Rayssa 15/01/2023Lado sombrio da maternidade1999. Eva Khatchadourian sai de casa para o trabalho como em um dia comum, exceto pelo fato de que, ao final do dia, descobriria que seu filho de 15 anos assassinaria seus colegas de escola em um massacre.
A premissa do livro já é, por si mesma, bastante impactante. Mas a forma como a narrativa é construída é visceral. Perturbadora e muito honesta, com personagens tão bem construídos que poderiam muito bem ser parte de uma história de não ficção. Logo no começo do livro já somos informados da tragédia. E, por meio do estilo narrativo epistolar, isto é, por meio de cartas, acompanhamos o sofrimento e a tentativa da mãe em tentar lidar com a situação e, sobretudo, com a culpa.
Uma mulher feliz consigo e com o casamento decide engravidar, embora não esteja tão certa dessa decisão. O resultado é o nascimento de um filho pelo qual ela não nutre nenhum afeto, fato que parece ser recíproco. Sem saber como agir diante de uma criança tão peculiar, Eva mostra ao leitor um outro lado da maternidade, um lado mais sombrio. Ela se esforça para se conectar com o filho, mas sempre falha. É essa incapacidade de se aproximar e sentir um verdadeiro sentimento afetivo por Kevin que a faz se sentir terrivelmente culpada por ter parido e criado um monstro.
Eva nunca deixa de ser transparente com o leitor, o que não acontece com Kevin. Uma incógnita durante todo o livro, é impossível saber quem ele é de fato, e quais são seus motivos para cometer atos tão trágicos, e até o fim não o sabemos.
Apesar de sua dor colossal após o massacre, é impressionante, ou chocante, ver como Eva nunca desiste do filho. Ela tenta encontrar no diálogo com ele uma saída para sua situação impossível de ser mãe de um assassino . Mas, é somente no final dessa história, quando ambos deixam as muralhas construídas entre si de lado, que conseguem se conectar efetivamente por aquilo que são de verdade.
Entretanto, há algumas ressalvas. Acho que o livro perde um pouco da força com o pai, que de tão cego com a situação do filho, parece muito forçado e passa a ser um personagem um tanto quanto ridículo. Há, também, muitas passagens longas que, a meu ver, não acrescentam nada e poderiam muito bem ser deixadas de fora, evitando que a leitura torne-se repetitiva em certos momentos.
Uma leitura fluida, sobre a maternidade e todos os caminhos tortuosos que ela pode tomar. Recomendadíssimo.