Crônicas Fantásticas 14/09/2020
Mentes Sombrias (The Darkest Minds)
Resenha por: Ana Oliveira
Título: Mentes Sombrias | Autor: Alexandra Bracken | Editora: iD Editora | Gênero: aventura/literatura juvenil | Páginas: 576 | Ano de publicação: 2013 | Nota: 4,0/5,0
Estreou, dia 16 de agosto, no Brasil, o filme “Mentes Sombrias”. Quando essa notícia chegou a mim, um pouco tardia devo assumir, pensei: “opa, baseado em livro. Vamos lê-lo primeiro para depois ver” e foi isso que fiz.
O livro “The Darkest Minds” (sim, no plural) fala sobre um futuro onde as coisas dão erradas, ou seja, uma distopia. É a mesma premissa de “Hunger Games” e “Divergent” dentre muitos outros. Uma coisa que gosto sobre distopias é em como os personagens tentam consertar as coisas depois delas terem dado muito errado. No caso de “Mentes Sombrias” quem paga o preço desse erro são as crianças.
Por todo o mundo, crianças com no mínimo 10 anos são acometidas por uma doença, em português NAIA, em inglês IAAN, e desenvolvem poderes. Algumas, entretanto, não aguentam as mudanças que a doença gera nos seus cérebros e morrem. Com isso, 90% das crianças morrem ao completar 10 anos ou um pouco depois disso. Os que sobraram são tratados como uma ameaça pelos outros seres sem “poderes” e acabam sendo reunidos, catalogados e separados de suas famílias originais.
Assim que chegam aos acampamentos, ou antes, essas crianças são categorizadas em 5 cores. E aqui vem um ponto importante: a maioria das crianças são verdes, ou seja, desenvolveram “poderes” de superinteligência, fazem cálculos com muito mais facilidade, são bons com criptografia. Tipo um computador humano com QI muito acima do normal e o mais importante, inofensivos. A cima deles temos os azuis: crianças com poderes tele cinéticos. Basicamente, movem as coisas com as mentes. Nada demais se você não os estressar. Depois vem os amarelos. Particularmente achei esses muito legais, pois eles podem gerar e controlar eletricidade. Imagine só, num mundo onde basicamente dependemos da energia elétrica para tudo, existem crianças que podem gerar isso espontaneamente. Esses são um pouquinho mais perigosos, pois podem fritar todos os sistemas que usam de eletricidade. Uma faca de dois gumes.
Então temos os vermelhos e os laranja. Na classificação do presidente Gray, o atual presidente dos Estados Unidos no livro, esses são os mais perigosos. Os vermelhos geram e controlam o fogo. Mais um pra gente não tirar onda no recreio da escola. No topo da pirâmide de periculosidade das novas crianças temos as laranjas. Raras e extremamente perigosas, pois essas podem entrar nas nossas cabeças e bagunçar tudo lá dentro. Desde de plantar sugestões, até apagar totalmente suas memórias. E como são muito perigosos, a ordem é matar qualquer um que seja laranja. Mesmo que ele seja o filho do presidente…
Bem, o livro segue a vida de Ruby Daly, uma garota que ao completar 10 anos (e sem querer) apaga da memória dos seus pais ela mesma. Então, ela acorda de manhã e eles não sabem quem ela é e a entregam ao serviço criado para recolher crianças que sobreviveram a doença e criaram dons estranhos. Ela vai parar num desses acampamentos. E logo aprende a se fingir de morta para não ser pega como laranja. Ruby tem a capacidade de entrar na mente das pessoas e sugerir, além de pagar, coisas. É assim que ela se livra da possível morte e passa 6 anos fingindo ser uma verde.
O livro vai contando o dia a dia de Ruby e como ela tá isolada do resto do mundo a gente só descobre o que houve após a doença quando ela é “resgatada” por uma mulher que se diz da “Liga das Crianças”. O ponto aqui é reparar como o cenário mundial mudou após a doença. O tal Gray manipulou todos que podia para continuar mais tempo como presidente, a economia da maioria dos países do mundo quebrou e quase tudo está falido, e acima de tudo: as pessoas não tem mais filhos com medo de que eles desenvolvam a tal doença.
Famílias são separadas elas querendo ou não, pois, em primeira instância, o governo obriga a todos que tem filhos especiais que os entreguem sob a promessa de estarem procurando uma cura. Vale ressaltar que até onde conta o livro 1, não há o que curar. É uma coisa meio “X-Men” onde a natureza deu um salto na evolução e as crianças (TODAS) nasceram diferentes.
