spoiler visualizarTati 04/01/2012
Cartas de Amor de Helena e Pàris.
O livro Cartas de amor de Ovídio, também conhecido como As Heróides traz vinte e uma cartas escritas por Ovídio, e traduzidas por Dunia Marinho Silva. Dentre as quais será analisada apenas duas, a carta de Páris à Helena e a resposta de Helena para Páris, ambas relevantes para a pesquisa.
Por meio dos manifestos poéticos Ovídio explicita as características da obra: a libertinagem entre Páris, mas também a reflexão; a repetição dos elogios à Helena.
2.4.1 Carta de Páris a Helena.
A carta de Páris é escrita à Helena, em que ambos estão em Esparta no palácio de Menelau, o qual estava ausente por um motivo vago que não foi mencionada na carta.
Páris tem grande desejo em conquistar Helena, já que ela havia sido prometida por Vênus. E isso é o pretexto da carta, tratar sobre o rapto de Helena, cuja repercussão Páris nem imagina, que ocasionaria na guerra de Tróia, a qual trouxe grandes sofrimentos. Entretanto o que Páris busca de acordo com o autor é, “assegurar a vitória da beleza sobre a prudência, o que, fora do contexto libertino, é um programa de vida”(OVÍDIO, 2003 p.187). Com isso, Páris tenta envolver Helena numa rede de palavras e vencer sua resistência com a força de sua persuasão.
Páris inicia a carta tratando sobre seu sentimento, o qual ele não consegue mais esconder, isso ele deixa claro em alguns trechos, “meu amor já foi manifestado mais do que eu desejaria?...quem poderia esconder um fogo que trai sempre sua própria luz?” (ibid p.189) em que pede perdão pela confissão e pede que leia a carta e lhe dê esperanças, pois ele foi aconselhado pela mãe do amor e Helena prometida à ele.
Contudo para dar mais veracidade em seu discurso, ele complementa dizendo que foi um aviso divino que o conduziu até ela. Também afirma que o que ele pede é um preço grande, mas destaca que quem prometeu foi a deusa, ela que o conduziu até ali com ventos propícios, da mesma forma a ela, Páris intercede para que seja cumprido o destino. “Que ela continue e acompanhe os movimentos de meu coração; que ela faça chegar meu desejos ao porto do destino”. (ibid p. 189)
Ele ressalta que sua chagada à Esparta não foi por aventuras heróicas, mas sim por decisão própria:
Tampouco venho como observador visitar as cidades gregas: as de minha pátria são ais opulentas è a ti que venho procurar, a ti que a loira Vênus prometeu o meu ardor; desejei-te antes de conhecer-te: teu rosto minha imaginação viu antes dos meus olhos; a fama foi a primeira a revelar teus traços.
[Atingido pelas flechas rápidas de uma arco longínquo, não é de espantar que eu ame: devo amar.] (ibid p.190).
Contudo sendo coisa do destino ele não poderia mudar, já que isso foi dito pelos adivinhos antes dele nascer, quando sua mãe antes do parto sonhou que dava a luz a uma tocha em chamas que incendiaria Tróia, essa predição ele usa como metáfora para destacar sua paixão, como uma chama que queima seu coração.
O apaixonado busca explicar o porquê a deusa Afrodite prometeu Helena à ele, e conta a respeito do julgamento das três deusas:
Três deusas, Vênus, Palas e Juno , pousaram ao mesmo tempo sobre a relva seus pés delicados. Fiquei estupefato e o medo que me gelou eriçou minha cabeleira. “Afasta teus cuidados, disse-me então o mensageiro alado, tu és àrbitro da beleza; põe fim ao debate das deusas diz qual delas supera em beleza as outras duas”. Para impedir-me qualquer recusa ele ordenou em nome de Júpiter e subiu pelos ares através da estrada etérea. (ibid p.192)
Diz ele que assim iniciou o julgamento da “mais bela”, também afirma que cada uma tenta persuadi-lo de uma forma:
Apresam-se em me influenciar no meu julgamento com presentes magníficos. A esposa de Júpiter me promete um trono; sua filha a coragem; duvido se quero ser poderoso ou corajoso. Vênus disse-me então com um doce sorriso: “Que esses presentes, Páris não te seduzam; a ansiedade, o medo os acompanham. Eu te darei quem poderá amar; a filha da bela Leda, mais bela ainda que sua mãe, eu a entregarei a teus beijos” (ibid p.192).
Assim como foi uma festividade para Afrodite ser a escolhida, também a família de Páris celebrou por ter o filho de volta, ao contrário do que eles imaginaram dele estar morto, ele vivia como camponês. Agora ele descobre ser de família real.
E retrata na carta sobre suas paixões da juventude, cuja paixão despertou em tantas, e que agora as despreza por querer só sua amada Helena. “Mas eu só tenho desprezo por todas essas beldades, depois que nutri a esperança de ter-te como esposa. Filha de Tindáro. És tu que meus olhos vê durante a noite quando as pálpebras dão lugar ao sono tranqüilo que os vem fechar” (ibid p.193).
Entretanto sua família se mostra contra esse relacionamento:
Meu pai e minha mãe opõem suas preces a meus projetos e suas vozes me retêm perto da estrada que queria abrir. Minha irmã Cassandra acorre, os vastos cabelos, no momento em que nossos navios iam levantar a vela: “Aonde vais? Levarás um incêndio contigo: ignoras que grande abrasamento vais procurar através dessas ondas”. Ela profetizou a verdade: encontrei os fogos que previu; um grande amor desenfreado queima em meu coração sensível. (ibid p. 193 - 194).
