renê Descartes é um dos primeiros autores dentro dessa corrente filosófica, e portanto, Meditações Metafísicas é um dos primeiros primeiros tratados sobre o conhecimento nessa linha de pensamento que futuramente viria a ser a epistemologia. O livro é narrado em primeira pessoa, como uma série de "cartas" nas quais o autor fala aos seus orientadores, à respeito dessa proposta racional de organizar o pensamento. Descartes começa redigindo uma série de meditações onde ele se impõe a dúvida elementar:

"Já faz algum tempo que me dei conta que, desde a minha infância, eu admitira como verdadeiras muitas opiniões falsas, e de aquilo que desde então construí sobre princípios tão pouco seguros só podia ser muito incerto ou duvidoso."

Ele começa separando as experiências oriundas dos sonhos com a experiência do mundo desperto, e tenta entender de onde vieram os erros que cometeu e discorrendo sobre o que pode ou não pode ser conhecido. Sua primeira arremetida é tentar refutar tudo o que pode ser real, utilizando a lógica, considerando então a existência hipotética de um gênio maligno. Tal gênio teria como único intuito enganá-lo, dessa forma nada do que se conhece pode ser real, pois tudo seriam informações falsas vindas desse entidade. A partir desse pensamento ele presume que, para ser enganado, ele precisa antes de mais nada existir:

"De modo que, após ter pensado sobre isso e ter examinado cuidadosamente todas as coisas, é necessário, por fim, concluir e sustentar constantemente que esta proposição — a saber, eu sou, eu existo — é necessariamente verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em meu espírito."

Uma vez estabelecida a realidade de sua própria existência e a noção de que como criatura pensante, seus pensamentos provém apenas dele, Descartes estabelece que outras noções subjetivas — que segundo ele seriam impossíveis de serem adquiridas por meio da experiência — como o infinito e a própria noção de Deus, só podem ter sido colocadas em sua mente porque um Deus infinito de fato existe. Restabelecida a confiança na existência de um Deus bom e infinito, Descartes restaura sua confiança nos sentidos:

"Parece-me que já posso estabelecer como regra geral que todas as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras."

A partir desses conhecimentos a priori — noções de conceitos metafísicos, matemática, etc... — e das experiências claras e distintas, Descartes desenvolve sua ideia sobre a natureza do conhecimento e daquilo que podemos considerar real, como por exemplo os fenômenos naturais de causa e efeito, sempre reforçando a inevitável existência de Deus. Descartes ainda discorre sobre os limites do conhecimento, que é uma das grandes preocupações da epistemologia:

"(...) mas que acontece que eu me engano, visto que o poder que Deus me concebeu para discernir o verdadeiro e o falso não é em mim infinito. (...) De onde, portanto, nascem meus erros? Na verdade, nascem unicamente do fato de que, sendo a vontade muito mais ampla e muito mais extensa do que o entendimento, não a contenho nos mesmos limites, mas a estendo também às coisas que não entendo."

O racionalismo como tal já foi adaptado, modernizado e substituído por outras doutrinas. As Meditações Metafísicas, que propõe justamente a existência de um limite para o conhecimento é ainda todo fundamentado em... metafísica! Noções medievais e dogmatismo religioso são pilares que Descartes usa para construir sua linha de raciocínio. A uma primeira vista, a obra mais parece uma obra teológica que tenta restaurar a figura divina sob a óptica racional — e de fato, essa é uma das justificativas que Descartes dá para seu livro — porém quando analisado dentro do contexto da filosofia da ciência é na verdade uma tentativa de romper com dogmas antigos sobre o pensamento, e que de fato influenciou diretamente toda a filosofia que sobreveio à ela. É um livro fundamental para entender como se deu o desenvolvimento do pensamento epistemológico — acredite, para entender autores atuais é inevitável pelo menos conhecer esses conceitos contidos nas doutrinas clássicas.
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apoesiamesalva 01/01/2024

Olha?
?Noto aqui que o pensamento é um atributo que me pertence. Só ele não pode ser desprendido de mim?.

