Atlas de Nuvens

Atlas de Nuvens David Mitchell




Resenhas - Atlas das Nuvens


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Andre.28 20/09/2020

Uma colcha de retalhos desconexa e pedante (Resenha Osmose Literária)
Eu tentei gostar. Eu detesto ter que falar mal de um livro, mas esse livro acabou com a minha paciência, me irritou em TODOS OS NÍVEIS. É difícil dizer isso, não gosto mesmo ser o chato de plantão. Compreendo que um autor despende esforço, tempo e dedicação na escrita de um livro. Mas não dá para falar bem desse livro. Deixei a resenha completa no blog [LINK ABAIXO]

https://osmoseliteraria.blogspot.com/2020/09/uma-colcha-de-retalhos-desconexa-e.html
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ju.cardozso 21/08/2021

não sei como fazer essa resenha
esse livro faz eu me sentir burra, mas de um jeito bom??
há dias que terminei e ainda me pego pensando nele a fazendo relações que não notei durante a leitura

o tanto de discussão sobre a condição humana, moralidade, ambição, construção social etc etc em cada lugar, época e ponto de vista diferente, não ta escrito, literalmente

nesse site tem um monte de gente inteligente analisando esse livro, eu ainda to entendendo ele, então só vou panfletar:
leiam, é intimidador e estimulante ao mesmo tempo
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Roberto 20/09/2016

Para não deixar de ler
Aqui nesta resenha não tecerei comentários sobre a técnica ímpar, a verve literária poderosa, a elegância sutil ou a criatividade indômita do David Mitchell. Creio que pessoas qualificadas já falaram sobre isso.
Vou me ater ao livro, ao que senti durante a leitura e ao que sinto após finalizá-la.
O livro é lindo! Com isso quero dizer que a edição da Companhia das Letras, que tive o imenso prazer de comprar, é extremamente bem produzida, de gosto apurado e deixa minha estante bem mais bonita.
O livro é lindo! E aqui, sim, quero expressar que as histórias são inquietante e surpreendentemente lindas! Não há lugares comuns, clichês ou coisas que os valham. Não foram raras as madrugadas em que me peguei numa luta inglória para interromper a leitura, devido ao avançado da hora.
O livro é lindo! É sobre passado, presente e futuro, não necessariamente nessa ordem, mas entrelaçados, interligados por uma teia de sentidos e sentimentos, que demonstram não uma relação de causalidade rasteira, mas de consequências e influências que um tempo pode gerar no outro e no outro.
Não vou repetir que o livro é lindo! Mas é! Isso por que é sobre redenção e rendição, sobre certezas, dúvidas e enganos, sobre motivos para lutar e para desistir da luta, sobre exploração, liberdade e irresignação, sobre maldade e bondade, sobre vida e sobre morte, sobre lealdade, gratidão e perfídia.
É lindo por ser um livro repleto de referências literárias, musicais e até cinematográficas: a arte dentro do arte: "meta-arte"... O que considero ainda mais enriquecedor são suas autoreferências.
Por fim, é daqueles raros e belos livros que embriagam o leitor e, não fosse isso bastante, deixam uma ressaca duradoura após sua leitura e o desejo de voltar ao início.
É um livro pra reler, não por ser difícil de entender. Pelo contrário, mas por isso mesmo!
O resultado é precisar pensar: food for thoughts! A cabeça dá um nó que se desata, mas deixa marcas na fita que enlaça. Leiam! Mas o meu eu não dou, não vendo, não empresto!
Sunt lacrimae rerum.
Thyago 27/09/2016minha estante
Eu desejo este livro há muito tempo. Cheguei até ele depois de assistir o filme. O que você pode comentar em relação ao livro e sua adaptação?


Mateus 04/02/2017minha estante
Gostei de sua resenha! e é verdade.. é desses livros que embriagam a pessoa! Quanto a desatar os nós, uns deixaram marcas no laço, outros ainda permanecem tão apertados que é melhor corta à tesoura ou´permanecer preso!


Gabriel1994 27/12/2017minha estante
Que resenha linda!




Luciano Otaciano 22/05/2021

Livro maravilhoso, uma obra prima contemporánea!
Livros que entrelaçam histórias distintas não são novidade na literatura, mas David Mitchel conseguiu ir além com sua obra, o que torna a leitura deste livro uma experiência única que vai mexer com quem por ela se aventurar. Não à toa, o livro foi classificado como um clássico da literatura contemporânea.
ATLAS DE NUVENS traz seis histórias que se passam em diferentes épocas do passado, presente e futuro. Embarcamos num navio em pleno século XIX para acompanhar o advogado Adam Ewing através das páginas de seu diário. Este diário é lido com imensa curiosidade por Robert Frobisher, músico que se torna amanuense de um consagrado compositor. Robert conta sua rotina em busca de dinheiro e fama em cartas enviadas ao amor de sua vida, Sixsmith. Ao investigar supostos problemas em uma empresa de energia nuclear, a jornalista Luisa Rey conhece o cientista Rufus Sixsmith e após um revés, acaba recebendo documentos e as cartas escritas por Robert e guardadas com carinho por Sixsmith. A investigação de Luisa rende um livro de mistério, jamais publicado. Chegando aos dias atuais, conhecemos o editor Timothy Cavendish que está em apuros fugindo de bandidos. Ao ser enganado pelo irmão, ele termina internado em uma casa de repouso para idosos. Entre tentativas de fuga e cenas cômicas, Timothy se dedica à leitura dos originais de um livro, escrito décadas atrás por Luisa Rey. O mundo evolui, a tecnologia atinge o ápice, e uma clone, Sonmi, acaba se desviando de sua programação e desenvolvendo capacidade de pensamento e questionamento da realidade. Em meio a revoltas contra a ordem estabelecida, a distração de Sonmi acaba sendo um velho filme que conta as desventuras de um editor chamando Timothy Cavendish. A evolução acaba trazendo o caos, e no mundo que voltou ao primitivismo, Zachry e sua tribo vivem da caça, plantio, criação de ovelhas, e culto à deusa Sonmi.
Esse é um breve resumo básico do que encontramos aqui neste livro. Histórias interligadas por detalhes, cada uma com sua peculiaridade e com um toque único de criação. David Mitchel escreveu realmente seis livros distintos. Começamos com a linguagem do século XIX no diário de Adam, passamos pelo romance epistolar das cartas de Robert, entramos num clima de romance policial acompanhando Luisa Rey, vivemos o dia a dia de Timothy, evoluímos para uma ficção científica de primeira com Sonmi e, por fim, voltamos à uma linguagem peculiar, primitiva, inocente, no pós-apocalipse de Zachry. A cada novo livro, uma nova linguagem, um novo estilo literário. Assim é a experiência de ler ATLAS DE NUVENS..
Usando uma comparação feita pelo próprio autor, Atlas se assemelha às bonecas russas. Uma história vem dentro da outra. Ou, ainda citando frases do próprio livro, é como um sexteto para solistas em que “na primeira parte, cada solo é interrompido por seu sucessor; na segunda, cada interrupção é retomada, na ordem original”. Assim, o desfecho da primeira história só é conhecido no último capítulo; o desfecho da segunda, vem no antepenúltimo, e assim sucessivamente, restando apenas uma história que é contada do começo ao fim sem pausas. Cada ação de um personagem tem uma consequência que pode ser sentida, de variadas formas, por alguém numa época posterior.
Falar mais deste grandioso livro é ser repetitivo. Em resumo, ATLAS DE NUVENS é uma obra para ser lida por quem gosta realmente de leitura, é um livro para leitores exigentes. Uma grande homenagem à literatura, recheado de referências a outras obras, de estilos, de gêneros. Uma obra-prima do nosso tempo. Recomendadíssimo!
Espero que tenham curtido a resenha. Até a próxima!
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Ronan 18/07/2021

