À janela dos dias

À janela dos dias Dalila Teles Veras




Resenhas - À janela dos dias


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Raul.Coutinho 10/04/2024

"esta janela aberta sobre a vida
cercada de cor e água"

em Inquietude [Madeira: do vinho à saudade]


Li primeiro, conforme a sugestão da autora, o posfácio, antes de me atentar aos poemas d' À janela dos dias. E este título me traz igual pergunta - reiterando a orelha feita pelo Tarso de Melo - se a vista da janela é da poeta Dalila para o leitor? do leitor para Dalila? ou do mundo para a Dalila - vice-e-versa? Devo me arriscar que a resposta seria: tudo ao mesmo tempo em lugares díspares.

O livro como um todo me provocou um efeito de looping. Isso ocorre apenas na forma dos poemas (lembrando que a seleção dos poemas dedica-se à forma deles, não pelo conteúdo) em que se dá as seguintes sensações:

. leveza - Lições de tempo; Inventário precoce
. à tensão - Elemento em fúria; Madeira: do vinho à saudade
. pausa contemplativa - Forasteiros registros nordestinos; A palavraparte
. retorno à leveza - Alguns poemas; Inéditos


Além do tal efeito de jornada do leitor, não-premeditada, destaco elementos de alguns versos, e provoco o leitor estar atento e perceber outros:

· no Lições de tempo:

"A fotografar vidas", "Devaneio", "Felicidade"; pela maneira haicaística de concluir o poema ? aquele deleite, ou aquela faísca para arrancar pensamentos.

· no Inventário precoce

"Cheiros", como também em "A fotografar vidas", a resolução do poema libera um certo sorriso de canto, um meio-sorriso.
"Descobrimento" e "Posse solene" parecida uma forma sonora e intertextual camoniana como no /mudam -se os tempos mudam-se as vontades/

· no Elemento em fúria

"Turista veterana" como em "Devaneio" - a persona ?turista veterana? tem a mesma expectativa de um ?amorantigo? (entre pessoas) de longa data ? a veteraneidade permite outra ótica.
"A cabeça a preço" no trecho

/cânones em riste indagam-me:
a cabeça ou coração/

recordo do Pessoa
"o que em mim sente está pensando"

"O encantador de serpentes" era o que eu estava procurando a respeito da retórica no texto, na forma belíssima deste poema.

· no Madeira: do vinho à saudade

Aqui eu entro com uma leitura enviesada, influenciado por uma entrevista que a Dalila dá em um podcast (não me recordo qual, talvez da UBE) - que a autora tem um grande acervo a respeito da Ilha da Madeira. Imaginei o livro ?Madeira: do vinho à saudade? ser baseado nos registros pessoais (empírico) e em pesquisa (intelectual). E uma frase dela fica no meu coração "a memória é falseada", me abriu o conceito de memória X lembrança.

Este é meu livro preferido de sua poesia quase toda pela aglutinação de imagens que ela constrói e pela energia que insere nos versos:

"Cabo Girão" /incontáveis beijos d'água/ - vai e vem das ondas

"Curral de freiras" /fantástica goela escancarada para os céus?/

"Porto Santo" e também em "Curral das Freiras" há o pintar do lugar com uma ótica distante e com uma ótica do "eu poético".

"Inquietude" /esta janela aberta sobre a vida cercada de cor e água/


· no Forasteiros registros nordestinos

Alguém me disse um dia, artistas são mister em transmudar-se. E nesta seção o leitor contempla um nordeste de quem é de fora como que no imaginário de quem é de dentro : pelos quadros, pela língua e pelo cavalgar verso a verso como os repentistas parecidamente fazem.

Tive a experiência de ir ao Nordeste conhecer um punhado de Pernambuco com a Kelly, minha esposa. E como neste livro termina no mito do peixe surubim, me vem à lembrança quando visitei a cidade de Surubim. Apenas um comentário a ver com o lugar nordestino.


· no A palavraparte

Vejo no final de cada poema a letra maiúscula. Não captei o motivo, mas acredito que faça parte da composição dos poemas e do projeto do livro.

A primeira obra da Dalila Teles Veras que me debrucei foi os Retratos falhados, reunião de plaquetes e poemas diversos. E confesso que tenho pouca experiência em poemas em prosa (um pecadão, eu sei), curiosamente, no Retratos me foram inaugurais para explorar este gênero-forma de poema.

Portanto, os "Era espacial", "Mala desfeita", "Performance" e "Desfecho" eu diria que ultrapassam a configuração do gênero poético, permitindo também leitura em tipo de microconto ou então a outra possibilidade.

O que se aplica nas minhas duas leituras abaixo:

- leitura do ?Mala desfeita?

no verso:

/4. na roupa suja perdeu-se o beijo mais ardente e na

desordem da bagagem o sonho de tantas viagens/

: o verbo perdeu-se, suprimido na segunda oração, que seria "na desordem da bagagem (perdeu) o sonho de tantas viagens" - até o verbo "perder" se perdeu no poema. Concluindo a significação.

- leitura do ?Desfecho?

a persona que /Passava as tardes em infindáveis passeios com 'amigas' que ele desconhecia/

pode-se ler que 'amigas' não necessariamente seja 'grupo de amigas', mas pode-se ler 'uma amiga um dia', 'outra amiga em outro dia', etc.

e finalmente em /Ela o abandonara para viver com a melhor amigA/ pode-se ler, a 'nos passeios, a amiga mais amada que ele desconhecia', já que todo amor se começa na amizade. E pode-se tabém namorar/ficar com amiga/amigo sem comprometer-se.


· no Alguns poemas (dispersos)

Trechos que me pegaram de jeito:

"Livrespaço" com o local Livrespaço, também componho na mesma página: /Livrespaço sabendo que neste país [nada de livre] / Livrespaço sabendo que neste país [nada de espaço] /

"São Paulo" /A dor em São Paulo é guardada em potes (como faziam as mães com as compotas/

"Velhos burgueses" /Morrem simplesmente de fartura e tédio/


· no Inéditos

Assim como lições de tempo, termina com haicais (falsos) mas verdadeiros pelo efeito contemplativo e de evocar o silêncio da divagação.


Tudo isso porque é preciso ler. Não só. É preciso perceber poetas vivas. Nos mínimos e máximos detalhes. É preciso perceber poetas que araram, que urdiram Livres-Espaços. E ainda; para que muitas e outras vidas sejam possíveis.
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