Cogito ergo sum.
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Marcos606 11/08/2023

Caracterizada pelo uso de Descartes da dúvida metódica, um procedimento sistemático de rejeitar como falsos todos os tipos de crença em que alguém já foi, ou poderia ser, enganado. Seus argumentos derivam do ceticismo do filósofo grego Sextus Empiricus (século III d.C), conforme refletido na obra do ensaísta Michel de Montaigne (1533-1592) e do teólogo católico Pierre Charron (1541-1603). Descartes declara que suas crenças baseadas na experiência sensorial não são confiáveis, porque tal experiência às vezes é enganosa, como quando uma torre quadrada parece redonda à distância. Até mesmo suas crenças sobre os objetos em sua vizinhança imediata podem estar erradas, porque, como ele observa, muitas vezes ele sonha com objetos que não existem e não tem como saber com certeza se está sonhando ou acordado. Finalmente, seu conhecimento aparente de verdades simples e gerais de raciocínio que não dependem da experiência sensorial – como “2 + 3 = 5” ou “um quadrado tem quatro lados” – também não é confiável, porque Deus poderia tê-lo feito de tal maneira. uma forma que, por exemplo, ele erra toda vez que conta. Como forma de resumir a dúvida universal em que caiu, Descartes supõe que um “gênio maligno do maior poder e astúcia empregou todas as suas energias para me enganar”.

Embora nesse estágio aparentemente não haja crença sobre a qual não possa ter dúvidas, Descartes encontra certeza na intuição de que, quando está pensando - mesmo que esteja sendo enganado - deve existir. Em uma obra anterior, o Discurso sobre o método, Descartes expressa essa intuição na máxima “Penso, logo existo”; mas porque "portanto" sugere que a intuição é um argumento - embora não seja - nas Meditações ele diz apenas: "Penso, sou" ("cogito, sum"). O cogito é uma verdade logicamente auto evidente que também dá intuitivamente certo conhecimento da existência de uma coisa em particular – ou seja, de si mesmo. No entanto, justifica aceitar como certa apenas a existência de quem a pensa. Se tudo o que alguém soubesse com certeza fosse que existe e se aderisse ao método de Descartes de duvidar de tudo o que é incerto, então seria reduzido ao solipsismo, a visão de que nada existe além de si mesmo e de seus pensamentos. Para escapar do solipsismo, Descartes argumenta que todas as ideias que são tão “claras e distintas” quanto o cogito devem ser verdadeiras, pois, se não fossem, o cogito também, como membro da classe das ideias claras e distintas, poderia ser posto em dúvida. . Visto que “penso, sou” não pode ser posto em dúvida, todas as ideias claras e distintas devem ser verdadeiras.

Com base em ideias inatas claras e distintas, Descartes então estabelece que cada mente é uma substância mental e cada corpo uma parte de uma substância material. A mente ou alma é imortal, porque não é extensa e não pode ser dividida em partes, como podem os corpos extensos. Descartes também apresenta pelo menos duas provas para a existência de Deus. A prova final, apresentada na Quinta Meditação, começa com a proposição de que Descartes tem uma ideia inata de Deus como um ser perfeito. Conclui que Deus existe necessariamente, porque, se não existisse, não seria perfeito. Esse argumento ontológico para a existência de Deus, introduzido pelo lógico medieval inglês Santo Anselmo de Canterbury (1034-1109), está no cerne do racionalismo de Descartes, pois estabelece certo conhecimento sobre uma coisa existente apenas com base no raciocínio de ideias inatas, sem ajuda da experiência sensorial. Em outro lugar, Descartes argumenta que, porque Deus é perfeito, ele não engana os seres humanos e, portanto, porque Deus leva os humanos a acreditar que o mundo material existe, ele existe. Desta forma, Descartes afirma estabelecer fundamentos metafísicos para a existência de sua própria mente, de Deus e do mundo material.

A inerente circularidade do raciocínio de Descartes foi exposta por Arnauld, cuja objeção ficou conhecida como o círculo cartesiano. Segundo Descartes, a existência de Deus é estabelecida pelo fato de Descartes ter uma ideia clara e distinta de Deus; mas a verdade das ideias claras e distintas de Descartes é garantida pelo fato de que Deus existe e não é um enganador. Assim, para mostrar que Deus existe, Descartes deve assumir que Deus existe.
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Vitor.Stenner 08/08/2023

Juro...
Tipo não me convenceu de nada, achei as conclusões mal pensadas, achei que fosse ser arrebatado mas foi, infelizmente, apenas uma leitura arrastada pra mim.
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Kenny 11/04/2023

Essencial para qualquer interessado por filosofia. É incrível o quanto descartes se desconstrói em sua própria mente e nos revela questionamentos que até hoje são de difícil compreensão.
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Su 04/10/2021

Analfabetismo intelectual
Confesso que me interessei por que soube que foi um dos livros que serviu de inspiração para Matrix.