Um dos melhores livros que já li
A narrativa desse livro é espetacular, toda a estrutura em que ele foi escrito me deixou fascinado, mas esse não é o único ponto positivo do livro, as histórias são extremamente bem construídas, são seis histórias que se conectam de uma forma sutil, atravessando o tempo, cada parte tem uma narrativa única, parecendo que não é o mesmo autor que escreveu todas elas. As histórias são contadas pela metade, até chegarmos na sexta história, que é contada inteiramente e então as histórias vão se encerrando de forma inversa.

Devo dizer que o me trouxe pra este livro foi a adaptação, que acho que foi um trabalho muito bem feito ao adaptar a história, ouso dizer que as obras são complementares, recomendo demais, ambos.

Começamos com O Diário de viagem ao Pacífico de Adam Ewiring - Se passa por volta de 1850, é um relato em primeira pessoa de uma jornada ao sul do Pacífico do ingênuo Adam Ewing, que se encontra em terra nas ilhas Chattam, perto da Nova Zelândia. Ele adoece e busca a ajuda de um médico desconfiado que fica muito interessado por seu dinheiro. Ele também aprende um pouco da história nativa: a escravidão dos Moriori pelos Maori. (Confesso que foi um começo morno pra mim, sendo arrastada a leitura, mas passando as primeiras páginas eu já estava envolvido com a história e com o Adam e seu idealismo).

Logo após temos Cartas de Zedelghem - É uma história narrada de forma epistolar. As cartas são escritas por Robert Frobisher endereçadas a Rufus Sixmith. Robert é um músico inglês completamente falido que está tentando usar a influência de um compositor belga para conseguir ser bem sucedido. (Essa é a minha história favorita, eu fiquei muito envolvido com com o Robert e todos as suas façanhas, também foi muito interessante ver a construção do Sexteto Atlas de Nuvens).

Então temos Meias-vidas: O primeiro romance policial da série Luisa Rey - Acompanhamos a história de Luisa Rey, uma jornalista que foi extremamente influenciada por seu seu pai, tentando seguir seu exemplo ela está investigando usinas nucleares que são inseguras e podem explodir o mundo, e é claro que há pessoas que não desejam que esta informação seja tornada pública. (Eu adorei essa história também, é uma das partes mais fluídas de ler, acompanhando toda a investigação da Luisa).

Em seguida acompanhamos O pavoroso calvário de Timothy Cavendish - Timothy Cavendish, de 65 anos, é um editor vaidoso que se mete em encrenca com um de seus clientes (que por acaso é um gangster) e tem de ficar quieto por um tempo; Seu irmão arranja um lugar seguro para ele ir. Só quando chega ele descobre que o refúgio é uma casa de repouso. (Confesso que não é uma das minhas partes favoritas do livro, mas tem partes hilárias).

A próxima história é Uma rogativa de Sonmi~451 - É uma história em um futuro distópico, escrita em forma de entrevista. (É outra história desse romance que eu adorei, a Sonmi é extremamente cativante, eu fiquei envolvido demais pela narrativa que ela está contando).

E a última história O vau de Sloosha e o deu adespois - Se passando em um mundo pós-apocalítico aonde a humanidade foi quase exterminada, acompanhamos Zachry, o protagonista, que é um velho contando sua adolescência, quando conheceu Meronym, membro de uma antiga civilização avançada. (Essa foi a parte mais difícil da leitura pra mim, a escrita é extremamente entoucada, mas entendo o motivo de ser escrito dessa forma).

Eu amei demais a história desse livro, toda a estrutura em que é narrada, todos os personagens são muito bem construídos, um dos melhores livros que eu já li.
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otxjunior 04/05/2020

Atlas de Nuvens, David Mitchell
Ambicioso que só ele ou gimmick barato? Fica ali pelo meio, assim como as histórias que contêm, se analisadas individualmente (curiosamente tive preferência por aquelas protagonizadas por seus personagens masculinos). Mas aqui o todo é certamente melhor que suas partes. Mesmo que só para admirar o feito epopeico do autor. Vale conferir o filme também.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 28/08/2016

David Mitchell - Atlas de Nuvens
Editora Companhia das Letras - 544 páginas - Tradução de Paulo Henriques Britto - Lançamento 26/07/2016.

Já faz algum tempo que não me divertia tanto com um romance, ou melhor dizendo, não apenas um, mas seis romances em um só, ambientados em várias regiões do mundo e diferentes épocas, do passado ao futuro, com múltiplas técnicas narrativas e improváveis elementos de ligação entre todas as partes, porque "Atlas de Nuvens" é exatamente isso, configurando um virtuosismo literário invejável do inglês David Mitchell ao conduzir a ambiciosa arquitetura do livro e manter a atenção e interesse do leitor ao longo de mais de quinhentas páginas nessa catedral ficcional, se é que podemos chamar assim. Mas não imaginem que se trata de uma exibição gratuita de habilidade de escritor sem proveito para o leitor comum, muito pelo contrário, o livro é contagiante e difícil de interromper porque cada parte, ou capítulo, termina em suspenso (sempre em algum tipo de situação limite) para dar início a uma nova narrativa, continuando mais adiante e assim sucessivamente.

