Marc 27/09/2013
Uma outra história americana?
Não vou me preocupar em não comentar eventos que revelem a história. Afinal, ninguém vai começar a leitura de uma série pela resenha do último encadernado. Até por isso decidi colocar aqui e não no primeiro volume meus comentários. De qualquer forma, se ainda não leu, recomendo que pare aqui, não quero estragar a leitura de ninguém...
A última edição realmente me decepcionou. Lembra um pouco as novelas, que seguram os fatos importantes para a última semana e então tudo acontece tão rapidamente que a gente não consegue assimilar. O último capítulo, inclusive, me pareceu bastante lugar comum, uma pena. E digo isso porque me lembrei do filme “Pânico”, qualquer um deles, onde o assassino cerca a casa e todo mundo fica correndo de um lado para o outro tentando escapar e trombando com corpos pelo caminho. É claro que o imenso talento de Eduardo Risso consegue dar uma disfarçada nesses clichês; conseguiu a série toda, enfim. E se há alguma coisa que essa série revelou para mim, foi a capacidade narrativa de Risso. Não raramente ele teve que intercalar histórias que não tinham muita relação evidente, e fez isso de forma econômica e segura. Sempre escolhendo ângulos diferentes para dirigir nosso olhar e quando pulava dos cenários para os closes no rosto dos personagens era de forma abrupta, porém totalmente natural.
Azzarello, por outro lado, me pareceu um bom pesquisador e só. Claro que isso parece contraditório com a avaliação que fiz ao longo da série (classifiquei todos os encadernados anteriores como muito bons), mas posso explicar. Se a base da história é uma enorme organização criminosa que domina os EUA, como não se explica o modo dela agir? Acho que mais do que o jogo de Graves para ativar seus soldados e a briga pelo poder, interessaria essa outra história americana. Porque eu vejo que Azzarello teve uma boa idéia — ótima idéia, na verdade —, mas não soube realizá-la plenamente. Por isso, lemos e a cada encadernado ficamos impressionados com a maneira como foi acrescentando personagens e dando relevância a eles dentro da trama. Mas mostrar a história dos indivíduos pode não ser suficiente para mostrar a história mais geral. E, nesse caso, foi exatamente o que aconteceu.
E digo isso porque o que motivou minha leitura foi justamente tentar descobrir como essa organização atuava, como decidia os rumos do país. Nada mais natural, me parece, já que estava presente desde sua fundação. Mas no momento que essa história começa a ser contada, muitos capítulos antes do fim, já está meio implícito tudo que é contado, não o mais importante. Só não aparece como de fato ela opera, como consegue dar a forma que deseja à história. Isso me decepcionou mais que tudo. Até porque o fim dos personagens era meio previsível, dado o tom de tragédia que está em TODOS os capítulos, desde o nº 1. Assim, contar uma história de crime precisa de algo mais do que a consciência de que a morte ronda sempre e que os diálogos devem mais insinuar do que revelar prontamente. Mesmo que o autor seja mestre em criar diálogos significativos, sempre fico meio desconfiado com esse procedimento. Afinal, deixar ao leitor o trabalho de preencher os vazios com significados pode sempre levar à criação de uma história pessoal de cada um que lê. E isso funciona apenas para que o leitor crie laços afetivos com a história, enquanto poupa o autor de explicar tudo e resolver as contradições da trama. Existem autores, considerados grandes, que se valem disso, infelizmente. Azzarello parecia não ter feito, mas a conclusão da série evita o trabalho árduo de mostrar o funcionamento do cartel, e se o fizesse conseguiríamos entender como cada personagem tomou decisões e como estava inserido; mas ficamos apenas observando cenas de ação seguidas umas das outras e um esboço de explicação (bem no esquema padrão: “você fez isso porque sabia que eu responderia assim”, etc) que não mostra nada, apenas o mais imediato. A sensação que tive é que o suspense criado foi maior do que era intenção e nunca passou pela cabeça do autor resolver isso; na verdade a história geral estava a serviço da história de Graves e não o contrário. Na prática, a trama mais importante era a que apareceu logo no início, os motivos de Graves para fazer seu jogo. Mas a outra história, a que valia mesmo a pena, nunca sequer foi interessante para o autor.
Dada a própria natureza de uma organizaçõa criminosa, é evidente que as lutas internas jamais cessariam, isso me parece óbvio. Mas como uma organização desse porte, responsável pela fundação do país mais poderoso do mundo, poderia ser ignorada por todas as demais? É evidente que Azzarello perdeu uma oportunidade de ouro ao não perceber o potencial que essa história tem, onde poderia chegar. Ao contrário, ele resolve tudo dizendo que os reis mais poderosos da europa decidiram aceitar a proposta de viver em paz com os criminosos. Ora, isso me parece improvável. E me pergunto, por exemplo, lembrando do filme “O Poderoso Chefão”, clássico absoluto e referência incontornável para esse tipo de história, como ficaria a Igreja Católica diante de tanto poder em mãos mundanas? São temas mais que interessantes, e que valeria demais abordar.
Olhando a série inteira, no entanto, o trabalho de Azzarello é mais do que razoável, pode ser classificado como bom mesmo. E com toques de genialidade em alguns episódios. Não quero ser o chato de ficar apenas criticando, mesmo que no final das contas a série não tenha fugido aos clichês; quem assistiu “Scarface” certamente não vai se surpreender com a cena final... Mas lá pelo volume 13 e 14, cheguei a devorar as páginas, porque tudo estava sendo consumado, as peças todas iam encaixando e fazendo sentido. Esse foi o grande momento, a meu ver, da série. E não estou falando de ficar decepcionado com o final, porque já esperava algo assim. Só acho que mesmo bem contada, foi um desperdício contar uma história que a gente já conhecia, porque esperei o tempo todo uma outra, que nunca veio entretanto.