Pedro Henrique Müller 07/06/2020
Uma não-crítica crítica. A crítica-da-crítica, mas que não se quer crítica e assim o é, talvez mais até do que as outras. Não para que se negue a crítica acadêmica, mas para que ela não estrangule e nem sufoque ninguém.
Quanta liberdade em misturar tudo: Cage, Gertrude Stein, Gregório de Matos, John Donne, Lewis Carroll, Duchamp, Dante Alighieri, Mallarmé, Emily Dickinson
Que caldo, que salada! Ou, como diria a sua versão para a canção da Falsa Tartaruga de Alice no País das Maravilhas:
Que bela Sopa, de osso ou aveia,
A ferver na panela cheia!
Quem não diz: - Ave! Quem não diz: - Eia!
Quem não diz: - Opa! que bela Sopa!
So__pa, só__ó So____opa!
Que bela Sopa!
Quem não se baba não papa.
A linguagem em pó da poesia de todos que são e não são Augustos.
Que imbecilidade da crítica querer concluir qualquer coisa. Se não sabemos nem as perguntas, para que respostas? Duchamp disse: não há solução pois nem há problema.
Escultura, construção, falsa cascata de textos poéticos, Augusto, a falsa-tartaruga, como os disfarces alter-egos de Duchamp, parece dramatizar a si mesmo, dramaturgo da poesia alheia, que rouba e subverte, reescreve, surrupia, omite, sequestra, transforma, muda tudo. Ator-poeta de múltiplas figuras, tipos e vozes, não nega os truques e mostra-os à plateia, como Brecht. Escondendo-se nos outros, Augusto escreve um livro de outros, como um Pierre Menard, como um DJ que cria na não autoria.
Pode-se implicar com os irmãos Campos e suas transcriações, realmente elas não são ortodoxas. A tradução deles é outra coisa. Por isso é preciso outro nome. Transduções. Transcriações. Intraduções. São trans-invenções.
Quem não gosta geralmente se queixa: Ah mas esta palavra da esquerda não tem essa correspondência exata na palavra da tradução da direita.
Quanta confiança nas palavras.
E quanta fé no significado.
O que me encanta nos irmãos Campos é justamente essa anarquia paralógica, supralógica. A preocupação é estética. Pois, como Pound, sabiam que a poesia não se domestica à sintaxe. É jogo plástico, ritmico, sonoro, verbal, vocal, visual. Só se preocupar com um destes aspectos é muito pouco! Se não há a dança do intelecto pelas palavras, de que serve cantar uma música morta?
Nas mãos dos irmãos Campos toca uma dança originalíssima e transgressora que a tudo abraça e nega ao mesmo tempo. Apropria-se sem ser. Ou a poesia deve permanecer coagulada numa dicção mortiça, ou ser re-ouvida re-re-escrita e servida a novos ouvidos e olhos livres, como queria Oswald. Canibalmente.
A poesia nos fatos, nos fatos estéticos. Deglutida, mil vezes mastigada e cuspida de volta. Carne de outra perna.
A poesia nas coisas, nos cipós e nas metrificações. Alegria dos que não sabem e descobrem.
A invenção. A surpresa. Outra perspectiva. Para nos abalar e nos rebelar. Musicaos.
Não é preciso concordar com Augusto para amá-lo.
VIVA Augusto de Campos VAIA