Durante a leitura ficamos imaginando como será possível levar a cabo a tarefa hercúlea de finalizar a obra com alguma coerência, tantos são os personagens e tramas paralelas, ou mesmo se o autor terá que apelar para soluções simplistas, no entanto devo admitir que a conclusão de cada uma das partes é brilhante e tão criativa quanto o desenvolvimento da estrutura, não deixando o leitor frustrado em nenhum momento. O livro "Cloud Atlas", lançado originalmente em 2004 e finalista do Man Booker Prize daquele ano, foi adaptado para o cinema em 2012 (no Brasil com o título de "A viagem"), dirigido pelas irmãs Warchowski e com um elenco formado por Tom Hanks, Helle Berry e Hugh Grant. Não assisti ao filme até hoje para não comprometer a experiência da leitura e agora fico com receio de alterar a minha percepção do livro. Alguém que tenha assistido pode comentar sobre o filme?

A primeira parte, "Diário de viagem ao Pacífico de Adam Ewing", como sugere o título, é narrada em forma de diário, contando as aventuras de um tabelião americano em 1850 nas ilhas Chatham localizadas no Pacífico Sul, próximas à Nova Zelândia. Ele fica conhecendo a história (verídica) dos nativos dessas ilhas chamados de morioris que foram dizimados e escravizados pelos maoris da Nova Zelândia, assim como pelos colonizadores europeus. Adam Ewing, que retornava da Austrália, passa somente alguns dias em terra firme nas ilhas enquanto aguarda os reparos na embarcação Prophetess e faz amizade com o dr. Henry Goose, um médico aventureiro que conhece bem a região. Ambos embarcam no navio, juntamente com um escravo moriori clandestino. A técnica utilizada pelo autor neste primeiro capítulo lembra os textos de autores clássicos de aventuras, como Herman Melville (Moby Dick) e Daniel Defoe (Robinson Crusoé).

"Partimos ao nascer do sol, embora a sexta-feira seja vista como dia azarento pelos marinheiros (Resmunga o capitão Molyneux: 'Superstições, dias de santos e outras sandices ficam muito bem em comadres papistas, mas eu estou aqui para ganhar dinheiro!') Eu e Henry não ousamos subir ao convés, pois todos os marujos estavam às voltas com o cordame e há um vento sul forte, com mar agitado; o navio esteve em apuros ontem e não o está menos hoje. Passamos metade do dia arrumando a botica de Henry. Além dos petrechos de um médico moderno, meu amigo possui vários tomos doutos, em inglês, latim e alemão. Numa caixa há um continuum de pós em frascos arrolhados, com rótulo em grego. Com componentes tais ele prepara várias pílulas e unguentos. Olhamos pela escotilha por volta do meio-dia, e as ilhas Chatham eram manchas de tinta no horizonte plúmbeo, porém o intenso balanço do navio é um perigo para aqueles que passaram uma semana em terra firme." (pág. 30)

A segunda parte, "Cartas de Zedelghem", nos apresenta um jovem e brilhante músico inglês chamado Robert Frobisher em 1931. Ele foi deserdado pelo pai e, sendo perseguido por uma série de escândalos e dívidas na sociedade londrina, decide fugir para o interior da Bélgica onde trabalha como assistente de um famoso compositor inglês recluso, Vyvyan Ayrs, no castelo de Zedelghem. A convivência entre os dois faz com que o velho músico doente volte ao seu processo criativo, mas ao longo do processo Robert Frobisher tem um caso com Jocasta, a esposa de Vyvyan, e persegue também a bela filha do casal. Este capítulo é todo narrado através de cartas de Robert para o seu amante Rufus Sixsmith que ficou em Londres. Ao roubar livros raros da biblioteca de seus hospedes para vendê-los a colecionadores, Robert encontra uma antiga publicação sobre um diário no Pacífico Sul, enquanto desenvolve a sua própria composição, o "Sexteto Atlas de Nuvens".

"Tinha duas horas para matar. Tomei uma cerveja gelada num café, e mais uma, e mais uma, e fumei um maço inteiro de uns cigarros franceses deliciosos. O dinheiro de Jansch não é nenhum tesouro enterrado, mas Deus sabe que a sensação que tenho é de como se fosse. Depois encontrei uma igreja numa ruela (evitei os lugares mais turísticos para não correr o perigo de esbarrar em livreiros rancorosos), cheia de velas, sombras, mártires sofredores, incenso. Não entrava numa desde a manhã em que meu pai me pôs no olho da rua. A porta a toda hora abria e fechava . Entravam velhas corocas, acendiam velas, iam embora. O cadeado na caixa das esmolas era da melhor qualidade. As pessoas ajoelhadas rezavam, algumas mexendo os lábios. Eu as invejo, sério. Também invejo Deus, que conhece todos os segredos delas. A fé, o clube menos exclusivo do mundo, tem o porteiro mais esperto. Toda vez que entro nas portas escancaradas da fé, logo me vejo voltando para a rua. Esforcei-me ao máximo para ter pensamentos beatíficos, mas a toda hora minha cabeça voltava a dedilhar o corpo de Jocasta. Até mesmo os santos e mártires nos vitrais eram ligeiramente excitantes. Creio que tais pensamentos não me levam para mais perto do céu. O que acabou me enxotando da igreja foi um moteto de Bach — o coro até que não era abominável, mas a única esperança de salvação do organista seria um tiro nos miolos. Disse isso a ele, também — o tato e a moderação são são desejáveis na conversa fiada, mas quando o assunto é música é preciso falar sem papas na língua." (pág. 81)

A terceira parte, "Meias-vidas - O primeiro romance policial da série Luisa Rey" é toda ambientada na fictícia cidade de Buenas Yerbas, na California em 1975, "uma cidade que tem o pior de San Francisco e o pior de Los Angeles, um autêntico não lugar" e é lá que encontramos um dos protagonistas da última parte, Rufus Sixsmith, muitos anos depois do seu caso com Robert. Ele, já com sessenta e seis anos, é um cientista nuclear que escreve um relatório alertando para os riscos da construção de uma usina nuclear pela poderosa e corrupta corporação Seaboard Power Inc., o relatório aponta para falhas no novo reator Hidra e provoca o assassinato de Sixsmith. Luisa Rey é uma repórter que investiga a situação da usina e procura encontrar o relatório perdido, enquanto lê as antigas cartas de Zedelghem. David Mitchell agora nos apresenta um estilo clássico de romance policial americano de tirar o fôlego.

