Breve Romance de Sonho

Breve Romance de Sonho Arthur Schnitzler




Resenhas - Breve Romance de Sonho


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Jacque Spotto 23/02/2020

Onde a realidade e os sonhos se fundem...
Confesso que li o livro, porque descobri que Kubrick inspirou nele para dirigir o filme De olhos bem fechados, também confesso que não assisti ao filme, mas sabemos de sua importância com alguns prêmios na bagagem. Agora sim vou assistí-lo rsrsrs.

A história se passa em Viena, onde Fridolin, um jovem médico, burguês, casado com a bela Albertine, uma típica família rica e bem-sucedida, depois de uma festa a fantasia relatam alguns desejos ocultos um ao outro que teve por outras pessoas no passado. Logo em seguida Fridolin sai para atender uma emergência médica e daí em diante tudo passa a se tornar insólito, o ciúme do médico faz com que ele tenha pensamentos irracionais e lhe coloca em situações de risco e bizarras.

Não conhecia as obras do autor Arthur Schnitzler, sendo esse o primeiro livro que me aventuro desse escritor. E que livro bom! O ambiente às vezes onírico onde acontecimentos reais e de devaneios se misturam de forma que prende o leitor até a última página faz nos conectar com o personagem principal, lembrando muito em alguns momentos os contos de Edgar Allan Poe.

O livro é repleto de simbolismo, o que reflete muito bem a realidade do autor que também era médico psicanalista, contemporâneo de Freud.
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Karamaru 03/09/2019

ENTRE O SONHO E O DESEJO: O REAL
Esta novela do austríaco Arthur Schnitzler é uma pequena obra-prima universal. As temáticas do limiar entre sonho e realidade, do desejo reprimido e do ciúme nela se convergem para suscitar dúvidas sobre a estabilidade dos relacionamentos amorosos.

Como já dizia Pepetela, “há sempre lugar para o talvez”. E é num crescendo de dúvidas e incertezas que o enredo da novela se descortina. Já de início, após um estranho baile de máscaras no dia anterior, segredos de alcova são compartilhados com o leitor pelo casal protagonista.

Em “Breve romance de sonho”, Schnitzler não se preocupa em oferecer ao leitor respostas óbvias. Apesar de inúmeras pistas linguísticas e simbólicas ao longo da narrativa, nada é tão estático e conclusivo, e, por certo, aí residem em boa medida os trunfos e o encantamento da referida obra.

Paradoxalmente, é na atmosfera brumosa dos sonhos (devaneios, mentiras?...), tão bem talhada narrativamente, que o leitor poderá entrever os “verdadeiros” Albertine e Fridolin; ali, praticamente livres de suas amarras e entregues a desejos lascivos com condescendência e sem reservas.

É importante ressaltar a influência da psicanálise para a construção e as interpretações do texto – Freud e Schnitzler foram contemporâneos e guardavam uma admiração recíproca. Destaco ainda a linguagem do texto: comedida e clara. Decerto, uma das leituras mais instigantes do ano. Leia!

“Certamente, há também os sonhos que esquecemos por completo, dos quais nada permanece além de um estranho estado de espírito, um misterioso atordoamento. Ou lembramo-nos somente mais tarde, muito mais tarde, e então nem mais sabemos se vivemos de fato a situação ou se apenas a sonhamos. Só que... Só que...” (p. 87-88).
Yuri.Nogueira 05/09/2019minha estante
Excelente!!!


Karamaru 05/09/2019minha estante
Abraços, meu brother!!!




Augusto 06/07/2019

Albertine e Dr. Free
Com o Carnaval se encerrando, o casal decide ir a um baile de máscaras onde encontram dois dominós vermelhos. Assim se inicia um dos maiores e melhores textos da literatura austríaca. Os contratontos entre rotina e liberdade, vida e morte, abordados de diferentes perspectivas. Recomendadíssimo.
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Carol 09/01/2019