É uma leitura que deve ser feita bem aos poucos, pra dar tempo de digerir. Tive a impressão de que, mesmo lendo em português, de alguma forma continuou parecendo que o autor estava escrevendo em francês (e apesar do meu pouco conhecimento do idioma e do estilo de escrita dos autores franceses, assim como do meu hábito da leitura, me sentí um pouco analfabeta). Mas acho esses os melhores livros. Bom mesmo é quando dão um soco na boca do estômago. Não tenho certeza de como definir o que é real. Acho que deve ser tudo bolo, igual ao meme do começo da pandemia.

Claro que vou ter que ler de novo. Deus me ajude.
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graziiffraga 27/09/2021

Então
Esse aqui me provou que eu realmente não consigo pensar na filosofia quando eu pensei que tava entendendo, não entendi nada. Só deu pra entender porque meu professor da faculdade explicou, e isso comigo revendo a aula outra vez.
Descartes era inteligente viu eita.
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Lorrane 08/06/2021

Leitura muito desgastante e confusa em vários momentos. É interessante no primeiro momento poder ler algumas das meditações do famoso filósofo Descartes, mas em outros parecia que ele escrevia escrevia e não chegava a conclusão alguma. Pode ser o estilo de escrita, porém não pretendo ler mais nada dele, já que não foi do meu agrado.
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RodrigoRdeCarvalho 25/01/2021

Podcast de Filosofia sobre o Livro
A iniciativa nasce com cinco amigos se unindo para fornecer, aos alunos de graduação das humanidades e entusiastas da filosofia em geral, uma ferramenta que contribua com a leitura de obras clássicas.

Nosso objetivo é fomentar a leitura das obras, bem como fornecer as chaves de leitura, facilitando assim seu entendimento.

Apresentaremos uma obra a cada episódio, reunindo os elementos que possam facilitar sua compreensão, tais como contexto, influências, estrutura, ideias centrais, comentadores e críticos.

site: https://simposiodasluzes.wordpress.com/meditacoes-metafisicas/
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Bruno Oliveira 03/10/2014

A certeza nas Meditações de Descartes
Reli as Meditações em função de minhas provas para o mestrado e passei pela primeira meditação sem problemas, admirando o texto e a profundidade dele. Já durante a segunda comecei a sofrer e a agradecer a deus por existirem bons comentadores que a tivessem esclarecido para mim, sendo que na terceira eu já estava amaldiçoando deus por ele ser tematicamente tão complicado. Nem sei como passei pela quarta meditação, mas na quinta e, sobretudo, na sexta, comecei a retomar o interesse pelo autor e pela filosofia dele.

Descartes já foi tão lido e caricaturado que passar pelas Meditações é uma espécie de purgação, de emendatione de tudo o que é dito em nome dele e que nem sempre (quase nunca) lhe faz jus. Descartes foi um gênio; o restante é história.

Recentemente apresentei um texto a respeito dessa obra que pode servir facilmente como uma introdução à ela.


A certeza nas Meditações de Descartes


1. Introdução

Pretendo realizar aqui exposição parcial de um projeto maior dedicado ao tema da certeza nas Meditações de Descartes e tematizar, a partir dos dois primeiros parágrafos desta obra, em que consistiria a certeza e como ela está ligada ao método da dúvida; mais especificamente, desejo atingir a discussão a respeito da relação entre a certeza e a verdade ao ponderar se ela seria psicológica ou não.

Convém ressaltar que embora esta apresentação aborde o primeiro parágrafo da obra e nele ainda não esteja posto o método da dúvida, não tecerei considerações sobre a existência ou inexistência de uma ideia de certeza quando considerada em separado do método, na verdade, apenas considerarei a certeza a partir de sua ligação com o método.

Quanto à ordem do texto, primeiramente tratarei da motivação apresentada para o meditar, em seguida, da maneira pela qual ele medita, e, por fim, tecerei algumas considerações sobre como esse percurso caracteriza a ideia de certeza, que é o conceito que eu e Descartes desejamos atingir.


2. Uma motivação para meditar

Logo no primeiro parágrafo Descartes diz que: Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras (pág.257). São palavras famosas e é através delas que o filósofo coloca o problema que motiva suas meditações. Ponderemos um pouco a seu respeito.