"Rufus Sixsmith, debruçado na varanda, calcula a velocidade de seu corpo quando ele atingir a calçada, dando fim a seus dilemas. O telefone toca no quarto escuro. Sixsmith não ousa atender. Ouve-se música de discoteca a todo volume vindo do apartamento ao lado, onde uma festa está no auge, e Sixsmith, aos sessenta e seis anos de idade, sente-se mais velho do que é. A poluição obscurece as estrelas, mas para o norte e para o sul, ao longo da orla marítima, Buenas Yerbas resplandece com seu bilhão de luzes. Para o oeste, a eternidade do Pacífico. Para o leste, a extensão nua, heroica, perniciosa, sacralizada, sedenta, enlouquecedora do continente americano. (...) Uma moça emerge da festa no apartamento ao lado e se debruça na varanda vizinha. Seu cabelo é bem cortado, seu vestido violeta é elegante, mas ela prece tomada por uma tristeza e uma solidão incuráveis. 'Proponha um pacto de morte, por que não?' Sixsmith não está pensando a sério, e também não vai pular, se uma brasa de humor ainda arde nele." (pág. 95)

A quarta parte, "O pavoroso calvário de Timothy Cavendish", é a única passada em nossa época atual, onde acompanhamos a hilária trajetória do editor Timothy Cavendish de sessenta e cinco anos que, por uma série de enganos, acaba internado e aprisionado em uma clínica geriátrica chamada "Aurora House" onde sofre um derrame, no interior da Inglaterra. Abandonado pelo irmão nesta clínica, ele planeja uma fuga espetacular, juntamente com seus "amigos senis mortos vivos", como ele os chama, mas isto não será uma tarefa nada fácil. Uma narrativa muito bem humorada onde nos pegamos rindo sozinhos das peripécias do protagonista. Uma das poucas leituras que Cavendish tem acesso neste período é o primeiro romance policial da série Luisa Rey encaminhado para a sua editora e que parece ser "publicável".

"O plano de Ernie era uma sequência altamente arriscada de dominós, um caindo sobre o outro. 'Qualquer estratégia de fuga', pontificou ele, 'tem que ser mais engenhosa do que os guardas.' E era mesmo engenhosa, para não dizer audaciosa, mas se um dos dominós não caísse sobre o outro o fracasso instantâneo teria consequências terríveis, principalmente se fosse verdade a macabra teoria de Ernie, de que estávamos sendo drogados. Olhando para trás, surpreendo-me comigo mesmo por ter concordado com aquilo. Sentia tanta gratidão por meus amigos estarem falando comigo outra vez, e uma vontade tão desesperada de sair da Aurora House — vivo —, que minha prudência natural se calou, é o que deve ter acontecido." (pág. 401)

A quinta parte, "Uma rogativa de Sonmi~451", nos apresenta uma distopia futurista, uma sociedade que utiliza clones humanos para desempenhar tarefas repetitivas ou perigosas. É o caso de Sonmi~451 que foi criada para servir a uma cadeia de lanchonetes na Asia, uma espécie de McDonald's do futuro chamada de Papa Song Corp. Neste capítulo toda a narrativa é feita seguindo o interrogatório de Sonmi~451, no qual ela conta em detalhes como se rebelou contra a forma impiedosa com que os clones eram escravizados e acabou participando de um movimento terrorista contra o regime totalitário. Uma fábula que tem algo de profético na forma como nossas sociedades evoluem para o futuro.

"Era uma cúpula fechada com cerca de oitenta metros de diâmetro, uma comedoria de propriedade da Papa Song Corp. As servidoras passam doze anos trabalhando sem jamais sair daquele espaço, jamais. A decoração é de estrelas e listras em tons de vermelho, amarelo e sol nascente. A celsius é ajustada ao nosso Exterior; mais quente no inverno, mais fresca no verão. Nossa comedoria ficava no menos-nono andar, debaixo da Chongmyo Plaza. Em vez de janelas, as paredes eram enfeitadas com AdVs. Na parede leste ficava o elevador da comedoria; era a única entrada e saída. A norte, o escritório do Vedor; a oeste, a sala dos seus Auxiliares; a sul, a dormidoria das servidoras. Os igienizadores dos consumidores eram ingressados a nordeste, sudeste, sudoeste e noroeste. O Eixo ficava no centro. Ali os alimentandos pediam suas refeições; nós entrávamos seus pedidos, debitávamos suas Almas nas caixas, depois bandejávamos suas refeições. Sobre o Eixo eleva-se o Plinto do Papa Song's. Ali Ele performa suas cabriolas para divertir os alimentandos." (pág. 196)

A sexta parte, "O vau do Sloosha e o que deu adespois", um desafio para o tradutor Paulo Henriques Britto e uma verdadeira luta contra o corretor ortográfico para respeitar o vocabulário inventado por David Mitchell que pula para um futuro pós apocalíptico, uma curiosa civilização que sobreviveu à "Queda" em algumas ilhas do Pacífico, uma espécie de holocausto que transformou a humanidade em uma série de tribos que lutam entre si pela sobrevivência. Existe uma pequena chance para a retomada do progresso e uma civilização mais justa à partir de poucos sobreviventes, haverá esperança para a Terra?

"Não, a Nau num é coisa de mito não, é verdadosa, que nem eu e cês. Vi ela com esses meus olho aqui, ó, vinte vez ou mais. A Nau parecia na baía das Frota duas vez por ano, perto dos quinosso da primavera e do outono, quando dia e noite, os dois é igual. Repara que ela nunca que ia em nenhuma cidade de bugre, Honokaa, Hilo, Sota-vento, nunca. E sabe por que? Causa-que só nós aqui do Vale tem Civilação do nive dos Presciente, por isso. Eles num queria escambar com barbo não, desses que achava que a Nau era um poderoso deus-pássaro branco, essas coisa. A Nau era da cor do céu, por isso só dava pa ver ela quando já tava chegano bem pertim. Num tinha remo não, nem vela, nem psisava de vento nem corrente não, causa-que era movida pela ciença dos Antigo. Do tamanho duma ilhota das grande, da altura dum morro baixo, a Nau cabia duzenta-trezenta-quatrocenta gente, quem sabe um milhão?" (pág. 268)

Como resmunga uma das dezenas de personagens de David Mitchell ao longo do romance-catedral: "'Mas essa história já foi contada cem vezes antes!' como se pudesse haver alguma coisa que não tivesse sido feita cem mil vezes antes, entre Aristófanes e Andrew Debilloyd Webber! Como se a Arte fosse o Quê, e não o Como!". Concordo com ele, o que vale mesmo nessa coisa de literatura não é a história em si, mas a originalidade da forma com que ela é contada. O autor criou sem dúvida uma bela homenagem à aventura, aos romances e a Arte de uma forma geral, imperdível.
Kaonny 28/08/2016minha estante
Poxa, bela resenha-síntese. Desperta mais e mais a curiosidade de quem viu o filme e desejar ler o livro. Obg Alexandre.