Sonho vs realidade
Volúpia, anseios, vingança, revelação, tentação, ilusão e realidade: essas palavras descrevem a trama e a narrativa do conto de Arthur Schnitzler, onde o personagem principal, Fridolin, vive uma vida transcendente entre o real e o irreal. Através da narrativa onisciente, o leitor consegue penetrar nos pensamentos mais profundo de Fridolin como, por exemplo, sua dúvida sobre a traição de sua esposa Albertine com um homem dinamarquês, visto em um hotel enquanto viajavam. Também presenciamos com os olhos de Fridolin um baile de máscaras lascivo e sombrio, como se tivesse saído das profundezas do inconsciente humano.
"Os olhos de Fridolin vagavam sedentos por aquelas figuras, das exuberantes às esbeltas, das tenras às de mais vistoso desabrochar; o que cada nudez permanecesse um segredo, os grandes olhos por trás das máscaras negras como enigmas insolúveis a fitá-lo, isso transformava o indivisível prazer do olhar num tormento insuportável do desejo." (pág. 50)
Enquanto isso, tentamos junto com o personagem a desvendar os mistérios envolvidos na trama e a descobrir, quem sabe, as verdades que se escondem dentro e fora da mente humana.
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Stella F.. 17/11/2018

Psicanalítico!
Adorei o livro! Com reduzido nº de páginas, mas cheio de nuances e possibilidades de reflexão.
O autor contrapõe sonhos e realidade, desejos e repressão, tabus e regras e a quebra de regras sociais.
E o mais interessante, assim como Freud, tem os sonhos como pano de fundo ao longo do livro. Freud hesitou encontrar o autor por “temor do sósia” (orelha do livro)
Um casal “normal” vai a um baile de máscaras e depois tudo muda. Começam a ser sinceros um com o outro, e falam de seus desejos e fantasias. No início pode ser um jogo de sedução, mas as consequências são desastrosas.
Começam as cobranças e os ciúmes, mas depois do relato questionam-se até o estar junto. “Afinal, por mais que pertencessem um ao outro no que sentiam e pensavam, sabiam que, não pela primeira vez, um hálito de aventura, liberdade e perigo os tocara na noite anterior... buscavam arrancar confissões um do outro...e uma desconfiança que, pouco a pouco, começava a fazer-se insuportável”.
Fridolin (o marido) começa a se lembrar de suas aventuras e de outras possíveis que não realizou. O episódio em casa o deixou cansado e insatisfeito fazendo-o vagar pela noite à procura de um sentido.
Entra em um bar e um conhecido fala de uma festa misteriosa em que toma parte, e Fridolin curioso resolve participar como intruso, o que sabe ser perigoso. Ao entrar na festa (“um tipo de seita”) percebe um ambiente pesado e ao mesmo tempo fica excitado e obcecado por uma das participantes (nua e com rosto coberto). Ela o adverte do perigo, mas por ela, Fridolin se acha capaz de enfrentar a todos. “,,,estava ao mesmo tempo sedento em razão dos acontecimentos daquela noite,,,sedento e embriagado de si próprio, de sua ousadia, da transformação que sentia no íntimo.”
Só ao sair expulso do local é que pensou em sua esposa Albertine, como se tivesse que conquistá-la novamente depois de todos esses acontecimentos, mas se surpreende quando ela relata a ele um sonho, com fantasias, máscaras, traição, como se fosse um relato de tudo que ele havia passado àquela noite! Passou a vê-la como “realmente era”.
Pensou em ter uma vida dupla, já que a sua parecia uma comédia de erros.
Resolveu sair em busca do mistério da noite anterior e descobre que uma mulher se “suicidou”. E acredita ser a mulher da seita que o salvou de ser morto. Mas como saber, se não havia visto seu rosto? Se dá conta então que “suas feições são imaginadas como as de Albertine”.
Resolve contar os acontecimentos da noite anterior à esposa mas ela já havia descoberto a máscara. E se perdoam, declarando que uma noite não é toda sua verdade mais íntima e nem sonho algum é totalmente sonho.
Realidade? Sonho? Fantasia? Desejo? Schnitzler nos mostra o inconsciente com maestria, dizendo que cada mulher são todas, não somos só um, temos várias facetas e que nada é só aquilo que se apresenta como “realidade”. Bastante psicanalítico!
Vou rever o filme “De Olhos bem Fechados” que não lembrava que era uma adaptação desse livro.
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Leila de Carvalho e Gonçalves 17/07/2018

Schnitzler E Kubrick
Jamais havia ouvido falar em Arthur Schnitzler (1862-1931) até ler uma reportagem sobre Stanley Kubrick. O último filme do cineasta, "De Olhos Bem Fechados", foi inspirado numa novela do escritor, "Traumnovelle" ou "Breve Romance de Sonho" como foi intitulada no Brasil.

