Isabel 07/03/2013Todas as grandes histórias que já li versam sobre um só tema: esperança.
Seja a falta ou o excesso dela, direta ou indiretamente. É o que mantém os personagens de pé, concretiza amores impossíveis e lhes dá coragem. É o motor da ficção, assim como é o motor da humanidae.
The children of men é, em parte, sobre a falta de esperança. Theo é um professor universitário de meia idade, divorciado, sem filhos e de poucos amigos. A sua apatia quanto a vida exala do seu diário, do qual acompanhamos algumas páginas durante a narrativa, com uma melancolia extrema que salta aos olhos.
Isso poderia ser uma história comum se, vinte e cinco anos antes do início da nossa história, um desastre bem peculiar não houvesse ocorrido: o término da fertilidade humana. Sem nenhuma razão aparente, mulheres pararam de conceber e o caos foi generalizado. Pensem comigo: o quão estranho é um playground sem a risada de crianças? Filhos sem irmãos, escolas sem alunos?
A Inglaterra se manteve de pé nas mãos de ferro de Xan, o Warden of England (algo como Sentinela), primo de Theo. Suas medidas poderiam ser polêmicas se a população não estivesse tão apática: uma ilha-colônia penal desgovernada, teste compulsório de sêmen e ovários, uso de imigrantes em regime de servidão e o Quietus, suicídio em publico e em massa de idosos teoricamente voluntários.
Mas não são todos que não ligam para o que o Warden faz: Theo um dia é abordado por Julian, uma ex-aluna (os cursos para adultos são a única razão para a existência de universidades) que pede que ele use sua suposta influência com o Warden para mudar algumas dessas coisas. Julian é emissária do Five Fishes, um minúsculo grupo de oposição sem organização, dinheiro ou até mesmo ideais em comum.
Rolf, marido de Julian, está nessa por poder e inveja – ele se considera melhor do que o Warden e quer ocupar seu lugar. Gascoine não tem razão aparente para estar lá, e Miriam, uma ex-parteira, quer fazer justiça a seu irmão, vítima física e psicológica das medidas polêmicas do Warden. Já Julian e Luke, um padre, são extremamente religiosos e não concordam com a “falta de amor” com a qual a Inglaterra está sendo gerida. Ou seja, uma mistura pouco fadada ao sucesso. Mesmo sem querer, Theo acaba se envolvendo com os Five Fishes – e quando um acontecimento que pode mudar o futuro de todos é posto em suas mãos, não há como recuar.
Não sei se tenho palavras para falar desse livro. Assisti a versão para o cinema e a achei ótima, e embora continue com essa convicção, não é lá uma boa adaptação. Compreendo porque: a primeira parte de The children of men é propositalmente lenta, para que o leitor sinta e compartilhe o singelo horror de não ouvir um choro de criança há vinte anos.
É comum que distopias (e alguns livros de fantasia também) escorreguem na hora de mostrar os aspectos do mundo onde se passam, mas The children of men passa longe disso: entrei no cotidiano de Theo em uma maneira tão despreocupada que, sem perceber, já estava por dentro das questões políticas e sociais da Inglaterra governada pelo Warden.
Xan é, aliás, um personagem maravilhosamente construído – assim como todos os outros. A narração se alterna entre um narrador em terceira pessoa e o diário de Theo, nos dando uma mistura bem feita de parcialidade completa e imparcialidade na medida do possível. Conhecemos bem até mesmo a ex-esposa de Theo, mesmo que sua aparição se limite a umas dez páginas, uma prova da maravilhosa capacidade narrativa de PD James.
Você já sentiu vontade de se atirar nos pés de um autor, agradecendo pelo milagre que é a sua obra? A vontade maravilhosa, altruísta e arrebatadora de dar um exemplar para todas as pessoas na terra? The children of men fez com que eu me sentisse assim – e bom, acho que isso é o suficiente.
Publicada originalmente em http://distopicamente.blogspot.com.br/