fernandaugusta 02/12/2023A Tenda Vermelha - @sabe.aquele.livroJacó, após roubar o direito de primogenitura de seu irmão Esaú, foi mandado para longe pela mãe, Rebeca. Ao chegar próximo do acampamento de seu tio, Labão, conheceu e se apaixonou por sua filha, Raquel, que tirava água de um poço.
Abrigado pelo ambicioso tio, Jacó logo começou a trabalhar para cumprir o dote de noiva da bela Raquel. Labão tinha outras filhas. Sua primogênita foi Lia, que também se enamorou de Jacó. No dia do casamento de Jacó e Raquel, Lia tomou seu lugar durante as núpcias. A relação das irmãs azedou por causa da disputa por Jacó, e também porque Lia lhe deu muitos filhos, enquanto Raquel sofria por ser estéril. Neste meio tempo, Jacó tomou por esposas as duas criadas das irmãs, Zilpah e Bilah. As mulheres, em seus períodos menstruais, nos nascimentos e doenças se recolhiam na tenda vermelha, e ali vivenciavam momentos de alegria e perda juntas.
Quem conta a dinâmica entre as quatro esposas de Jacó, chamando-as de suas quatro mães é Dinah, única e última filha de Lia. Todos os outros filhos de Jacó foram homens e Dinah logo foi incluída na rotina feminina da tenda vermelha pelas mães, o que lhe conferiu uma observação única dos acontecimentos. As mudanças e o crescimento de Dinah a levam ao próprio casamento, que desencadeia fatos trágicos que mudam sua vida, fazendo-a migrar para o Egito e ser "esquecida" entre os seus, ao ser dada como morta.
Na Bíblia, o destino de Dinah é resumido em poucas linhas. Já neste livro, uma releitura primorosa da história de Jacó contada pelo ponto de vista feminino, vemos que o casamento de Dinah levou a derrocada da casa de Jacó. Mas principalmente, temos a humanização (como provavelmente eram) dos homens brutos e rudes do Antigo Testamento, e até a demonstração de sua ignorância frente à intrincada teia doméstica tecida pelas mulheres, que podiam parecer submissas, porém manipulavam regiamente o destino de suas tendas, filhos e filhas.
É muito bonito acompanhar o relacionamento das quatro esposas de Jacó, suas competições e suas tréguas. Mais uma vez temos personagens muito humanas e falhas, que nos permitem amar e odiar ao mesmo tempo Lia e Raquel, por exemplo. Vemos, com a passagem dos conhecimentos da parteira Inna para Raquel, e depois, para Dinah, o surgimento de uma linhagem de parteiras. Deuses e ídolos, ciclos da lua, presságios, sonhos, o ciclo da vida todo interligado à terra e sua posse.
Muito me agradou também saber que aqui não temos viés religioso principal. O Deus de Jacó tem um papel secundário na história, e suas mulheres ainda se apegam a ídolos domésticos - polarização que gera discórdia posterior. O foco vai se concentrando na história de Dinah, e, a partir de seu casamento e do massacre promovido por seus irmãos, temos um terço final do livro que se passa no Egito, com o fechamento do ciclo de Dinah culminando com o final de sua história e de todos seus célebres personagens, incluindo José, filho de Raquel.
O grande apelo de "A Tenda Vermelha" é a imersão cultural na ancestralidade feminina, com personagens arrebatadoras e narrativa que desmistifica os "grandes homens" da Bíblia, colocando-os, ao invés de heróis audaciosos, como criaturas muitas vezes covardes e omissas (Jacó), ambiciosos e violentos (Simão e Levi), vingativos (José), longe da perfeição piedosa dos escritos cristãos.
Um ponto de vista que prende, emociona e apaixona o leitor. Um romance épico que, desde 1997, vem encantando leitores e que agora me encantou também, tornando-se um favorito.