ReiFi 16/05/2014
Resenha de A Verdadeira Vida de Sebastian Knight
Por José Reinaldo do Nascimento Filho
Terminei.
Então eu li meu primeiro Nabokov. E para quem me conhece um pouquinho, sabe que tenho o costume de enveredar pelas obras dos autores inicialmente pela sua obra-prima. Temos muito pouco tempo nessa vida para ler tanta coisa boa, não é verdade? Então por que começar pelos pontos mais frouxos na carreira dos grandes escritores? Vamos logo aos clássicos. Mas não foi assim com o russo-americano Nabokov (mais conhecido como o autor de nada mais nada menos que Lolita – vide resenha de Leonardo).
Sabem aquele livro que te prende logo nas primeiras páginas? O livro aqui comentado tem essa singularidade.
Primeiramente, o autor (e aqui vamos imaginar que você sabe ou já ouviu falar desse grande expoente da literatura). A gente pensa: Nabokov escrevendo sobre alguém interessado em recontar a verdadeira história de um escritor X após um zé ruela qualquer escrever uma biografia, longe da realidade, a respeito deste, mesclando autoanálise literária e investigação detetivesca. Algo muito bom tem de sair disso, concordam?
O livro está lá na prateleira. Você pega e começa a folheá-lo…
O texto logo fascina pela linguagem bem simples. Simples não, charmosa. Imagino que por isso a atração, como se o próprio narrador, exímio na arte da fala/escrita, estivesse ali ao seu lado, contando para você, despretensiosamente, num misto de ironia mais graciosidade mais inteligência, as ideias dele, pontuando aqui e ali algumas referências à própria arte de escrever, à literatura, à psicologia das personagens; e quando você se dá por si, está confortavelmente escorrendo pelas páginas.
Vem o primeiro capitulo, o segundo, e ficamos sabendo que aquela voz no texto, em primeira pessoa, é de um tal V., meio irmão dum eminente romancista falecido que teve sua vida contada pelo seu secretário. V. fica indignado com essa “falsa biografia”. Enxerga nela tudo de mais pobre, mesquinho e irreal. Então ele mesmo decide escrever a verdadeira história do tal Sebastian Knight. E assim a narrativa se desenrola, como num romance policial. V. resolve pesquisar sobre as pessoas com quem o irmão manteve contato, construiu amizades, vínculos, paixões; e como na vida real, como um investigador faria, vai de cidade em cidade, de hotéis em hotéis, em busca da trajetória do falecido e misterioso escritor. E o ponto mais curioso a respeito desse romance aqui comentado, é que nos damos conta de que não estamos lendo somente o testemunho do narrador, mas o resultado final disso tudo. Em nossas mãos está a obra finalizada, aquilo que foi realmente “publicado” no mundo ali do V: A verdadeira vida de Sebastian Knight.
Mas como o livro realmente funciona? A melhor maneira de demonstrar é citando alguns trechos.
Logo na primeira página Nabokov parece já querer demonstrar um pouco de como será o teor da narrativa. Diz a data de nascimento do Knight, diz como conseguiu essa informação, e diz que na manhã do nascimento de Sebastian “foi uma bela manhã sem vento, com doze graus abaixo de zero…”, informação esta obtida através de “uma velha russa que por alguma obscura razão me implorou para não divulgar seu nome”. Velha esta também que preservou seu diário desde a tenra idade e que conhecia o futuro escritor desde o seu nascimento. Senhor V. não se dá por satisfeito com esse relato “seco” sobre essa manhã; ele, parece-me, para demonstrar um pouco da sua habilidade, alimentar um pouco o ego e, claro, encantar o leitor, resolve expressar aquele dia da seguinte maneira: “
“Seu relato tão seco não consegue transmitir para o leitor não viajado as delícias implícitas num dia tal como ela descreve em São Petersburgo; a pura luxúria de um céu sem nuvens destinado não a aquecer a carne, mas exclusivamente ao prazer dos olhos; o brilho dos cortes de trenós na neve bem batida das ruas espaçosas com um toque fulvo entre as trilhas devido à rica mistura com estrume de cavalo…”.
No capítulo dois, o narrador começa a alfinetar o Sr. Goodman, autor da “falsa bibliografia”. Então, por exemplo, ele cita alguns trechos dessa obra e começa a discorrer, em tom de deboche, sobre suas falhas, não só estruturais mas a respeito daquilo que realmente aconteceu na vida do Knight. Além disso, “Nabokov” toma isso como gancho para nos apresentar novas personagens, o passado delas e suas influências sobre o próprio V. e, principalmente, claro, o Sebastian Knight.
Outro ponto que mais me marcou: a “ilusão” criada pelo Nabokov no decorrer da narrativa. E que ilusão seria essa? Estamos lá, tranquilamente lendo, quando nos deparamos com um fecha aspas. Na verdade, estávamos lendo ali uma citação de alguma obra do próprio Sebastian Knight, e isso, para mim, foi fantástico. Ele não abusa disso, o Nabokov, mas quando se utiliza dessa artimanha, é de encher os olhos. Espetacular.
…
…O que me fez pensar numa coisa: quando não estamos lendo sobre o caminhar investigativo do senhor V., suas andanças, entrevistas, estamos, na verdade, lendo sobre “outras obras”, como se o escritor estivesse “enchendo linguiça”. Deparamo-nos com trechos de obras do próprio Knight, como também do livro de Goodman, e não chegamos a nos aprofundar na vida do biografado.
Definitivamente, esse livro não vai mudar a sua vida (mesmo aqueles apaixonados de plantão, porque num determinado momento o narrador acaba trazendo à tona a historieta de um amor não correspondido). Mas pelo simples fato de ser um romance de um grande autor que brinca com a arte de escrever, com a arte de contar histórias, só por isso, para mim, vale pena ser lido. E foi somente agora, ruminando um pouco mais sobre essa pequena obra curta (200 páginas) que resolvi modificar a nota de 3 estrelas para 4 estrelas.
Boas leituras :D