De volta ao livro, a história vai seguindo e como deve ser, lados são mostrados para nós: o governo, encabeçado pelo presidente, e a Liga. Em tese, o governo é o mal que explora e quer usar as crianças como armas, e a Liga é o bom, querendo libertar as crianças dos tais acampamentos que só servem para machucar ainda mais as nossas já traumatizadas crianças. Porém, não se engane. Apesar de parecerem distintas, elas são bem parecidas.
Com isso em mente, o livro nos mostra um grupo muito peculiar composto por dois azuis (no filme um deles é verde) e uma amarela. Eles meio que ajudam Ruby a fugir da Liga e a acolhem no seio da sua minivan mesmo sem saber que ela é uma laranja. Com Liam, Charles e Zu (azul, azul, amarela, respectivamente), Ruby descobre sobre o East River. É como um reduto seguro para as crianças fugitivas, uma Terra-do-Nunca com direito a Peter Pan e tudo, e nesse caso ele se chama Fugitivo.
Nesse lugar, as crianças podem ser quem são e simplesmente viverem suas vidas sob o olhar atento e cuidadoso desse novo personagem que para todos os efeitos é um laranja. Eles contam que o Fugitivo ajuda as crianças a entrarem em contato com suas famílias e até mesmo as ajuda a voltar ao lar. Tudo muito bonito e brilhante para uma distopia. Eles chegam lá e logo são separados. Zu reencontra uma prima. Liam é destacado para fazer parte da proteção do lugar. Charles fica envolto a trabalhos manuais no pomar e Ruby… Bem, Ruby passa a ser a aprendiz do Fugitivo. Eles andam para cima e para baixo juntos, ele “ensinando” a ela como lidar com suas habilidades laranja que tanto traz dor de cabeça para ela.
Aqui caímos em um dos clichês para livros adolescentes que eu menos gosto: o triângulo amoroso. Porque lá atrás, ainda quando Ruby andava com o pessoal na minivan, houve uma conexão entre ela e Liam. Ela assume para nós, leitores, que está apaixonada por ele. Nem é tão estranho levando em consideração que ela tem 16 e ele 17 anos, são adolescentes, hormônios a flor da pele e tal. Eu entendo e a forma como Liam é mostrado para nós, sob a perspectiva de Ruby, ele é um perfeito príncipe disposto a sempre ajudar. Mas quando colocamos o Fugitivo na equação fica meio óbvio que algo vai dar errado.
Talvez por ser uma leitora meio pé atrás com personagens que se mostram muito bons no início, eu desconfiei do Fugitivo desde o começo e a coisa só via piorando quando Charles começa a ficar descontente e apontar as semelhanças entre East River e qualquer um dos outros acampamentos em que já estiveram. Eles têm hora pra tudo: pra acordar, comer, trabalhar, dormir. Eles têm pouco tempo livre para fazerem o que quiserem e qualquer que seja o favor que eles precisem do Fugitivo deve ser pago antes com algum tipo de trabalho. Então, é… East River não é tão paraíso assim.
O que me surpreendeu foi, em meio a tantos “vilões” (o presidente, a liga), o livro apresentar mais um: o Fugitivo. O plot twist do final do livro faz a gente ficar se perguntando porque Ruby (e aposto que alguns leitores) confiaram tanto nele. Só porque ele é um laranja não o faz livre de qualquer suspeita. Ao final, temos o caminho do herói se completando com sucesso, e uma líder das crianças, disposta a lutar pela sua nova família no púlpito. O filme é muito bom em mostrar isso, em dar cor (literalmente) e efeito ao que só imaginamos nas nossas cabeças. O fato de os olhos das crianças brilharem de acordo com sua categoria foi um toque legal e bizarro ao mesmo tempo. O que as une também é o que as separa. No final, Ruby entende que as únicas pessoas que podem ajudar as crianças são elas mesmas, pois os adultos estão assustados de mais para olha-los como eles são: apenas crianças que já sofreram demais.
“O mundo inteiro será seu inimigo, Príncipe com Mil Inimigos, e onde quer que te apanhem, eles o matarão. Mas, primeiro, eles devem te apanhar, escavador, ouvinte, corredor, príncipe, com um aviso breve. Seja esperto e cheio de truques e seu povo jamais será destruído…” (Uma longa jornada, de Richard Adams, citado por Ruby no capítulo 11 como o livro que Charles está lendo. Ela o acha no shopping e o lê para Zu no filme).
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