Henrique Fendrich 27/04/2021
Capek é um escritor extremamente criativo, bastante interessado naquelas questões essenciais e de difícil resposta para a humanidade, como a nossa origem e o nosso destino. Nesse livro, o que a sua imaginação, aliada à sua análise crítica da sociedade, oferece é uma história em que surge uma nova espécie na Terra, um estranho tipo de salamandra marítima que se destaca por uma série de habilidades espantosas e que, como seria de se imaginar, passa a ser explorado pelo ser humano, até que as coisas se voltam contra ele.
Acho muito reducionista a visão que enxerga na obra meramente uma alegoria profética sobre a ascensão do nazismo, porque a história não está restrita a um episódio circunstancial da trajetória humana, por mais lamentável que ele tenha sido, mas trata da própria natureza do ser humano. Assim é que, no tratamento dispensado pelos humanos às salamandras, eu pude vislumbrar a história dos povos indígenas na América e depois a dos negros escravizados.
Ao mesmo tempo, a obra de Capek permite pensar em certas situações que possivelmente serão vivenciadas no futuro pela humanidade, como a possível descoberta de vida inteligente em outros pontos do Universo ou mesmo a incorporação de robôs ao nosso cotidiano (tema que Capek explorou abertamente no ótimo "R.U.R", aqui traduzido como "A fábrica dos robôs"). Nem mesmo se pode descartar o próprio surgimento de uma nova espécie dominante na Terra (os dinossauros a dominaram por 250 milhões de anos e mesmo assim sumiram).
Um dos aspectos interessantes da trama elaborada pelo autor é o modo como a humanidade se aferra a interesses econômicos, comerciais, territoriais e nacionais, por meio dos quais cria um verdadeiro arcabouço de normas legais que pretende sustentar mesmo se disso resultar o próprio o fim do mundo. No livro de Capek, chega-se a um cenário apocalíptico não por meio de forças externas, como a de um meteoro, mas como consequência da nossa cobiça, dos nossos devaneios sobre "honra" e "pátria" e da crença de que o ser humano é algo superior.
À parte das importantes reflexões que o livro promove, confesso que considero que ele não teve a estrutura formal mais adequada. A primeira parte me agradou bastante, com pequenos capítulos que não tinham um protagonista, mas se centravam em várias cenas e personagens que, cada um a seu modo, refletiam a chegada das salamandras à realidade humana.
Mas na segunda parte essa estratégia foi abandonada e criou-se uma espécie de relatório sobre como era o mundo depois do advento das salamandras, com muitas notas de rodapé representando artigos de jornais e documentos similares, praticamente capítulos à parte, que em determinado momento chegaram a tornar a leitura um tanto cansativa. Pessoalmente, preferia que o livro tivesse continuado com a estratégia da primeira parte, possivelmente com algumas dessas notas de rodapé constituindo pequenos capítulos próprios.
De todo modo, é uma leitura bastante instigante e proveitosa.