Sem pretender abordar a diferença entre os conceitos de falsa opinião e de verdade, cumpre no entanto ressaltá-la, quer dizer, cumpre sublinhar que há uma diferença perceptível entre falsa opinião e verdade conquanto já tenham sido confundidas por Descartes; além disso, cumpre dizer que embora o jovem Descartes fizesse tal confusão, o Descartes que escreve as Meditações, por sua vez, percebe existir uma diferença entre ambas e não as confunde. Ele percebe porque já possuiu tanto uma quanto outra.

O filósofo não diz, contudo, como distinguir ambas coisas. Nessa passagem ele tem apenas uma percepção desse engano baseado em sua vivência, e ter uma percepção não é ter uma ciência que distingua falsa opinião e verdade, pois distinguir ambas apenas em função de sua própria vivência de engano é permanecer sujeito ao erro, uma vez que é justamente essa vivência de erro que o filósofo busca superar.

A questão colocada aqui não consiste meramente na posse da verdade (tê-la ou não tê-la), mas em distinguir a verdade da falsa opinião. Descartes não está afirmando que nossas crenças sejam falsas ou verdadeiras porém inquirindo como poderemos distinguir que elas sejam uma ou outra coisa. Trata-se de sair de uma vivência de engano para o conhecimento seguro que permita que saibamos e não meramente percebamos o que cada coisa é. É conhecimento das causas do erro e de como reconhecer a verdade sem possibilidade de dúvida ou de erro que serve de motivação para as Meditações.


3. A dúvida como método

A partir da experiência do erro Descartes decide realizar seu projeto filosófico.

Segundo suas palavras, seria preciso se desfazer: de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos (pág.257). Para tal, ele decide se aplicar com seriamente e com liberdade de maneira a duvidar de tudo aquilo que não for indubitável. Assim seria possível conhecer a verdade e atingir a certeza a respeito desse conhecimento.

Aí está a essência de seu método investigativo tal como ele surge nas Meditações. Para melhor entendê-lo abordarei esses dois aspectos implicados nele, a saber, a seriedade e a liberdade. Começarei pela liberdade.


3.1. Dúvida e liberdade

Dado problema colocado por Descartes no primeiro parágrafo, a possibilidade atual do erro e sua indistinção em relação a verdade, segue-se um ato de liberdade por parte dele que consiste na escolha de investigar as causas do problema. Devo ressaltar isso porque perceber o erro e até mesmo postular um modo de vencê-lo não bastaria para que o filósofo meditasse metodicamente a respeito de suas causas, pois, logicamente, nada impediria que Descartes aceitasse conviver com o erro e permanecesse com os enganos que sempre o acompanharam, sendo necessária uma decisão, um ato de vontade em relação ao erro para que ele possa ser desvendado e por fim vencido. É em função disso que Descartes afirma que é preciso não só pensar seriamente mas com liberdade, ou seja, com a consciência de que se está empregando a razão voluntariamente para cumprir uma finalidade.

Desse aspecto voluntário da dúvida podemos concluir muito daquilo que ela não é. Indicarei três aspectos sob os quais ela não deve ser entendida.

I. Primeiramente, ela não pode ser uma passividade psicológica, seja como espécie de curiosidade que se dissipará por um motivo qualquer, seja como um capricho que decidirá quando ela começará e quando terminará, pois assim como a dúvida move a reflexão, ela também está submetida aos resultados dessa reflexão e não aos desmandes psicológicos de Descartes.

II. Consequentemente, duvidar não é um estado mas a realização de uma ação que, por suas determinações racionais, questiona voluntariamente alguns gêneros do conhecimento (como as sensações ou as matemáticas).

III. Por fim, examinando mais o aspecto voluntário da dúvida podemos perceber que ela não é aquilo que o senso comum entende por dúvida: certa alternância entre alternativas igualmente convincentes, pois caso duvidar equivalesse à isso, então as alternativas sobre as quais se está em dúvida teriam que ter o mesmo poder persuasivo sobre Descartes, e o percurso meditativo teria que constatar uma equivalência epistêmica entre os vários gêneros do conhecimento, impossibilitando uma decisão sobre eles. Ora, não é isso que Descartes defende. No seu entender as matemáticas são muito mais confiáveis que os juízos baseados nos sentidos, por exemplo, o que nos permite concluir que não é nesse sentido do senso comum que o termo dúvida é empregado.

