spoiler visualizarJessyga Tavares 19/06/2016
CONCEBENDO BONS LEITORES: A RELEVÂNCIA DOS PROCESSOS COGNITIVOS NO ATO DE LER
Jessyga Tavares Soares
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: Aspectos cognitivos da leitura. 15 ed. Campinas: Pontes Editores, 2013.
Angela B. Kleiman é autora de numerosos trabalhos sobre leitura e alfabetização de adultos e pesquisadora nas áreas de leitura e letramento, com foco no letramento do professor. Neste livro, considerado uma obra clássica de referência sobre a leitura, visa descrever vários aspectos que integram a complexidade do ato de ler, contrapondo-se às ideias comportamentalistas amplamente difundidas no meio acadêmico e justificando, por meio de uma linguagem acessível e de múltiplos exemplos, a magnitude do processo de compreensão textual dentro da abordagem cognitiva. Dessa forma, afirma que a leitura não pode ser encarada como um processo mecanicista ou um simples processo de decodificação, mas sim como algo de extrema complexidade e dependente de múltiplos fatores indissociáveis à produção de sentido.
Nessa perspectiva, considera a leitura como um processo interativo que demanda diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, textual e de mundo, cada um destes constituindo parte essencial para apreensão do texto. Além disso, por meio da explanação de outros numerosos conceitos, ilustra a maneira como se opera o processo de compreensão, além de nortear a prática pedagógica no sentido de proporcionar aos alunos uma melhor percepção do que é ler, evidenciando, assim, o verdadeiro sentido da prática da leitura – a real e construtiva apreensão de novos conhecimentos.
Fazendo um apanhado dos conceitos mais relevantes, trazidos pela autora em primeiro momento, estão as noções de tipos textuais, conhecimento prévio e conhecimento linguístico, que nos permite refletir e desenvolver um diálogo com outras concepções, como a de heterogeneidade tipológica (MARCUSCHI, 2005), gêneros textuais , competência metagenérica (KOCH, 2004 apud KOCH; ELIAS, 2006) e unidade comunicativa (MACHADO, 2005), por exemplo, tudo isso a fim de promover a ideia de uma leitura ativa e significante, que sustenta a aquisição de novos saberes a partir da incorporação/entendimento desse conjunto de conceitos e noções que apontam para a compreensão. Dessa forma, nas palavras de Koch (2006, p. 27), “espera-se, da parte do leitor, que considere esses conhecimentos (de língua, de gênero textual e de mundo) no processo de leitura e construção de sentido”.
Kleiman também sublinha a relação texto/autor/leitor considerando os fatores pragmáticos relacionados à interpretação e compreensão do texto. A despeito disso, comenta a importância do conhecimento de mundo para a significação do texto por meio de processos cognitivos relacionados as nossas vivências e saberes anteriores (conhecimento prévio), e do conhecimento parcial, estruturado, discriminado como esquema, que remete ao conhecimento sobre eventos típicos de nossa cultura e que possibilita, de forma seletiva e econômica, a dedução de significados e mesmo a compensação de falhas momentâneas, pela construção de relações entre eventos. É conveniente realçar a forma como a autora exemplifica o uso dessa capacidade de esquematização para inferir certas informações e encontrar possíveis inconsistências, visto como aclara detalhadamente a construção de sentido partindo dessa noção de esquema.
Uma característica marcante da obra de Kleiman é o fato de a leitura não ser tratada como um processo passivo e sim de engajamento e uso do conhecimento do leitor, evidenciando a posição do leitor no processo de sua própria aprendizagem. À vista disso, Kleiman discorre sobre os processos analíticos da leitura, ou seja, como o leitor procura por significados a partir de objetivos pré-estabelecidos e como a leitura pode ser tão mais interessante se conhecidos os processos que a constituem.
Assim, destaca o papel das estratégias metacognitivas, como a definição do próprio objetivo da leitura e a formulação de hipóteses instituídas a partir desses objetivos que, consequentemente, ativam aspectos de processamento tais como o reconhecimento global e instantâneo de palavras e frases, inferências do todo, etc. A autora ainda reforça a posição do professor como um facilitador, quando este, ao propor atividades nas quais a clareza de objetivos, a predição, a autoindagação sejam centrais, propicia contextos favoráveis ao desenvolvimento e aprimoramento das estratégias metacognitivas na leitura.
Ao afirmar que a leitura se apoia em elementos linguísticos (componentes cotextuais) e extralinguísticos (componentes contextuais), a autora acentua a posição do leitor com relação à atenção aos elementos formais e a prática da leitura, pois estas capacitam-no a compreender o sentido do texto com mais facilidade. Por essa razão, a autora ressalta a importância da identificação dos elementos que relacionam as diversas partes do texto e frisa essas ligações através da noção de coesão textual, que também é apresentada como uma estratégia cognitiva e primordial à apreensão do tema.
A despeito disso, descreve diversos princípios e regras que se situam nesse amplo e complexo campo das estratégias cognitivas, o que, mais uma vez, revela a importância de saber sobre o funcionamento desses processos a nível microestrutural (local) macroestrutural (temático) e supraestrutural (que envolve a percepção da organização textual abstrata).
Como agente materializador do texto, também o autor tem papel importante no processo de apreensão de sentido do texto, já que a leitura compreende a interação à distância entre autor e leitor. Isso significa que existe um acordo de responsabilidade mútua entre autor/leitor no que diz respeito àquilo que permite a construção de sentido. Todo texto, para cumprir sua função comunicativa, depende da forma como o autor usa e estrutura suas ideias na produção do texto levando em consideração as capacidades do leitor. Ao materializar essas ideias, o autor precisa criar uma linha de raciocínio que compreende a utilização de marcadores lógicos, pistas, uma linguagem clara e objetiva, a fim de facilitar a consecução de seu objetivo. Escrever um texto é, portanto, algo que deve ser pensado não para si, mas para o outro, e que deve colaborar para a propensão do senso crítico do leitor.
Educadores, tal como Oliveira Lima (apud MAIA, 2006), sugerem uma educação pela inteligência. Kleiman, nesta obra, nos conduz a este mesmo pensamento, relevando boa parte dos aspectos cognitivos que compreendem o ato de ler, sua formação e relevância. Importante colocar que, mesmo a obra sendo originalmente publicada em 1989 permanece atual no que se refere ao seu conteúdo, reflexão e aplicação sobre as diversas questões que envolvem a leitura e o papel do professor como mediador de conhecimento e formador de leitores, tornando-se, assim, uma ferramenta excepcional para professores de todas as áreas, da mesma forma que é também indicada para o uso do próprio leitor, que pode dispor de todos esses conhecimentos e aplicá-los em sua atividade de leitura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KOCH, Ingedore V. e ELIAS, Vanda M. 2. ed. Gêneros textuais. Ler e compreender os sen-tidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006, p. 101-122.
MAIA, Marcus. Manual de Linguística: subsídios para a formação de professores indígenas na área de linguagem. Brasília: MEC, 2006. p. 23-58.
MARCUSCHI, Luiz A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Angela P. et al. (org.) Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19-38.
MACHADO, A.R. Perspectiva interacionista sociodiscursiva de Bronckart. In: MEURER, J.L; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (orgs). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005, p.237-259.