Arsenio Meira 18/08/2013
SOBRE HEROIS, MUROS E DESESPERO
Sempre tive a convicção de que heroi é o sujeito que supera a si mesmo, que faz sua própria travessia.
É uma coisa além dos curriculuns, das medalhas, das taças, premiações. Cada um sabe os momentos na vida em que foi heroi de si.
Este é um livro que fala das nossas linhas de chegada emocionais, cheias de cãibras; daqueles instantes em que reinventar-se não é mais possível, sempre um muro que se ergue, silêncio e solidão. Sobre heróis e a impossibilidade de continuarem lutando uma luta que já não lhes faz sentido.
No Ocidente , o suicídio é visto como um assunto proibido. Pecado na religião católica, um ato capaz de despertar vergonhas, dores e incompreensão entre os que sofrem a perda.
Com olhar atento para comportamentos estranhos à sociedade, o espanhol Enrique Vila-Matas teve extrema sensibilidade para enxergar esse tabu através de uma perspectiva artística em "Suicídios exemplares", livro de contos escrito em 1991 e somente publicado no Brasil pela Cosac Naify no ano de 2009.
Nele, Vila-Matas demonstra certa inclinação pela narrativa fantasiosa, a metalinguagem e uma sutil tendência para catalogar comportamentos estranhos, misturando ficção com realidade.
Em "Suicídios exemplares", essa relação com o real ainda é discreta, aparecendo apenas com o trecho de uma carta do poeta português Mário de Sá Carneiro a Fernando Pessoa, que consiste no último conto "Mas não façamos literatura."
A ligação dos contos de "Suicídios exemplares" se dá apenas pelo tema da morte. Nas 10 histórias presentes na edição, Vila-Matas deixa de lado a culpa religiosa e o sensacionalismo que rondam o suicídio para abordá-lo sob a ótica das pessoas que resolveram deixar de viver antes da hora imposta pela natureza.
Uma escolha que dá ao escritor espanhol a possibilidade de criar personagens bastante humanos, cujos dramas pessoais revelam a delicadeza existente na angústia das despedidas. Apesar do tema sombrio, as histórias se mostram leves nas mãos de Vila-Matas, que as suaviza por meio do pitoresco e do humor irônico.
Nos contos "Em busca do parceiro eletrizante" e "Pedem que eu diga quem eu sou" , o autor explora o misticismo e os costumes bizarros de povos desconhecidos.
Mas o talento do espanhol aflora mesmo nos momentos mais delicados, quando o humor soaria como piada de mau gosto. Diante desse dilema, Vila-Matas mostra maturidade narrativa ao optar por uma linguagem mais elegante como ponte para dialogar com os sentimentos das personagens.
Um recurso que lapida as sensações da alma humana para traduzi-la em beleza, por meio da escolha das palavras. A sutileza do autor se evidencia, por exemplo, na abordagem que ele imprime ao texto, ao descrever a depressão da protagonista em "Rosa Schwazer volta à vida"; na dosagem equilibrada de ação com riqueza descritiva da perseguição de "A hora dos cansados" e na melancolia do narrador de "A noite da íris negra" (este, um dos contos mais pungentes e belos que li.)
Mesmo nesse último conto – que é ambientado no cemitério e fala sobre um grupo de amigos suicidas - a preocupação de Vila-Matas parece ir além da morte.
O suicídio é apenas um ponto de partida agregador das histórias, um fio condutor que se desenrola em nostalgia, amor e diversão. Uma situação limite usada para revelar a loucura humana, exposta por olhares diferenciados como o do pintor que protagoniza a estória de "Pedem que eu diga quem eu sou" (ele decide sumir após se deparar com os equívocos de sua obra) e do escritor de outro belo conto "A arte de desaparecer".
Em "A arte de desaparecer", o autor se desespera ante o dilema de publicar sua obra, e os muros que negam acesso à realização se erguem implacáveis.
Após a leitura de "Suicídios exemplares", o que fica não é a relação das personagens com a morte, mas em como o fim da existência é necessária para a vida.