Dados esses três aspectos sob os quais não devemos entender a dúvida, torna-se possível compreender um pouco mais do sentido desse termo e notar que a dúvida não decorre meramente dos impasses psicológicos do indivíduo Descartes com sua vida, entretanto, considerando que ela não é psicológica mas opera como um movimento racional das reflexões do livro, seguindo uma direção (ou melhor, uma ordem) de questionaentos, então duvidar constitui um procedimento racional que questiona algo que testa sua capacidade de fundamentar a verdade em função de uma finalidade, de tal modo que, tão logo a finalidade seja cumprida, desaparece também a duvida.
Creio que seja suficiente para o meu intento o que disse até aqui a respeito da liberdade.


3.2. Dúvida e seriedade

Além desse aspecto voluntário da dúvida que acabei de ressaltar, do empenhar-se com liberdade, ela tem também um aspecto epistêmico dado no empenhar-se com seriedade.

Como já dito, o método de meditar envolve radicalizar a dúvida até o encontro da verdade, sendo que já no segundo parágrafo Descartes fala em certeza e em indubitabilidade, em não mais duvidar a partir de algum momento por ter atingido uma verdade a qual não caiba questionar. A ideia defendida aqui é que investigação deve acabar em algum momento porque aquilo que a suscita exige isso mas como a dúvida metódica pode satisfazer as condições que sua motivação coloca?

De acordo com a maneira pela qual a motivação para meditar é apresentada, como uma decisão a partir da percepção do erro, decorre dela que sem que atingir a certeza a respeito daquilo que investiga, o filósofo permaneceria passível à confusão entre o que é verdadeiro e o que é mera opinião. Por isso, a indubitabilidade é pretendida dentro do método porque sem ela Descartes continuaria percebendo a distinção entre falsidade e verdade, mas permaneceria sem saber como distingui-las e sem saber se estaria atualmente enganado ou não, ou melhor, permaneceria com um saber incerto do qual ainda seria possível duvidar. Inclusive, Descartes afirma em certa passagem (pág.265) que ou a dúvida prova algo certo e termina, ou prova certamente que não há certeza e termina: ambas as possibilidades implicam em certeza.

A certeza, neste caso, está ligada à ideia de indubitabilidade, à possibilidade de eliminar racionalmente todas as razões para se duvidar do conhecimento de algo. Ter certeza não é ter uma confiança psíquica num determinado conhecimento, mas é reconhecer a partir de um conhecimento verdadeiro a impossibilidade de uma dúvida racionalmente orientada em relação a ele.


3.3. Certeza e indubitabilidade

Caso somemos o aspecto volitivo com o aspecto epistêmico da dúvida, o aplicar-se com seriamente e com liberdade, perceberemos que o método defendido por Descarte verifica dubitabilidade ou indubitabilidade de determinado gênero do conhecimento, e ao mesmo tempo constrói as condições para o estabelecimento da verdade e da certeza.

Isso ocorre da seguinte maneira: conforme medita, Descartes é levado a conhecer que as razões que o levam a duvidar de certos gêneros não invalidam outros, que precisarão de uma análise própria, por conseguinte, como cada passo da dúvida apresenta um limite que ela não é capaz de questionar, então mesmo anteriormente a afirmação da primeira verdade encontrada por Descartes ele jamais está na completa incerteza, pois sempre há algo que escapa as razões atuais de duvidar e sobre o qual ainda é preciso meditar. Ainda que o gênero do conhecimento sobre o qual medita atualmente se mostre inválido dada a aplicação da dúvida, tal invalidade não elimina a possibilidade de encontrar a certeza em outros gêneros. Através desse movimento argumentativo são construídas as condições pelas quais será possível afirmar alguma verdade, sendo que o método é desconstrutor na medida em que mostra porque certos gêneros do conhecimento não podem fundamentar a verdade, mas é igualmente propositivo na medida em que apresenta os critérios que deveriam fundamentá-la. Os argumentos contra os sentidos, por exemplo, mostram que a verdade não poderá se basear numa certeza sensível, tanto invalidando os sentidos como fundamento da verdade, quanto apresentando que a verdade não pode estar fundamentada nos sentidos por conta das fragilidades desvendadas pelos argumentos apresentados contra eles.