Alexandre Kovacs / Mundo de K 28/08/2016minha estante
Muito bom o livro Kaonny!


Kaonny 28/08/2016minha estante
Estava ansioso pela tradução desde que vi o filme.Achei abusivo o preço, mas a missão de tradução e a história compensam o custo.


Flavio 28/08/2016minha estante
Resenha muito boa, Kovacs. Já havia assisto ao filme e estava muito ansioso para o lançamento deste livro no Brasil. Estou encantado com a narrativa diversificada do romance. E me surpreendi, pois no filme a sequência das historias é bem diferente. Muito interessante notar as escolhas feitas na película pra nos dar a sensação de que tudo está conectado no passado e no futuro. Eles utilizaram a edição (a melhor coisa do filme por sinal), entrecortando as cenas de diversos tempos entre si, conectadas pela sequência de ação, ou pelo sentimento de coragem, aflição, medo ou alegria do momento. Também utilizaram a repetição dos atores em cada história, onde vemos Halle Barry, Tom HanKs, Susan Sarandon, Jim Broadbent fazendo diversos personagens de diversas etnias e gêneros diferentes para cada tempo. É mantido o link entre as histórias através da leitura do diário, das cartas, do romance etc e também através da tatuagem de cometa nos personagens-chave. Após a leitura do livro senti que o filme deixou a desejar em algumas das narrativas: principalmente da Sonmi e do Zachary que são muito mais intensas e emocionantes no papel. Agora você precisa assistir mesmo por causa de um detalhe primoroso: a trilha sonora orquestrada que é fenomenal!! Ja vale o tempo gasto assistindo. No geral o filme é bom e ao mesmo tempo diferente do livro pois adaptar um romance bem marcante como este para o cinema não deve ter sido tarefa fácil, mas sinto que foram felizes nas escolhas que fizeram para a tela grande. Acho que ter visto o filme primeiro e depois ter lido o livro pode ter me influenciado de maneira positiva para ambas as mídias. Não imagino como teria sido o inverso. Quando assistir me fale suas impressões. Grande abraço.


Alexandre Kovacs / Mundo de K 28/08/2016minha estante
Flavio, obrigado por compartilhar suas impressões sobre o livro e o filme. Vou aguardar o ótimo livro amadurecer na minha consciência para assistir ao filme (agora está ainda em período de decantação...). Depois te conto o que achei do filme! Abs Kovacs


Daniel 14/09/2016minha estante
É aquela velha história: "crie unicórnios, mas não crie expectativas".
Eu esperei tantos anos para ler este livro e fiquei bem menos empolgado do que supunha que ficaria. As histórias não me entusiasmaram muito, principalmente na primeira metade - a que gostei mais foi a do Timothy Cavendish. Depois elas melhoram um pouco, e a tênue conexão entre elas ajuda a olhar coisa toda a fazer sentido como um todo. Mas esperava mais. Achei até difícil avaliar o quanto gostei... mais que 3 estrelas, menos que 4. Vou procurar o filme agora. Talvez com o tempo minha impressão melhore.


Gabriel 03/11/2016minha estante
Concordo com resenha, mas recomendaria Ier eIa depois do Iivro, é uma deIícia descobrir cada fragmento do Iivro e Ier com o suspense de pra onde vamos e o que vamos ver.


Cacau 25/01/2017minha estante
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nicarddoso 19/02/2022

o que é o oceano senão uma infinidade de gotas?
Depois de ver o filme entendi melhor a mensagem do livro. o livro pode ser confuso, um pouco cansativo, mas é bem legal entender como todos os personagens estão conectados e o toque espiritual que o livro traz com a cicatriz que todos eles compartilham. cada um deles, no seu tempo e à sua maneira, fizeram a diferença de alguma forma no mundo. o primeiro deles ouviu que ele não seria nada mais que uma gota em um oceano infinito. mas juntos, mesmo em meio a todas as transformações do mundo - como ele foi, como é hoje e na sua forma apocalíptica -, eles puderam fazer algum tipo de diferença. a junção das gotas ao longo da história que, juntas, formaram um oceano.
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lucasandrade 23/02/2020

Cansativo
Apesar de alguns momentos muito bons, de boa narrativa e ritmo, grande parte é lenta, as vezes monótona.
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Paulo 11/06/2017

Ao ler Atlas de Nuvens, eu passava as páginas e me pegava sempre pensando: o que importa mais para fazer um bom livro? É a técnica de escrita empregada, são personagens que compõem a narrativa ou é uma boa história? O que salta aos olhos do leitor quando abre Atlas de Nuvens pela primeira vez é como David Mitchell é um monstro como escritor. Ele conseguiu criar seis narrativas distintas, interligadas e com estilos de escrita diferentes. Temos um diário de viagem, uma escrita epistolar em cartas, uma narrativa a la romance policial, um livro de memórias, uma entrevista e uma escrita descritiva. Todas muito distintas uma da outra. Se formos pensar que a escrita é o ponto definitivo para a composição de um bom livro, então colocamos David Mitchell ao lado de outros gênios como Murakami e Saramago que primavam pelo seu estilo único. Mas, Atlas de Nuvens não é só isso.

A cada mudança de história, eu sinto como se o autor tivesse me dado uma matrioshka de presente: aquelas bonecas russas que dentro elas tem outra boneca, que por sua vez abriga outra boneca e assim sucessivamente. As interconexões das histórias não estão apenas nos objetos ou recordações que aparecem em outras histórias. Não são só os Easter Eggs como o romance de Luisa Rey, o diário de Adam Ewing ou a rogativa de Somni. São os temas também. Se observarmos com um pouco mais de atenção, perceberemos que alguns temas se repetem em espaços de tempo bem longínquos. Eu fiquei em dúvida se dava 2 ou 3 corujas para a narrativa, mas quando me dei conta da repetição de temas eu percebi a real riqueza da história. Como os seres humanos repetem os mesmos erros do passado.

