MiCandeloro 13/07/2013
Fascinante
Em Os Óculos de Heidegger, de Thaisa Frank, conhecemos uma realidade acerca da Segunda Guerra Mundial pouco comentada: a Operação Postal. O objetivo dessa operação era responder as cartas escritas pelas pessoas que morreram nos campos de concentração.
É de conhecimento de muitos que Hitler era uma pessoa supersticiosa. Se consultava com astrólogo, participava da sociedade secreta de ocultismo e ditava o rumo da guerra conforme instruções recebidas do mundo sobrenatural. Por causa disso esse projeto foi criado, pois Hanussen acreditava que essas cartas escritas pelos prisioneiros mortos deveriam ser respondidas, caso contrário, os mesmos atormentariam os médiuns em busca de respostas colocando em risco a Solução Final.
"(...) a correspondência com os mortos não fora uma ideia da Sociedade Thule, mas de um vidente. Tratava-se do extraordinário Erik Hanussen, que também era telepata e hipnotizador. Ele havia previsto a ascenção de Hitler ao poder e o ensinou a conquistar as multidões com um simples gesto de mão."
Goebbels, que desprezava tudo o que fosse sobrenatural, decidiu que tais cartas deveriam ser respondidas apenas com a finalidade de manter um registro sobre a guerra e, para que parecessem autênticas, ele decidiu que elas deveriam ser respondidas em suas línguas originais. Dessa forma, a SS procurou entre os deportados, os mais fluentes e cultos para se tornarem escribas. Elie Schaten por pouco não foi enviada para os campos de concentração de Auschwitz, tudo porque ela era capaz de se comunicar em diversas línguas. Dessa mesma forma outros tantos judeus se salvaram e foram enviados para o Complexo dos Escribas para cumprirem essa importante missão.
"Toda carta não respondida (...) era como um tijolo numa construção sem argamassa. Elas deixavam suturas perigosas e criavam lacunas arriscadas na história. (...) Portanto, se o Reich almejava o poder absoluto, deveria responder a todas as cartas possíveis, a fim de preencher aquelas lacunas. Assim a Alemanha vedaria o mundo e conquistaria o domínio global."
O Complexo dos Escribas foi criado no interior de uma mina de carvão abandonada para não levantar suspeitas e era comandado por Gerhardt Lodenstein, alistado compulsoriamente ao SS e feito Chefe do Complexo por Goebbels. A vida dos escribas era muito difícil dentro do complexo. Viviam embaixo da terra sem ver a luz do dia, confinados, com poucos alimentos e agasalhos e com a incerteza de até quando seriam úteis para o Reich e, por conseguinte, seriam mantidos vivos. Elie era a única ponte deles com a realidade, pois era ela quem constantemente trazia novas cartas para serem respondidas, bem como mantimentos para todos sobreviverem.
A vida seguia num ritmo de certa "normalidade" até que uma carta em específico mudou a rotina de todos dentro do Complexo. Numa das idas até o posto avançado, o oficial encarregado entregou a Elie uma carta escrita pelo filósofo Martin Heidegger endereçada ao seu oculista, Asher Englehardt, judeu e prisioneiro de Auschwitz. Goebbels determinou que tal carta fosse respondida por um dos escribas do Complexo da mesma forma que seria por Asher caso ele a escrevesse, e que deveria ser entregue a Heidegger juntamente com os óculos que ele havia encomendado. Caso essa ordem não fosse cumprida, toda a operação poderia ser revelada, assim como a existência dos campos de concentração e das câmaras de gás, e como punição, todos os escribas seriam fuzilados.
"(...) se Heidegger e o judeu ensinavam filosofia, então eles se correspondiam por cartas incompreensíveis. E se escreviam cartas incompreensíveis, ora, segundo a regra estrita de Responder da mesma forma, Heidegger precisaria de uma resposta de alguém que pudesse escrever de maneira igualmente incompreensível."
O grande problema era que a missão imposta aos escribas resumia-se a responder as cartas dos mortos e não dos vivos. Como responder a carta de um filósofo com ideias tão peculiares e uma escrita tão incompreensível? Como se fazer passar por Asher sem levantar suspeitas? Qual dos escribas seria o responsável por uma tarefa tão mortífera? Querem descobrir o que irá acontecer? Leiam e surpreendam-se com o desenrolar da história.
***
Thaisa Frank foi simplesmente magistral ao misturar a realidade com ficção. Eu nunca tinha ouvido falar da Operação Postal, mas ela não só existiu como muitas das cartas foram inseridas ao longo do texto. A Operação parece ser algo tão surreal, principalmente depois que descobrimos a veracidade dos fatos, que torna esse período histórico ainda mais bizarro e repugnante.
O livro é repleto de fatos históricos tão bem narrados que chegamos a ter dúvidas a respeito do que afinal é ficção. Confesso que tive dificuldades de lê-lo por ter pouco conhecimento sobre a Segunda Guerra Mundial e Hitler. Então ia parando e pesquisando alguns fatos, nomes e datas para entender melhor os acontecimentos ali descritos. Para mim a leitura foi muito arrastada. Levei semanas para concluir o livro. Não porque ele é ruim, não, mas porque a narrativa demorou a fluir, é um tanto pesada, densa e melancólica, com vários escritos em outras línguas, principalmente o alemão, que não estão traduzidos, o que dificultou um pouco a minha compreensão do texto.
Depois que a carta de Heidegger chegou ao Complexo foi simplesmente impossível para mim largar o livro. Fiquei muito curiosa para descobrir o que ia acontecer dali para frente e fiquei com os nervos a flor da pele com medo do fracasso da missão. Depois da chegada da tal carta, alguns personagens vão se metendo em várias confusões inacreditáveis, e é absurdo pensar no quanto uma simples carta é capaz de mudar o destino de diversas pessoas.
Fiquei simplesmente tocada com o livro. Gostei muito. Sempre acho que tudo que é relacionado ao período da Segunda Guerra deve ser lido por todos, porque devemos conhecer esse momento negro vivido pela humanidade. Por isso, assim como O Diário de Anne Frank, tenho para mim que Os Óculos de Heidegger é de leitura obrigatória, principalmente para aqueles que, como eu, são fascinados por esse período histórico.
Originalmente publicado em: http://www.recantodami.com/2013/07/resenha-os-oculos-de-heidegger_13.html