Encontrei o texto disponível na Amazon e imediatamente, iniciei a leitura. Com sessenta e tantas páginas, seu clima de mistério e tensão me envolveu do início ao final, mesmo já tendo uma noção da história.

Um ponto curioso é que Schnitzler foi um conceituado médico, contemporâneo de Freud, cuja carreira também foi dedicada a psicanálise. Portanto, não é fruto do acaso a influência de suas pesquisas na narrativa.

Seu protagonista é um jovem médico que decide viver uma aventura sexual após sua esposa admitir que já sentiu desejos por outro homem. Ao longo de uma noite, ele vagueia pelas ruas de Viena, frequentando cafés baratos e se envolvendo com prostitutas até um amigo atraí-lo para uma orgia organizada por um culto secreto, colocando em risco sua segurança.

Para o autor, todas as pessoas escondem paixões ou desejos proibidos sob uma máscara de normalidade. A questão é que ao transpor o limite da fantasia, deve-se aceitar suas consequências imprevisíveis. Com uma versão glamourizada, o filme elitiza essa ideia, ao contrário do livro cujas personagens centrais são um prosaico casal de classe média.
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marcelo.batista.1428 13/07/2018

O tema é interessante, essa mistura entre sonho e realidade, o quão revelador de nossos sentimentos pode ser um sonho. Com certeza não é mero acaso que o autor seja contemporâneo e do mesmo país do fundador da psicanálise. Mas a narrativa, que a maior parte do tempo tem um tom de suspense, não me prendeu de forma alguma.
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Julio.Argibay 24/02/2018

De olhos bem fechados
Me parece ser a estória original ou inspiradora desses filmes em que um homem acaba participando de uma encenação (ou não) de um culto ou reunião onde se identifica um carácter sexual, até mesmo teatral. Como no filme: De olhos bem fechados.
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r.morel 01/01/2018

Resenha Telegráfica
“De Olhos Bem Fechados” (1999), filme de Stanley Kubrick, baseou-se na novela do escritor austríaco Arthur Schnitzler para compor o seu enredo cinematográfico. Daí a leitura já se torna útil para as devidas comparações ocorrerem. Enquanto no filme as cenas íntimas do então casal Tom Cruise e Nicole Kidman atraíram toda a atenção da crítica e principalmente do público (voyeur por excelência; no quesito celebridade cem vezes mais), o livro é a verdadeira viagem por recantos sombrios expressionistas de sexo e morte.

“Diante do portão, Fridolin ergueu os olhos rumo à janela que, pouco antes, ele mesmo abrira; suas folhas tremulavam levemente ao vento de quase-primavera. As pessoas que havia deixado lá em cima, tanto as vivas como o morto, pareciam-lhe da mesma maneira fantasmagóricas e irreais.”

site: popcultpulp.com
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Ingrid 19/02/2016

Breve Romance de Sonho
Arthur Schnitzler era austríaco e morou em Viena , cursou medicina, se especializando em psicanálise, trabalhou durante um tempo usando a hipnose e era pesquisador em uma revista clínica. Começou a se dedicar cade vez menos a medicina, pela sua intensa atividade como escritor. Seus livros usam conceitos da psicanálise, seus personagens são profundos, seu texto é recheado de fluxo de consciência e signos. Era considero o " duplo" de Sigmund Freud, o mesmo disse certa vez que evitava conhecer Arthur,pois:" Sempre que me deixo absorver profundamente por suas belas criações,parece-me encontrar, sob a superfície poética, as mesmas suposições antecipadas, os interesses e conclusões que reconheço como meus próprios.Ficou-me a impressão de que o senhor sabe por intuição _ realmente, a partir de uma fina auto-observação _ tudo que tenho descoberto em outras pessoas por meio de laborioso trabalho." ( Freud,1922).



Breve romance de sonho, conta a vida de um casal aparentemente feliz, até que após uma conversa reveladora de ambos, marido e mulher,encontram-se em crise ,não declarada. A revelação é que em diversas vezes,especialmente numa viagem, ambos flertaram com outras pessoas e estavam dispostos a trair, se o terceiro indivíduo tivesse também tomado iniciativa para tal. (Fridolin é médico , atencioso e dedicado no trabalho, casado com Albertine, dona de casa).

