CARLOS FRANÇA 23/12/2009
Duas críticas sobre o livro
1- Quando dormem as Feiticeiras - Carlos Costa
Editora Novo Século: abril, 2009
Romance histórico cuja temática assinalada pelo autor procura resgatar e valorizar o contributo feminino no desenvolvimento da história ocidental.
Ambientado no ano de 1491, mergulha nas profundezas da Inquisição com uma sutileza de imagens e com um refinamento na utilização da linguagem de época, bem dosada e rica em nuances estilísticas.
A trama bem arranjada pelo autor se desenvolve como uma estratégia natural, onde a protagonista procura cumprir metas bem definidas e procura também, alcançar objetivos práticos, principalmente quando o seu alvo se aproxima e é alcançado. Então, para ela tudo se terá cumprido, sem deixar que os sentimentos e envolvimentos emocionais ou mesmo manifestações de aprisionamento físico e material interfiram nas etapas para se sucederem em sua trajetória de buscas e conquistas.
Trata-se, pois, de uma obra cuja didática introduz o leitor na seara da magia, utilizando uma linguagem literária refinada e acessível a qualquer leigo no assunto.
Para quem já tem algum tipo de iniciação mística o discurso narrativo se mostra familiar e direto, é como se diz no popular: fala a mesma língua.
Um misto de suspense, de drama e tragédia faz com que o leitor se posicione como se estivesse diante de uma telo de cinema, onde não há interrupção entre uma cena e outra". Assim é a obra ficcional escrita por Carlos Costa, uma mistura de cinema fantástico e literatura medieval, que consegue prender o leitor e o conduz numa viagem histórica cujo cenário de perseguição ao potencial humano feminino é descrito através de um elenco de mulheres consideradas "anormais", por desenvolverem a capacidade sensitiva, tornando-se uma ameaça constante ao status quo da Igreja Católica.
A construção da personagem onipotente, onipresente e onisciente da Deusa, pode ser considerada como uma tática de desconstrução do modelo Ocidental judeu-cristão centrado na figura masculina, dominadora e centralizadora.
O autor procura estabelecer um ambiente mais harmonioso quando coloca o sacerdote ao lado da madre superiora, atribuindo-lhes uma árdua tarefa de fazer justiça a mulheres e crianças vitimas de uma situação de adversidade e de inquestionável confronto de autoridade.
O narrador, ou melhor, a narradora onisciente do romance Quando dormem as feiticeiras surpreende o leitor mais ingênuo ao construir uma cena peculiar em que evidencia uma capacidade muito sutil de descrição de um ato sexual nos seus mínimos detalhes externos e internos.
Não conformada com a descrição minucioso de uma relação homossexual feminina a narrativa introduz o elemento masculino com seu mais alto grau de virilidade sem causar qualquer tipo de estranhamento ao leitor. A relação sexual a três não anularia a presença espiritual de uma quarta pessoa, o conde, que no modelo tradicional católico deveria ser o único a desposar da sua condessa.
Outra cena comovente faz referência à pratica de necrofilia por parte de alguns soldados guardiões das celas onde se encontravam as mulheres acusados de feitiçaria.
O submundo da Inquisição não passaria despercebido e o autor procurou descrevê-lo, colocando em altíssimo grau a sua laboriosa capacidade artística e o seu domínio técnico para transpor uma realidade crudelíssima de perseguição humana, que afligia e ainda aflige e inquieta no século XXI, através de uma simples leitura romanesca, onde fatos históricos são recriados e apresentados ao leitor com maestria argumentativa e sensibilidade artística.
Quando dormem as feiticeiras é um livro cujo perfil literário pode ser recomendado a historiadores, antropólogos, analistas, estudiosos e principalmente iniciados que desejam aprofundar-se no tema. Eu li, gostei e recomendo.
Marcos Santana
Arte-educador
2- ALMANAQUE VIRTUAL
Por Cláudia Fonseca
03/08/2009
Poderia ser classificado como um tipo de Paulo Coelho, com linguagem mais refinada. Em alguns momentos, exagerada em adjetivos e termos beirando o clichê. Mas para quem gosta de romances fantásticos, Quando dormem as feiticeiras é uma boa opção de leitura. Carlos Costa não se detém em apenas narrar a estória de uma bela bruxa que deve cumprir sua missão. Ele também faz divagações sobre a existência humana, fortes críticas contra a igreja católica e apresenta acontecimentos que marcaram a história do século XV.
O ano é 1491, França. Uma comunidade formada por mulheres feiticeiras, o culto da loba, deve se separar para fugir da inquisição. Sob o ponto de vista de Ultra, a bruxa mestre, somos chamados a reflexão e compreendemos como a seita pagã foi desvirtuada pela religião predominante na Europa durante esse período.
O conhecimento do autor sobre ocultismo e religiões orientais enriquece a obra ao apresentar a feitiçaria como uma manifestação de amor, um meio de venerar a natureza, diferente do que o senso comum atribui quando pensa em bruxaria.
Também é possível perceber a tentativa de libertar a mente do leitor das amarras impostas pelo fundamentalismo religioso, que acaba por contradizer o que deveria ser o objetivo da própria religião, o amor ao próximo. Através de Medrice, uma jovem católica fervorosa, percebemos o quanto pode ser danoso a total submissão a certos princípios, criando culpas por questões mínimas e que são próprias da natureza humana. A partir de seu contato com Urtra, Medrice começa a expandir sua visão de mundo e decide aderir ao culto da loba.
"Saiba, filha, não somos apenas luz... nós somos trevas também, trevas por vezes profundas que de maneira alguma devem ser negadas, mas sim abraçadas com comiseração, mantidas sob um olhar atento e transformador". Uma lição que está bem distante dos fundamentos da instituição que persegue mulheres que se recusam em aceitar dogmas e fazem referência a uma Deusa. "Tudo é sagrado quando não aviltamos em excessos ou ultrapassamos os limites dos outros, ou ainda, nossos próprios limites". Reflexões como essas fazem perceber que o que importa de fato é o respeito e amor pela vida.
Tirando os momentos clichês, como personagens de extrema beleza, falas pomposas e amores arrebatadores que surgem à primeira vista, o título é interessante para quem gosta de leituras que apresentem alguma reflexão e também, porque não, situações mais picantes. O capítulo Os Corpos, apesar dos termos que fazem qualquer um cair na gargalhada, revela com detalhes a relação sexual entre duas mulheres e um homem, sem apelar para a vulgaridade.
Mas o ponto auge está no fim da narrativa, que descreve uma situação comovente (e comum durante muito tempo), uma discussão que pode ser considerada polêmica mesmo nos dias atuais e a explicação do título do livro. Nos últimos momentos, o leitor vai entender até que ponto a ignorância humana se deixa levar por todo tipo de contradição e crueldade, e descobrir o que acontece quando dormem as feiticeiras.