Antes de entrar na fala de cada narrativa, eu queria destacar o único ponto fraco ao meu ver no livro: os personagens. Eles não são memoráveis; apenas comuns. Nenhum deles me desperta alguma coisa no coração. Achei as histórias intrigantes e vale destacar que a última após o fim da civilização é a que eu mais gostei. Não apenas pelo jeito estiloso como o autor representa a fala de Zachry, mas a própria história em si. Ah, segue o alerta: não é uma história simples de ser lida. Exige bastante do leitor. Creio eu que a escrita de Mitchell que está o tempo todo mudando conseguiu me dar mais trabalho do que o livro de China Miéville. É uma leitura que precisa ser feita com calma, paciência e atenção.

O livro trabalha com uma imensidão de temas. Não vou trabalhar as histórias uma por uma porque essa não é a proposta do autor. Por exemplo, existe um grande debate sobre a escravidão e a condição humana presentes tanto na história de Adam Ewing como na de Zachry. Na primeira o autor demonstra como o seu trabalho de pesquisa foi intenso. A discussão sobre como a escravidão na Idade Moderna era terrível pode ser percebida através dos relatos dos marujos no Prophetess. O negro era tratado como um ser abaixo dos outros. Tem uma parte em que eles chegam a Nazareth e eles conversam com o missionário local. E o missionário dá um sermão que você, leitor, juraria que estava ouvindo de um nazista na Alemanha. Mas, tal não é. Isso porque os nazistas não criaram a ideia da superioridade étnica do nada. Desde o século XIX já havia um intenso debate em que estudiosos "sérios" adotaram a teoria darwiniana para estudar a sociedade. Eles acreditavam que os brancos arianos eram o topo da cadeia enquanto que as demais etnias se encontravam em degraus inferiores buscando seu espaço e usando como modelo a Europa. Esse debate permeou as pesquisas sociológicas iniciais com o contato com as comunidades da Oceania. Os primeiros sociólogos eram impregnados dessas ideias de evolução social. A escravidão retira a liberdade do indivíduo; o violenta da maneira mais vil. Outra cena muito forte é o das chibatadas nos escravos fugitivos. A dor não é apenas o de ter o seu corpo marcado e ferido, mas é o de saber que você está indefeso diante da violência de alguém com mais poder do que você. Este é o mesmo sentimento de Zachry quando vê sua família sendo morta e escravizada. Ele nada pode fazer para evitar aquilo. O que mais o abate foi o fato de ele ter se acovardado e se escondido enquanto tudo acontecia. Essa é uma marca que ficou em seu coração. De um lado temos pessoas que estão passando pela escravidão e do outro aqueles que ficaram para trás de algum modo. E outra mensagem ainda mais curiosa: seja no passado ou no futuro, o ser humano sempre vai desejar subjugar o mais fraco. Mesmo após a queda da civilização, um grupo de pessoas ainda busca escravizar o próximo para colocá-los sob seus desígnios. O que isso nos diz sobre a condição humana?

Outro tema que podemos conferir neste começo é o choque cultural presente tanto na história de Adam Ewing como no da pobre Sonmi. Ao fazer um estudo sobre os morioris nas ilhas do Pacífico, Adam fica sabendo o quanto sua cultura acabou desaparecendo, vítima das missões civilizatórias europeias do século XIX. Os povos do Pacífico tinham suas próprias crenças como no poder do vulcão, no contato com a natureza, na caça e na coleta. Todas crenças que merecem respeito, mas consideradas blasfemas pela Igreja. A própria dança da ula-ula, um simples ritual para receber convidados era vista com maus olhos. Esses povos precisaram abandonar as suas crenças, muitas vezes até pela força, para poderem se tornar mais "civilizados". Mas, afinal... o que é civilização? Se eu for pegar no dicionário, a definição que eu tenho ali é completamente diferente da que foi utilizada pelos pregadores. Já Sonmi tem em seu mundo da cafeteria todo o seu Universo. Quando ela sai dali, ela conhece todo um mundo novo repleto de formas e cores. Tudo o que ela achava que sabia, era apenas a ponta do iceberg. E aos poucos ela acaba precisando conhecer mais sobre o mundo. Em um outro espectro ela se descobre escrava dos homens que a criaram. Isso porque Sonmi é uma clone humana criada de forma a servir o resto da humanidade. Ela foi criada para trabalhar em uma lanchonete. Qualquer outro tipo de conhecimento se faz desnecessário. Aos poucos ela vai entendendo qual o valor que ela e suas iguais (as Yoonas, as demais Sonmis) tem para seus Vedores. Claro, existe um plot twist lá no final, mas até ali somos apresentados a um tema aterrador: e se os clones se tornarem nossos escravos de luxo no futuro? Usaremos uma justificativa alegando que eles são apenas objetos? Que eles não teriam alma? Não foi a mesma justificativa que a Igreja usou para os negros africanos na Idade Moderna? O que é diferente?

Também me surpreende a maneira extremamente natural como Mitchell trabalha personagens homossexuais. Frobischer é aquele típico "mulherengo", mas percebemos em suas cartas o quanto ele ama Sixsmith. Apesar de nunca termos no livro um diálogo entre ambos percebemos a afeição do protagonista pelo seu amado. Cheguei até mesmo a suspeitar da intensa amizade entre Adam e o doutor Goose. Em certos momentos, o autor deixa outra coisa implícita. E até mesmo a maneira como Frobischer acaba se relacionando com outra pessoa apenas para conseguir um dinheiro para mantê-lo em suas pesquisas sendo que à noite, ele se encontrava às escondidas com Jocasta. O autor trabalha também a violência sexual em alto mar. O jovem Rafael é violentado repetidamente por membros da tripulação do Prophetess que, sem uma distração a bordo, acabam se voltando para o jovem marujo que o único pecado era ter um rosto bonito. Por um lado, Mitchell apresenta uma bela relação entre dois homens que parecem se amar verdadeiramente, e do outro uma relação abusiva nutrida a partir de um vácuo sentimental ou apenas pela necessidade de ferir e agredir o próximo.

