Alessandro232 25/12/2023
Um livro com uma premissa muito interessante, mas com uma narrativa problemática
Minha referência de "Filhos da Esperança" é o filme adaptado do romance. Eu gostei muito da adaptação cinematográfica do livro, principalmente, sua ambientação de um futuro distópico,
Sei que a literatura e cinema são linguagem diferentes, mas neste caso, fiquei com a impressão que o filme é muito melhor que o livro que deu origem a ele.
O cineasta mexicano Alfonso Cuaron conseguiu uma proeza difícil de ser realizada: no filme, ele enfatizou os melhores elementos de "Filhos da Esperança" e descartou suas partes chatas que "travam" a narrativa e "pesam" em muitos trechos do romance.
"Filhos da Esperança" tem uma premissa muito interessante: sem uma explicação, as crianças param de nascer no planeta Terra, o que coloca em risco a continuidade da raça humana.
Logo no início do livro, a autora P. D. James explica com bastante detalhes dentro de uma perspectiva científica esse fenômeno e suas consequências, principalmente, a Inglaterra, local onde é ambienta a trama.
Isso cria um clima de tensão na narrativa. No entanto, logo em seguida, essa tensão é quebrada pela "voz" do protagonista, Theodore Faron que começa a relembrar suas memórias. James alterna os eventos descritos em terceira pessoa que estão relacionados aos Ômega, como são chamados aqueles que pertencem supostamente à ultima geração de seres humanos, com o relato em primeira pessoa em forma de diário de Theodore, um homem cheio de conflitos internos e uma personagem um tanto instável emocionalmente.
Sendo assim, o leitor parece estar lendo dois livros em um. De um lado, uma narrativa distópica com vários elementos que evocam outros livros - sua principal referência é "1984" de George Orwell. Do outro, a história de um homem amargurado, muito sofrido que por muitas vezes divaga sobre a importância do passado - ele é obcecado pela Inglaterra Vitoriana - dando a impressão que a autora quer fazer do relato melancólico do protagonista uma espécie de alegoria sobre a decadência da Inglaterra como uma nação que gradativamente foi perdendo sua importância dentro do cenário mundial.
Em meio a este constante "vai e vem" narrativa entre o passado e presente, aparece o misterioso grupo "Cinco Peixes". Neste trecho, o livro aborda temas bastante atuais e importantes, mas que infelizmente são colocada pela autora em segundo plano para dar lugar em muitos trechos aos comentários -ao meu ver desnecessários- do protagonista chato e egocêntrico.
"Filhos da Esperança "engrena" em sua parte final quando ele se aproxima mais do filme, até mesmo no aspecto simbólico. Um pouco mais da metade para o final, a morosidade da narrativa é substituída por um ritmo mais acelerado e até mesmo um pouco abrupto. O livro ganha contornos de thriller próximo ao desfecho- lembrando que James é famosa por suas narrativa policiais- e se conclui de forma satisfatória, mas sem muito impacto emocional.
Ou seja, "Filhos da Esperança" é um livro com altos e baixos. A autora em seu romance traz uma interessante reflexão sobre os rumos pessimistas da humanidade em futuro não muito distante, mas que não exclui totalmente a possibilidade de "luz no fim do túnel". Mas, por outro, no livro também encontramos a "voz" sempre pessimista e melancólica de um protagonista que é incapaz de despertar simpatia no leitor - será que James não percebeu isso?
Mas, não se pode negar, que "Filhos da Esperança" tenha uma visão de mundo instigante e perturbadora do futuro da humanidade. Na minha opinião, isso que está melhor representado em sua adaptação para o cinema.
Sobre a edição: A Editora Aleph fez um ótimo trabalho de publicação. O livro tem capa dura, folhas amarelas. A tradução de Aline Storto Pereira é muito boa. Com nas mais recentes publicações, o livro vem com QR Code que traz um conteúdo extra bem interessante, que amplia a compreensão da obra.