Tatiane Buendía Mantovani 23/05/2014
Este livro é continuação de O Iluminado, que o autor lançou em 1977.
Em O Iluminado, um alcoólatra em recuperação é contratado para ser zelador do Overlook, um hotel famoso que é fechado no período de inverno, quando fica isolado do mundo por conta da neve. Temos então três pessoas – Jack Torrance, o escritor alcoólatra, sua esposa Wendy, e seu filho Danny, um garoto de seis anos de idade que tem um dom (a luz interior a qual se refere o título do livro) – basicamente o garotinho vê gente morta. O tempo todo... e cara, o Overlook Hotel tem um bocado de gente morta entre suas paredes. Embora seja um livro de terror estilo “fantasmas e assombrações”, em minha opinião, o grande ponto de O Iluminado é o modo como a atmosfera do Hotel influencia a personalidade (já enfraquecida pela abstinência de álcool) de Jack Torrance, tornando-o um monstro contra sua própria família.
35 anos depois, o autor lança uma continuação... Em Dr. Sleep, Danny Torrance, o garotinho do livro anterior cresceu. E vemos que cresceu, infelizmente, com muito do pai: Danny também se torna um alcoólatra. Ainda possui o dom da luz interior que tinha quando criança – e que tanto lhe rendeu terrores naquela malfadada temporada no Overlook e descobre ainda na adolescência, que o álcool consegue abrandá-lo a um ponto de entorpecimento. Passa a levar uma vida desregrada e extremamente solitária, até que um acontecimento – o que ele chama de fundo do poço – o faz querer mudar, deixar de beber. Então acompanhamos a sua luta contra o vício, com reuniões do AA, enraizamento em uma nova cidade, onde se abre para uma amizade, a realização de um trabalho braçal e simples e a importância da disciplina e da força de vontade como força motriz da vida.
Trabalhando como técnico de enfermagem em uma casa de repouso, ele descobre que, talvez por conta de seu “dom”, tem outra habilidade: a de ajudar os moribundos a partirem para o além, facilitando a travessia, a passagem da vida para a morte. Daí o Dr. Sleep do título. (sleep = sono = sono +/- como morte). Nesta casa de repouso, ele conhece Azreel, o gato, que também tem a estranha habilidade de prever quem está para morrer. Quando o gato para ao lado da cama de algum velhinho, até a outra manhã ele não chega vivo.
Para mim, Danny Torrance merecia um futuro melhor. Com sua solidão, seu eterno sentimento de culpa e tantos fantasmas pendurados em seu pescoço, o homem sofre muito livro afora.
Paralelamente à estória do Danny-adulto, conhecemos Abra Stone, uma garotinha que nasce com o mesmo dom que o Danny-garoto tinha, só que multiplicado por zilhões. Nas palavras do autor: se “Danny Torrance era uma lanterna, Abra Stone era um farol”. Além disto, conhecemos um clã de vilões deliciosamente malignos: O Verdadeiro Nó, um grupo de vampiros de almas que atravessa os EUA disfarçados de viajantes normais com seus trailers, vans e motorhomes, em busca de crianças iluminadas. É a luz destas crianças que os alimenta, que os une, que os mantém vivos. Abra Stone, com seu poder “farolzístico” logo se torna um alvo. E de alguma forma, o caminho de Danny se cruza com o dela, e ele resolve ajudá-la. Tanto a entender e domar seu poder, quanto a derrotar o mal encarnado que o Verdadeiro Nó é.
Embora seja uma continuação, Dr. Sleep é muito mais abrangente, com muito mais elementos, personagens e ambientação que O Iluminado. Por outro lado, não tem o tom claustrofóbico e intimista que o confinamento transmitia no primeiro. Talvez isto frustre alguns dos fãs mais ferrenhos. Existem elos suficientes entre as estórias para justificar o rótulo de continuação, só que... embora Danny seja o Danny que o Overlook queria devorar a qualquer custo, a estrela desta estória são Abra Stone e Rosie, the Hat (a vilã).
Como eu tenho um carinho muito grande pelas personagens do primeiro livro, a sensação que me ficou foi de reencontrar um parente querido que acabou dando certo na vida, mas depois de sofrer muito, muito, muito.
É meio agridoce.
Para fãs.