Em uma dessas ocasiões Albertine conta ao marido um sonho que teve com um homem, o mesmo que flertara na viagem. Fridolin fica com ciumes e jura a si mesmo levar até o fim a próxima paquera. Na mesma noite consegue ir de penetra em um baile de máscaras.Chegando no recinto percebe um certo ritual de dança e padrão de fantasias,até que ao som de um piano aparecem moças nuas bailando com os cavalheiros. No baile, uma dessas senhoritas percebe que ele não faz parte do grupo e pede para que se retire, antes que sofra sanções. Friodolin decide ficar e esperar que o destino transcorra livremente, até que é descoberto. ( Aqui entra aquela velha fala de todas as resenhas," Tem que ler!" para descobrir essa e outras peripécias do personagem.).

Nessa novela, o principal não são os acontecimentos, mas o conflito interno do protagonista com os desejos que lhe surgem e os valores aceitos em sociedade e nas relações interpessoais.
O livro não é sobre a traição, é sobre a alma do personagem que sente muita excitação por outras mulheres, mas que no fundo sempre acaba encontrando no rosto delas, Albertine, por quem julgava sentir mais raiva do que amor.

A narrativa é fácil e complexa, simples e rica, porém para captar as raízes profundas do significado da história é necessária outras leituras.

Quando li, acreditei que o médico era doido, ou estava ficando. Você não sabe se tudo o que ele vive é delírio ou realidade. Sem contar que o final é incrível, justamente por ser ordinário.
E Albertine, parece que sente mais ciumes que o marido, e você fica se questionando se de fato ela viveu essas aventuras ou era tudo mentira.Sem contar que o título é sugestivo.

Eu gostei demais desse livro, a maneira como Arthur escreve é deliciosa.A profundidade da obra é instigante, porque não é fácil alçar o fundo.


site: http://aportadomar.blogspot.com.br/
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Marc 29/08/2015

Schnitzler ganhou notoriedade no Brasil só depois que seu livro foi adaptado por Stanley Kubrick em “De olhos bem fechados”. Antes disso, que eu saiba, apenas algumas poucas edições que não chegaram a entusiasmar os editores. Era vienense, médico de formação e profundo conhecedor de psiquiatria, mas se destacou mesmo como escritor. Foi contemporâneo de Freud e muito já se falou sobre a relação entre os dois, sobre suas coincidências e discordâncias.

Freud tinha uma maneira bastante peculiar de conviver com influências, afirmando que pretendia manter-se isento, mas sendo capaz de citar longos trechos desses autores apenas de memória. Desconfio que aqui também fosse o caso, e que a negativa escondia na verdade uma profunda admiração.

Para Schnitzler havia um estágio em que mesmo acordados não somos capazes de raciocinar perfeitamente. Geralmente tomados pelo desejo, embora outras emoções possam influenciar também, parecemos ver tudo com clareza e raciocinar perfeitamente, mas simplesmente não conseguimos entender o que está se passando. É como se agíssemos de acordo com nossa visão das coisas (como sempre, claro), mas essa visão estivesse embaçada. Não podemos dizer se tratar de uma embriaguez, porque temos total domínio do corpo; parece que é a cabeça, ao contrário, que foge e não quer se deixar controlar. Esse livro é um pequeno estudo sobre esse estágio. Uma noite em que o protagonista não apenas se deixa levar por seu impulso inconsequente de ter relações sexuais com mulheres desconhecidas ou pelas quais não tenha afeto, como não percebe as fronteiras que vai rompendo nessas tentativas. O fato é que a divergência de Schnitzler com Freud em relação ao tema do inconsciente gerou uma riquíssima literatura, porque esse mundo nublado aparece em quase todos os seus livros, fazendo com que seus personagens sofram com a incompreensão dos eventos de que participam e só posteriormente possam avaliar com clareza o que se passou.