Outro tema interessante é o da memória. Na história de Timothy Cavendish temos um senhor de idade que busca ainda uma razão para continuar existindo em uma sociedade em que os mais velhos são apenas um fardo. Com toda a sua fala hiperbólica, Cavendish é apenas um senhor que ainda lúcido, apenas quer continuar a fazer o que ele sabe. Ele é colocado em um asilo e passa por todo um calvário lá dentro. Vemos como os mais velhos são entendidos dentro desse universo que são os abrigos para idosos. Existe toda uma série de rituais e situações demarcadas para estes senhores que, caso se revoltem, basta um remédio para deixá-los mais calmos. O leitor vai percebendo que eles são apenas indigentes e os abrigos são meros depósitos onde são guardados aquilo que não mais se deseja. Mas, será que paramos para pensar nos sentimentos dos que são deixados para trás. O tema da memória também está presente nas rogativas de Sonmi que são quase como evangelhos para as pessoas no futuro. Sonmi se tornou um ícone, alguém cujas palavras levam a iluminação e sanam as dúvidas em tempos de crise. O que ela deixou para trás como relato se torna imprescindível para a reconstrução da humanidade. Porém, seus relatos estão fragmentados então nem tudo consegue ser recuperado. E o mais curioso de tudo é que uma das coisas que mais deu alento a Sonmi durante sua estadia na Universidade foram os relatos de Cavendish. Segundo Sonmi, o dia em que ela estava em sue quarto olhando para o horizonte e assistindo à filmagem do calvário de Cavendish foi o momento mais feliz de sua vida. São pequenas coisas que acabam constituindo nossa memória de eventos passados.

O desenvolvimento tecnológico também é apresentado pelo autor. Na década de 70 a discussão sobre o bom uso da energia nuclear estava em voga. Porém, o que mais as pessoas viam era como usar a energia nuclear podia dar errado e causar males irreversíveis ao planeta. Assim foi com o desastre em Chernobyl uma década mais tarde. Mesmo com o máximo de cuidados possíveis, sabemos que o ser humano não é 100% preciso. E qualquer pequeno erro ao lidar com esse tipo de tecnologia é mortal. Na história de Luisa Rey vemos justamente como uma usina nuclear é construída mesmo com algumas checagens de segurança faltando. Um suborno aqui e outro ali fizeram com que alguns olhos fossem fechados. Quando Luisa precisa denunciar aquilo que estava descobrindo progressivamente, ela precisa lidar com o poder inescrupuloso de grandes corporações. Empresários que fazem tudo para enriquecer mesmo se eles estiverem colocando a vida de outros em risco. Mesmo se for necessário confundir um pouco as noções de moral. Se pararmos para pensar um pouco, não é o mesmo que usar clones como escravos de seres humanos? Quando nos referimos a tecnologia sempre imaginamos ela sendo utilizada por um fim humanitário. Mas, a maior parte das tecnologias é usada com fins bélicos. Em algum momento, alguma pessoa pensou em usar aquilo que parecia algo para favorecer a humanidade, como uma arma para alcançar a dominação.

Consigo pensar ainda em mais uns três ou quatro assuntos a mais tratados pelo autor. Mas acredito que a minha resenha já deva ter feito vocês se interessarem pelo livro. Eu esperava que o livro fosse algo muito bom, mas ele superou as minhas expectativas. Foi sim uma das minhas melhores leituras do ano, não apenas porque o autor deu uma aula de escrita criativa, mas porque ele mostrou para mim como trabalhar temas pesados de uma maneira natural. A maneira como as histórias se entrelaçam umas nas outras não está presente apenas nos Easter Eggs, nos objetos que passam de uma história para outra, mas nos temas abordados. A riqueza de Atlas de Nuvens está onde você menos imagina. E quando você reflete por 30 segundos sobre aquilo que você leu, você se dá conta do amplo espectro de tudo o que foi dito em pouquíssimas páginas.
Se eu recomendo? Hell... recomendo e muito. Só que, como disse acima: não é uma leitura que vá agradar a todos. É uma leitura reflexiva, acima de tudo.

site: www.ficcoeshumanas.com
Vanderley Batista 20/07/2017minha estante
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Paulo 21/07/2017minha estante
Não entendi o comentário.


Vanderley Batista 21/07/2017minha estante
Perdão. Foi meu corretor ortográfico. Nem vi que tinha comentado.


Paulo 21/07/2017minha estante
Tranquilo!! :)




@wesleisalgado 03/04/2021

Nossas vidas não são nossas.Estamos vinculados a outras, passadas e presentes.E de cada crime e cada ato generoso nosso nasce o nosso futuro.
Excelente, fantástico, extraordinário, deslumbrante. São os adjetivos que me veem a cabeça o quanto para pensar em Atlas de Nuvens. Lembro de assistir em 2013 no cinema um filme chamado A viagem (putz), e nunca ter dado a devida relevância para ele. E anos depois me deparei com o livro em uma livraria.
A história, dentro da história, dentro da história, dentro da história, o formato genial de boneca russa que o livro, vide ida e volta, já me deixou embasbacado. É um feito literário o que autor criou ali, tendo como gatilho que a vida é um espelho e reflete exatamente as suas próprias ações. Tendo em vista que eu acredito nisso realmente, foi difícil não me envolver emocionalmente com a odisseia ali proposta.
Quando terminei de ler, corri e assisti novamente em blu-ray CLOUD ATLAS e meu amigo, as obras se complementam, o filme chegando a ser deveras mais tocante do que o livro em alguns pontos, como os desfechos do núcleo do Forbisher e da Somni.
É como se a ciência se encontrasse com a espiritualidade, e não tem como não tocar o coração seja você cético ou credo. Entrou para o top 10 de livros da vida!
OBS [1]: Resenha nº 35 do desafio Skoob 2021.
OBS [2]: Lembro de ver esse livro na livraria por $80, não comprei na época. Não houve uma nova edição até hoje, e vendedores na internet (com lugar cativo no inferno já), cobram um rim por ele. Consegui comprar o meu, usado, por $120. Valeu cada centavo.
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Igor0 05/03/2024

"Atlas de Nuvens" é um daqueles livros que desafia as expectativas e fica gravado na memória do leitor.
Atlas de Nuvens é uma obra magistral que desafia as fronteiras da narrativa convencional e nos conduz por uma jornada épica através do tempo e do espaço. Com uma trama intricada e personagens cativantes, Mitchell tece seis histórias interligadas que abrangem desde o século XIX até um futuro distópico.

O livro começa com um jovem advogado em uma viagem de navio no século XIX, e a partir daí somos transportados para diferentes épocas e lugares, incluindo o Japão feudal, a Califórnia dos anos 1970 e uma sociedade pós-apocalíptica. Cada narrativa é habilmente entrelaçada com as outras, criando um mosaico complexo e envolvente que desafia o leitor a conectar os pontos e desvendar os mistérios que permeiam toda a obra.

O que torna "Atlas de Nuvens" verdadeiramente excepcional é a habilidade de Mitchell em criar personagens autênticos e emocionalmente complexos, cujas vidas e destinos se entrelaçam de maneiras surpreendentes. Da corajosa escrava Sonmi-451 ao músico talentoso Robert Frobisher, cada personagem é único e memorável, contribuindo para a riqueza e profundidade da narrativa.

