Rodrigo 06/01/2016Um mergulho na ÁfricaNuma pequena vila de Moçambique soldados de paz da ONU misteriosamente começam a "explodir", porém não no sentido literal. Um missionário italiano é enviado para investigar os acontecimentos e tenta entender aquela realidade tão diferente da sua. Uma estória muito interessante que desnuda um pouco dos países africanos numa era "pós-colônia", nos levando a uma crítica sobre a real dimensão de suas independências.
O estilo de Mia Couto é bem fluido, muito boa a leitura! A seguir algumas passagens que destaquei:
-A guerra ja chegou outra vez, mãe?
-A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda.
...esses chefes deveriam ser grandes como árvore que dá sombra. Mas têm mais raiz que folha. Tiram muito e dão pouco.
Regressei à minha velha casa, e ali, sob a sombra do tamarindo, me deixei afogar em lembranças. Olhei a imensa copa e pensei: nunca fomos donos do tamarindo. Era o inverso, a árvore é que tinha a casa. Se estendia, soberana, pelo pátio, levantando o chão de cimento. Eu olhava aquele pavimento, assim enrugado pelas raízes, se erguendo em placas, e me parecia um réptil mudando de pele.
Conhece a diferença entre o sábio branco e o sábio preto? A sabedoria do branco mede-se pela pressa com que responde. Entre nós o mais sábio é aquele que mais demora a responder. Alguns são tão sábios que nunca respondem.
Para si, meu filho, para si que estudou em escola, o chão é um papel, tudo se escreve nele. Para nós a terra é uma boca, a alma de um búzio. O tempo é o caracol que enrola essa concha. Encostamos o ouvido nesse búzio e ouvimos o princípio, quando tudo era antigamente.