E o próprio fato que desencadeia as aventuras de Fridolin está dentro desse território nebuloso: a troca de confidências sexuais durante a intimidade do casal. A confidência de Albertine sobre o impulso de abandonar tudo certa tarde para seguir um oficial durante a estadia do casal em uma estação da costa dinamarquesa, simplesmente tira o chão de Fridolin. Tomado pelos ciúmes, mas principalmente por essa dúvida, do amor que sentia e acredita agora nunca ter sido correspondido, Fridolin vai atender um paciente próximo a sua casa e inicia uma jornada noite adentro. Já está posta, portanto, desde o primeiro instante a questão do desejo e sua relação com a morte (que não precisar ser necessariamente a morte do indivíduo, mas do desejo, porque este, mais do que tudo, teme a sua não realização). O desejo para que seja satisfeito, não pode ter freios, limites ou regras, mas também precisa da entrega do sujeito, ao menos momentaneamente. Essa entrega precisa ser mútua, sob pena de o relacionamento minguar e é essa pena que subitamente Fridolin sente. Seu desejo é cortado porque ele pensa que não há correspondência, que sua mulher o enganava, deitando com ele enquanto desejava outro. E a jornada, noite adentro de Fridolin estampa esse temor. Afinal ele não sabe mais se pode continuar a desejar uma mulher que pode não corresponder.

Falando em termos mais próximos da psicanálise, Fridolin percebe que seu objeto de desejo (sua mulher) também é um sujeito e se abala profundamente com essa descoberta. Daí, sem forçar muito a interpretação, podermos dizer que existe uma incipiente afirmação do feminino, que não quer mais se sujeitar a mero recipiente das fantasias masculinas, mas quer mostrar que também pode ser portador, ter um papel afirmativo. E isso faz com que essa obra seja de uma riqueza impressionante, a meu ver. Enfim, é o desejo de Fridolin que tenta resgatar sua posição, abalada pela afirmação do objeto e parte numa busca desesperada por esse lugar confortável, porque teme que o outro o suplante, que não saiba lidar com essa descoberta.

Portanto, não se trata de devassidão. Aliás, ao contrário, porque ao descobrir que a posição do outro (sua esposa) era a mesma que a dele (ao menos aos olhos da mulher), como continuar? O objeto está partido, o desejo começa a morrer. Fridolin só sabe investir em um objeto passivo, não é capaz de compreender que o outro sujeito pode ser naquele momento um objeto para ele, assim como ele para sua mulher e depois tudo seguir seu caminho normalmente. Mas nada será como antes amanhã...

Esse temor pode ser melhor expresso pela seguinte afirmação: o desejo procura consumir seu objeto. Ora, se Fridolin se reconhecia com prazer uma figura afirmativa, um homem que deseja e decide a posição que a mulher vai ocupar em sua vida ordenada, basta ela lhe mostrar que não é assim, que ela também deseja, para ele sentir vertigem. Sua busca por essa posição dominante, no entanto, é imediatista, não passa de mero impulso. Não há tempo para “maturar” um objeto e consumi-lo pouco a pouco. Tudo acontece rápido demais: ele se surpreende com a confissão de Marianne, que diz ama-lo, esbarra com um estudante na rua (fato banal, mas repleto de significado em sua mente perturbada), logo está na cama com uma prostituta (e não consegue efetivamente nada, porque na verdade não a deseja), depois presencia uma comédia ousada quando vai alugar uma fantasia para a festa e, por fim, na própria festa, não sabe como se comportar. Aqui acontecem os momentos mais absurdos de toda a noite. As pessoas fantasiadas enquanto as mulheres nuas pareciam ser entregues em sacrifício e a insistência de uma delas para que fosse embora porque sua vida corria risco. Tudo poderia ser apenas uma farsa, mas como saber? Todos esses eventos passam rápido demais, a ponto de não ser possível refletir sobre nenhum deles. A noite encerra, inevitavelmente, frustrações seguidas. E não deixo de pensar que Fridolin chega a essa conclusão, mas a evita, sob pena de ter que encarar novamente seu papel de macho dominante em crise.

Essa é mesmo uma noite memorável, que vai mudar para sempre sua visão da vida. O livro termina com uma imensa interrogação, uma dúvida sobre a real natureza do evento secreto de que participou. Mas independentemente disso, Fridolin percebe que existe toda uma outra existência que ele até então não suspeitava. Quem serão aquelas pessoas? As fantasias serviam para esconder sua identidade ou apenas para apimentar a noite? Nesse caso, era uma sociedade secreta de fetichistas, pessoas com poder e dinheiro suficientes para viver suas fantasias, mesmo as mais caprichosas? Se assim o for, sobra ressentimento por não poder usufruir a vida da mesma maneira que todos aqueles cavalheiros...