Além disso, a prosa de Mitchell é simplesmente deslumbrante, repleta de imagens vívidas e metáforas poderosas que transportam o leitor para os cenários mais remotos e exóticos. Sua habilidade em alternar entre estilos e vozes narrativas é impressionante, criando uma experiência de leitura verdadeiramente imersiva.

"Atlas de Nuvens" é um daqueles livros que desafia as expectativas e fica gravado na memória do leitor muito tempo depois que as últimas páginas foram viradas. Uma obra-prima da literatura contemporânea que merece ser lida e apreciada por todos aqueles que buscam uma experiência de leitura verdadeiramente transformadora.
Igor0 12/03/2024minha estante
A adaptação cinematográfica deste livro também é muito interessante




Alguma Resenha 06/01/2021

O eterno combate entre a consciência e o lado primitivo do ser humano
A que lugar a ambição desmedida do ser humano levará o destino do planeta terra? Para responder tal questão, em seu terceiro romance, o autor britânico David Mitchell olhou para o passado para projetar o futuro. E pelo jeito que as coisas andam no presente, o futuro distópico imaginado em seu livro não vai ser algo difícil de se concretizar.

Atlas de Nuvens narra seis histórias que se passam em momentos distintos da história da humanidade. Quem acompanha um pouco cinema talvez se lembre do filme A viagem (título porcamente traduzido pela distribuidora no Brasil), uma adaptação cinematográfica desse romance. A seguir as seis sinopses. A seguir as seis sinopses.
Após realizar um trabalho na Austrália, o tabelião estadunidense Adam Ewing encontra algumas dificuldades no caminho de volta para casa no pacífico sul, entre elas: salvar a vida de um escravo e enfrentar uma doença misteriosa que o está matando aos poucos. A história se passa no meio do século XIX.

O jovem compositor Robert Frosbisher é deserdado por seu pai por causa de seu comportamento libertino. Para se reerguer ele se oferece para trabalhar como amanuense de um grande compositor decadente numa Europa desesperançada no período entre as duas grandes guerras.

Na década de 70, uma jornalista recebe uma informação de que a usina nuclear de Buenas Yerbas foi construída com múltiplas falhas e um possível acidente pode matar milhares de pessoas na costa oeste dos EUA. Enquanto busca as provas para a sua reportagem, Luisa Rey é perseguida por um assassino.

Quando um best seller lhe rende uma boa grana após anos de dificuldades financeiras, o editor Tymonth Cavendish é inesperadamente preso num asilo para idosos, onde planeja uma grande fuga.

Num futuro distópico tiranizado pelas grandes corporações, a clone rebelde Sonmi 451 dá entrevista a um arquivista em que relata o início do seu processo de rebeldia.
Nos destroços da civilização, várias tribos habitam uma ilha no meio do oceano pacífico. Para ajudar a Presciente Meronym em seus objetivos, Zachry enfrentará grandes perigos.

Assim temos uma completa mistura de gêneros: diário de vigem, romance epistolar, romance policial, memórias e ficção científica. Para juntar todas essas histórias diferentes entre si, Mitchell criou uma estrutura totalmente original que é um dos pontos altos do livro. Não direi mais nada para não prejudicar o prazer de quem ainda não leu e tem interesse em lê-lo, mas só mais uma coisa: as maneiras como as seis narrativas se conectam atesta a genialidade de David Mitchell.

Agora, voltando ao assunto abordado na introdução da resenha: aonde a ambição por poder levará a raça humana? Já que esse é um dos principais temas do livro. Ao visitar as ilhas do pacífico sul, Adam Ewing entra em contato com os povos nativos da região e testemunha as consequências implacáveis da colonização do lugar.

Então ele se pergunta: os brancos como ele são mais inteligentes, mais civilizados do que esses povos nativos? Na verdade, os colonizadores são tão selvagens quantos eles; com a diferença que a tecnologia mais avançada dos brancos causa maiores estragos no ambiente, além de facilitar a dominação de outros povos.
Seguindo esta linha, Mitchell argumenta que a diferença entre os civilizados e os selvagens é a consciência humana, isto é, a dominação que ela exerce sobre nossas vontades mais primitivas. Esses dois estados, no entanto, habitam todos nós e isso pode causar o colapso da civilização.

A inteligência humana é capaz de produzir grandes invenções tecnológicas, mas os seres humanos as utilizam como instrumento para aumentar seu poder e dominar outros homens. Num determinado ponto do futuro, essa fome desenfreada por poder em conjunto com armas cada vez mais destrutivas levarão, por fim, à destruição da humanidade.

Nas seis histórias presentes no livro, encontramos personagens enfrentando crises de consciência, uma vez que estão divididos entre sujeitar-se ao poder vigente ou sofrer as consequências de enfrentá-lo.

Apesar de soar bastante pessimista, Atlas de Nuvens deixa uma mensagem de esperança: nem sempre seremos vitoriosos em nossas lutas contra o poder vigente, mas como diz certo personagem – nossas almas atravessam o céu do tempo como as nuvens atravessam o céu, nossos atos, portanto, podem inspirar pessoas no futuro e manter a chama da resistência sempre viva.


site: algumaresenha.wordpress.com
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etsilvio 17/09/2019

Tudo o que eu esperava!
Tentei ler essa linda obra sem comparar ao filme (A Viagem) ao qual assisti e se tornou um dos melhores filmes da minha vida. Os personagens são cativantes, e apesar de aqui e ali as estórias ficarem um pouco arrastadas, havia passagens realmente inspiradoras e profundas.

Sentirei falta dos personagens por um bom tempo!
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Gabriele.Miyuki 09/07/2018

MELHOR LIVRO DA VIDA
Esperança, é principal mensagem do livro. Livro é dividido em seis histórias, tão diferentes entre si quanto na forma como são escritas. Abordando temas como relações homossexuais, racismo, consumismo, alienação. E no meio de tudo isso personagens incríveis, que mostram como vidas comuns podem se tornar extraordinárias quando nos opomos a tanta crueldade e temos verdadeiros atos de coragem e bondade, que podem ter desdrobrentos inimagináveis. " -toda sua vida não passou de uma gota d'Água num oceano infinito. -Porém o que é um oceano senão uma multidão de gotas d'Água ?".
Tão bom quanto o filme A viagem.
Se eu tivesse que escolher um livro para ser lido por todas as pessoas do mundo sem duvidas seria esse ??
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