Os outros

Os outros (Org.) Luis Gusmán




Resenhas - OS OUTROS -Narrativa argentina contemporânea


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Rubens 13/02/2013

Toda literatura e todos os escritores têm uma dívida com aqueles que os precederam, e por vezes esta herança pode adquirir um peso que acaba inibindo as novas gerações, que se sentem aprisionadas ou inibidas diante de seus mestres. Em outras ocasiões esta herança pode ser um estímulo a novas ousadias e tentativas de superação daqueles mestres, levando à descoberta de novos caminhos. Para o público brasileiro a literatura argentina padece em certa medida daquele primeiro tipo de herança, mas desta vez por parte dos leitores, deslumbrados principalmente pela genialidade da obra de Jorge Luis Borges, traduzido e retraduzido em diversas edições, e talvez limitados ao conhecimento de alguns outros poucos autores, como Adolfo Bioy Casares, companheiro de Borges em algumas empreitadas literárias e autor da obra prima “A invenção de Morel”. Desta forma o gosto e as escolhas deste público acabam quase sempre ficando restrita ao já conhecido, olhando com desconfiança para os novos autores desconhecidos. Junte-se a isto a tendência lamentável do mercado editorial em privilegiar a publicação e divulgação de uma safra de literatura duvidosa e superficial, em todos os possíveis tons de cores imagináveis, e teremos um cenário difícil para o exercício de liberdade do leitor em arriscar-se diante de novos autores.
A coletânea “Os Outros – Narrativa argentina contemporânea”, organizada por Luis Gusmán, surge como uma oportunidade para superar este abismo e apresentar ao leitor brasileiro, em primeira mão, um conjunto de contos e fragmentos de romances escritos por uma nova geração de autores argentinos, nascidos entre o final dos anos 50 e meados dos anos 70, permitindo que se conheça um pouco dos caminhos trilhados pela literatura daquele país, que pode ser interpretada ou como seu diálogo com sua herança ou como um certo ajuste de contas diante do legado de seus totens. É certo que uma coletânea é sempre resultado de idiossincrasias do organizador, de certo grau de arbitrariedade e também é marcada pela desigualdade de estilos, abordagens e temáticas. Além disso, sempre há o fator do “acaso” presente nas diferentes sugestões e indicações recebidas pelo editor para a escolha do conjunto a ser publicado, como nos esclarece o organizador em seu prefácio.
Considerando todos estes fatores, a leitura de “Os Outros” desperta primeiramente uma sensação de estranhamento e de superação diante de certos estereótipos que o público brasileiro poderia ter acerca da realidade da literatura argentina e seus temas, de forma que este estranhamento se transforma gradativamente em um espanto diante daquilo que nos é familiar e próximo, permitindo identificar as mesmas angústias, sonhos, loucuras e vivências que compartilhamos.
Como em toda literatura, também nesta coletânea é possível encontrar trabalhos bastante desiguais, e ainda que este julgamento esteja ligado ao gosto e á preferência de cada leitor, a impressão geral é de um caleidoscópio em que algumas imagens são mais belas e mais elaboradas que outras. Voltando às preferências individuais, destaco, por exemplo, o impacto causado pelo conto “Tenha dó”, que reacende o contraste entre o familiar e o estranho ao rememorar o cotidiano de uma pequena praça de um bairro de subúrbio no qual reconhecemos facilmente os tipos que se encontram tanto nas memórias da infância quanto nos dias atuais, em praças análogas das grandes e pequenas cidades, em que o povo humilde concentra suas festas, passeios e compras. Também chama a atenção o desenlace inusitado de histórias como “Nos confins da cidade”, “O escolhido” ou “O emissário”, nos quais somos conduzidos ora pelos meandros da loucura presente nas mentes dos protagonistas, confundindo realidade e imaginação, ora pelos devaneios de uma história bem contada, que nos remete às improváveis possibilidades que podem residir na realidade.
É claro que cada leitor irá descobrir seus contos favoritos e pode inclusive inventar sua forma de leitura dos mesmos, em qualquer ordem desejada, criando assim um jogo de acaso e descoberta para além da linearidade tradicional da leitura. Enfim, aquele que se aventurar nesta coletânea terá ainda despertada a vontade de revisitar os clássicos autores portenhos, e nada melhor que a releitura de um clássico, como já afirmava Ítalo Calvino.
Patrícia 23/12/2013minha estante
Olá Rubens, sábias palavras. Quase sempre a literatura é trabalho de garimpo tanto para escritores como para leitores. Muito bacana essa recomendação!




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