Mas não é só isso. No dia seguinte visita os mesmos lugares numa clara tentativa de ordenar o que se passou. Inutilmente, é preciso dizer. E quando está começando a aceitar que as pessoas não são nada do que ele pensava, se depara com novos comportamentos. É como se descobrisse que na vida privada, aquela que ele não tinha acesso e nem suspeitava existir, tudo fosse permitido; enquanto na vida social, apesar da contradição inequívoca entre um papel e outro, tudo pudesse seguir normalmente. Gosto de pensar isso, porque sub-repticiamente a novela introduz um tema muito importante: serão os vícios privados, virtudes públicas? É possível que um não resvale sobre o outro?

E embora esse tema pareça não ter relação com o outro, na verdade podemos voltar o olhar para a figura de Fridolin e compreender melhor o que Schnitzler está dizendo. O protagonista se vê como uma figura unidimensional. O que é na vida pública, o médico responsável, pai de família, esposo amoroso, é como se vê na vida privada e ponto final. Não existe, para ele, outro papel, um espaço para outro papel. Jamais poderia imaginar que seu desejo pudesse ser ferido, retirado de suas bases e sua figura impositiva questionada. Ele enxerga a sociedade como uma reprodução perfeita do íntimo das pessoas, não é sem importância o fato de passar a odiar sua mulher depois que ela lhe mostra, sem floreios, que as aparências guardam muito mais do que se suspeita à princípio. Fica atônito com essa descoberta e começa a acreditar que todas as mulheres não passam de umas fingidas, mentirosas. Mas essa maneira de pensar acaba se estendendo a todos e Fridolin pensa que no fundo é a perversidade que dirige o comportamento humano; a mera vontade de enganar, e se é assim, ele também vai fazê-lo.

Importante notar que não é mais a necessidade de se impor novamente como dominante que vai gerir seu comportamento. Depois que se convence da perversidade alheia, é apenas o ressentimento que o move. Como se, depois de ferido, precisasse de uma restituição de alguma maneira. O incidente com os estudantes expressa isso perfeitamente: um simples encontrão e a zombaria de alguns deles, ainda martelava no dia seguinte em sua cabeça, a ponto de imaginar que deveria ter pedido satisfação e desafiado o estudante para um duelo. De preferência de pistola. Enfim, há um grande vazio, uma ofensa gravíssima, mas Fridolin não sabe precisar onde está e seu ressentimento vai espalhando para todos.

Tenho sérias ressalvas a essa maneira de entender todos os livros como uma espécie de autoajuda, como se fossem escritos com o único propósito de fazer o leitor refletir sobre sua vida e modificá-la. Mas a verdade é que Schnitzler acaba nos mostrando um painel das mudanças nas relações entre os sexos e na sociedade de modo geral. Suas personagens femininas são fortes, decididas e inteligentes. Os homens, ao contrário, tentam se manter através da autoridade da tradição, mas sempre se enganam. Até mesmo aqui, onde Albertine, a mulher de Fridolin, quase não aparece, é uma personagem que está segura e confiante. Eu não ousaria afirmar que Schnitzler era um feminista, mas que estava atento às mudanças da sociedade e que as reproduzia em seus livros.

A cena final, onde Albertine atenua os efeitos da aventura de Fridolin, mostra perfeitamente o quanto esse homem se desgastou. Enquanto a mulher pode agora desejar, ser ativa e inteligente também, além de manter seu carinho (o que era sua única característica na visão de Fridolin). O homem está inseguro, frágil, curvado, chora arrependido e deseja apenas o conforto dos braços da mulher para livra-lo de tudo que passou e restituir seu lugar de afeto.


