carmem 10/05/2017Padre Sérgio, TolstóiEscrita no início dos anos 1890 e publicada pela primeira vez em 1898, “Padre Sérgio” não é uma obra unânime de Tolstói. Trata-se de uma novela com cerca de 70 páginas que talvez não tenha a majestade de algumas de suas pequenas narrativas anteriores, como “A Morte de Ivan Ílitch” ou “Felicidade Conjugal”, mas que merece uma análise profunda. Tolstói era uma figura polêmica, um religioso fanático e ao mesmo tempo crítico ferrenho da Igreja Ortodoxa Russa, fato que fez com que fosse excomungado da mesma. Tal senso crítico do autor fica bastante evidente na pequena novela.
“Padre Sérgio” tem como protagonista Stiepán Kassátski, um jovem comandante do exército que está noivo de uma condessa e parece destinado à grandeza, mas que, de forma repentina – como somos informados já na primeira página –, pede baixa, rompe o noivado, doa seus rendimentos e decide se tornar um monge. Kassátski é obcecado por ser o melhor em absolutamente tudo o que faz e não se dá por satisfeito enquanto não atingir a perfeição. Assim ocorre no exército e assim também será no monastério, onde se tornará Padre Sérgio. Para chegar à perfeição na vida monástica, Padre Sérgio se mostra capaz de atos surpreendentes, mas nem mesmo ele imaginou que seria tão desafiador.
O livro é uma aula sobre a hipocrisia presente nos homens e também na igreja, e conta com um grau de machismo dos mais elevados – como era de se esperar para a época. A mulher é constantemente vista pelo protagonista como um ser demoníaco e perigoso, alguém que pode levá-lo à ruína. Um protagonista imperfeito obcecado pela perfeição, que titubeia entre a humildade e o orgulho – este é Padre Sérgio. Em poucas páginas conseguimos adentrar na mente de Kassátski, sentir suas angústias e nos chocar com suas ideias. Não há grandes momentos, não há outros personagens de destaque além de Kassátski, mas sim uma galeria de figuras que se revezam enquanto acompanhamos os conflitos do protagonista. Com um final surpreendente e um tanto destoante, “Padre Sérgio” figura como uma obra polêmica do grande autor russo, por suas ferrenhas críticas à própria religião e à sociedade da Rússia czarista como um todo, mas uma obra polêmica que deve ser lida.
A edição da extinta Cosac Naify, parte da coleção Nova Prosa do Mundo, é só elogios. Com capa dura, o livro conta com ótimos apêndices, sugestões de leitura, além de um texto do próprio Tolstói: nada menos que a “Resposta ao Sínodo”, texto que escreveu após ser excomungado. A tradução, feita diretamente do russo, é de Beatriz Morabito.
“O fato de eu ter renegado a Igreja que se intitula ortodoxa é totalmente exato. Mas reneguei-a não porque me insurgi contra o Senhor, ao contrário, simplesmente porque desejava servi-lo com todas as forças.” – Liév Tolstói, em resposta à resolução do sínodo de 20-22 de fevereiro de 1901 e às cartas recebidas nessa ocasião.