4. Algumas conclusões sobre a certeza

Creio que tenho agora elementos suficientes para responder as questões que coloquei ao iniciar este texto, a saber, como a certeza se liga ao método, o se sua ligação com a verdade é psicológica ou não e, por fim, o que é a certeza que Descartes pretende atingir. Tentarei respondê-las respectivamente nessa ordem.

Levando em conta as considerações feitas sobre a motivação da dúvida (item 2) estabeleci que o meditar parte da vivência do erro e depois da decisão de se meditar metodicamente sobre ela para vencê-lo. Mais tarde, defendi que a indubitabilidade surge por meio da constatação de que sem ela seria possível incorrer novamente no erro, pois sem que a verdade fosse indubitável, Descartes jamais poderia deixar a incerteza e jamais poderia estar certo de que não estaria incorrendo atualmente no erro (item 3.2.). Disso podemos concluir que a certeza é alcançada como uma exigência de se perseguir integralmente um percurso método, servindo como um modo de cumprir a finalidade posta pelo autor ao fornecer a condição que ele precisa cumprir para deixar de duvidar. Aí está a relação entre certeza e método.
Além dessa relação problematizei igualmente a ligação com a verdade e perguntei se a certeza seria apenas um estado psíquico ou se existiria alguma relação de outra natureza entre ela e a verdade. Responderei isso agora.

Como já dissemos antes (item 3.1.), a dúvida é um procedimento racional, uma ação de quem por sua própria liberdade se põe a duvidar metodicamente para cumprir uma finalidade. Ela não é uma simples imobilidade psíquica diante de alternativas, mas um ato racionalmente meditado, de sorte que quem se afirma logo que um gênero de conhecimento é questionado não é a incerteza imobilizante, mas a razão questionadora que leva a dúvida adiante. Como consequência disso, a dúvida só pode avançar até onde a razão a permite porque duvidar é ter razões para duvidar, e ou a verdade pretendida não é racional e existiriam razões para se duvidar dela, um absurdo, ou a verdade é racional e não há razões para duvidar dela, sendo que a dúvida deve se esgotar ao encontrar, em algum ponto do meditar, a verdade com e na própria razão. Duvidar racionalmente da própria razão seria um contrassenso, talvez loucura Se a dúvida pudesse prosseguir para além da razão e questioná-la, então a razão não poderia ser suporte de racionalidade e nem mesmo a dúvida que a questionasse seria racional, mais um absurdo. O fim da dúvida deve coincidir, portanto, com o reconhecimento da racionalidade para a qual não é possível apresentar motivos de dúvidas, perante a qual a certeza mais profunda, engendrada pelo próprio meditar que conhece a verdade, é estabelecida. Aí está a relação entre certeza e verdade, e ela não é psicológica mas filosófica e ontológica.

Por fim, considerando que a certeza não pode ser um mero conforto psicológico, ou uma segurança diante das crenças em que confiamos, mas que surge a partir do conhecimento indubitável, então devo concluir que ela é o reconhecimento racional de que não há nenhuma razão para questionar algo, surgindo por meio de uma racionalidade que encontra a si mesma quando elevada ao seu limite. É essa certeza que Descartes buscou nas Meditações, e é em função dela que foi construída sua investigação filosófica, que pretendo ter melhor esclarecido aqui.

site: http://aoinvesdoinverso.wordpress.com/
Mateus Morales 28/07/2016minha estante
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Elder Prates (Escritor) 01/07/2011

Desafiador!
Conteúdo de cozer os miolos.
Meditações pelas quais não devemos despender um leitura dinâmica, mas sim, uma leitura paciente e reflexiva.
Descartes desconstrói aqui os saberes até então obtidos, aplica sobre tudo a dúvida, a fim de descobrir um princípio que sirva de fundamento para todo o conhecimento, obtendo o Eu pensante (penso, logo existo) como princípio e, a existência de Deus como fundamento de todo saber.
Mateus Morales 28/07/2016minha estante
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Nathan 29/08/2010

Meditações Metafísicas
Descartes, grande filósofo e matemático. Em sua obra "Meditações Metafísicas" ele trará seu posicionamento quanto ao mundo, adotando assim uma posição que o definirá como Dogmático, utilizando o que chamamos de Ceticismo Metódico. Criando depois um método para se saber a validade da coisa (res). Há uma negação da sua realidade, cultura, Deus, ensinos religiosos, os sentidos, chegando após a uma certeza "cogito ergo sum" (penso logo existo). Será essa a nossa única certeza? Cabe ler e refletir para se saber.
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