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@fabio_entre.livros 11/01/2015

As neuroses do sexo
Começando como uma brincadeira sobre intimidade de casal, certa noite o médico Fridolin e Albertine trocam confidências sobre suas fantasias sexuais envolvendo terceiros. A confissão de Albertine, entretanto, mais tórrida e realista, desperta em Fridolin certo desespero e insegurança em relação à esposa e, a partir de então, ele se lança numa mórbida jornada sexual, onde o erotismo disputa espaço com uma complexa, mas sucinta análise psicológica dos personagens envolvidos.
Depois de saber da “traição” – apenas fantasiosa – da esposa, ao afirmar ter desejado outro homem há muito tempo, Fridolin, cego de ciúmes, é chamado às pressas para atender um paciente no meio da noite e sai pelas ruas de Viena perturbado, tendo um encontro constrangedor com a filha do tal paciente (falecido antes que ele chegasse lá), uma mulher que alimenta fantasias com ele. Retornando à sua casa, ele encontra uma prostituta. Em ambos os casos, a perturbação em que se encontra o impede de trair Albertine, embora as circunstâncias o favorecessem. Continuando sua andança, reencontra um amigo que acaba revelando-lhe detalhes sobre seu novo trabalho, que consiste em tocar piano em certas reuniões secretas, nas quais os participantes usam máscaras e promovem orgias ritualísticas. Interessado, Fridolin manifesta vontade de ir a uma dessas reuniões, embora seu amigo demonstre contrariedade. Enfim, arranjando um meio de entrar como penetra em uma dessas reuniões, Fridolin defronta-se com algo diferente de qualquer coisa que pudesse ter imaginado. A partir de então, sonho, realidade, luxúria e culpas misturam-se numa torrente de emoções e sentimentos confusos para o protagonista.
Como transparece no título da obra (no original, “Traumnovelle”), do austríaco Arthur Schnitzler, “Breve romance de sonho” é uma obra curta, onírica, sobre o amor em sua faceta mais perturbadora, surreal. Unindo elementos eróticos a uma abordagem sombria das ânsias dos personagens nessa busca por satisfação pessoal, carnal, Schnitzler constrói uma novela densa, em que, os segredos, as vergonhas e as frustrações dos protagonistas a respeito de si mesmos e de seus parceiros criam uma tensão simultânea, mas sutil. A escrita do autor permeia a obra de um suspense que beira o terror psicológico enquanto o leitor é arrastado para um mundo instintivo onde sexo e medo estão entrelaçados de modo impressionante.
Provavelmente, como o leitor terá notado, a história soa familiar; de fato, o livro de Schnitzler deu origem ao famoso – e último – filme de Stanley Kubrick, “Eyes wide shut” (“De olhos bem fechados”), com Tom Cruise e Nicole Kidman. Com algumas modificações no roteiro, como a mudança na ambientação e no nome dos personagens, o filme de Kubrick capta muito bem a essência da excelente obra em que se inspira.


site: http://metamorfosedaleitura.blogspot.com.br/2015/01/sobre-o-livro-breve-romance-de-sonho.html
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Dose Literária 30/10/2013

Desejos, sonhos, máscaras, amor... Breve Romance de Sonho
Breve Romance de Sonho é um livro do escritor austríaco Arthur Schnitzler que conheci enquanto fazia a leitura do Guia de leitura – 100 Autores que você precisa ler. Enquanto lia esse breve guia, grifei vários autores que queria conhecer e foi assim que a crítica sobre a obra do Schnintzler me chamou a atenção, porque o crítico que falou sobre ele citou que o último filme do diretor Stanley Kubrick de Olhos Bem Fechados (por sinal um dos filmes da minha lista de favoritos) foi baseado nesse livro dele. A partir desse momento eu soube que tinha que lê-lo e foi o que fiz.
A história é narrada em terceira pessoa e é sobre acontecimentos que se passam em alguns dias na vida de um médico, o Dr. Fridolin. Depois de um certo baile que o médico vai com sua esposa os dois no dia seguinte ao conversarem, começam a fazer revelações um para o outro de desejos e situações que antes nunca haviam contado um ao outro de seus passados. Nessa ocasião, Albertine, a esposa de Fridolin confessa a ele que em uma viagem que fizeram há muito tempo ela conheceu de vista um homem que mexeu tanto com ela que por pouco, ela não abandonou tudo apenas para ter uma aventura com ele. Logo após essa revelação, ele é chamado na casa de um paciente moribundo e sai ainda atordoado para atendê-lo. Diante dessa confissão o médico que antes tinha plena confiança na mulher passa por uma profusão de sentimentos relacionados a ela. Passa a noite fora, vive situações inusitadas e conhece pessoas estranhas...
continue lendo em http://www.doseliteraria.com.br/2013/10/desejos-sonhos-mascaras-amorbreve.html
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