A profetiza trata na citação a cima, sobre a ruína de Tróia, por causa do envolvimento de Páris com Helena, porém ele interpreta novamente a chama ao invés de destruição, como a chama da paixão, do amor.
Narra em sua carta o trajeto até chegar a sua amada, cujo vento foi favorável e trouxe-o até as moradas de Helena, em que Menelau aceitou-o como hóspede. Contudo, Páris ficou ainda mais apaixonado ao avistar Helena, isso fica em evidencia nesse trecho da carta:
Avistei-te, fiquei maravilhado; em minha admiração senti nascer no fundo de minhas entranhas o fogo de uma paixão inusitada; ela tinha, tanto quanto me recordo, traços semelhantes, a deusa de Citera, quando veio submeter-se a meu julgamento. Se tiveste também apresentado nessa disputa, não sei se Vênus teria obtido a palma. (ibid p.194).
Também nesse trecho, pode-se notar que a beleza de Helena era comparada a da deusa Afrodite, Vênus como é citada, ou até mesmo superior da deusa. E com isso, ele faz o apelo à sua amada:
Entrega-te apenas e tu conhecerás a persistência e Páris. Só a chama da fogueira verá findar minha chama. Preferi a ti aos reinos que me prometeram há pouco a irmã e a esposa de Júpiter; a fim de poder enlaçar meus braços em teu pescoço, desprezei o dom da valentia que me oferecia Palas. Não me arrependo e creio ter feito uma escolha sensata. (ibid p.195 - 196).
Como forma de persuasão, igualmente, envolve suas riquezas e de sua cidade, seus grandes feitos, para assim convencer Helena a fugir com ele. Compara as riquezas de sua cidade com as de Esparta. Em contraposição às glórias troianas. Páris evoca os escândalos dos atridas, de maneira a envergonhar Helena por estar numa família assim. Em que o pai de Menelau, portanto sogro de Helena, que fez recuar de horror o sol, no dia em que serviu a seu irmão Titono os membros do seu próprio filho. Enquanto Príamo, pai de Páris, não tem uma desonra na família.
Todavia, seu sofrimento é grande em ver Menelau com Helena, suas carícias na esposa, ele manifesta essa dor no seguinte trecho:
Ignoro; esse espetáculo é para mim um tormento; mas um tormento ainda será ser banido de tua presença. Tanto quanto permitem minhas forças, procuro esconder esse frenesi; todavia é visível esse amor que tento dissimular. (ibid p.199).
Declara que seu sofrimento é por causa do medo de Helena que impede de profanar o amor conjugal e de violar as castas leis de uma união legitima. Assim ele vai concluindo sua carta manifestando seu amor e afirmando que ela também está apaixonada, porém têm medo de encarar a situação.”Se minha certeza não for enganosa conseguirei que venhas para o meu reino. Se o pudor e o temor te assegurarem, não será tu que parecerá ter-me seguido; serei o único culpado.” (ibid p.203). Dessa forma, para ela não se sentir culpada ele assume a culpa e também afirma que isso não será motivo para ocorrer uma guerra:
Não temas, depois de raptada, que terríveis guerras nos persigam e que vasta Grécia ame contra nós suas forças. De tantas mulheres que vemos raptadas qual delas é reclamada com armas na mão? Crê em mim, esse projeto infunde falso temores. (ibid p.193 - 194).
Entretanto, se houver a guerra, ele confirma que o exército grego se renderá ao exército troiano e não hesitará em suportar o peso da guerra por uma esposa tão preciosa; as grandes recompensas são o aguilhão das lutas. E com isso ela terá um nome imortal se deixar ser cumprida a promessa dos deuses. Afinal, frota troiana está pronta e logo tomaram seu curso e ela “atravessará como uma rainha, as cidades dárdanas e os povos pensarão que vêem uma divindade nova.” (ibid p.203)
Carta de Helena a Páris.
O autor inicia esse capítulo abordando que Helena deve provar com sua resposta a validade de três argumentos:
Primeiro que como mulher, ela cedeu a um homem e aos deuses: ora, não se pode resistir a algo mais forte do que ela. Segundo ela foi seduzida pelo raciocínio persuasivo de Páris: ora, não se resiste a um discurso bem elaborado. E por fim que sua beleza é irresistível e nem Páris nem ela podem fazer nada.
A carta é portanto uma engenhosa união de uma recusa fundada nos argumentos habituais, a reputação, a fidelidade, o pudor e a sedução pela beleza física e pelas palavras amorosas, que embora Helena não ceda, o leitor sabe que ela vai ceder.
Helena responde a carta que Páris mandou-a, inicia tratando sobre o desprezo de Páris com as leis da hospitalidade, as quais ele está desobedecendo, afinal ele está tentando sobre a virtude de uma esposa legitima. E afirma Helena “nenhum adultério atrai minha vaidade” (ibid p.209).
Embora ela já tenha sido raptada uma vez, porém Teseu restituiu-a intacta e sem continência atenuou sua falta; esse jovem herói arrependeu-se evidentemente de seu ato, apenas afirma ela conseguiu roubar-lhe alguns beijos. Mas ela não sente rancor de alguém que a ama, e dessa forma afirma que dúvida se Páris realmente a ama “porque tuas palavras parecem ser enganadoras” (ibid p.210).
E como resposta aos insultos de Páris na carta, a respeito da origem de Helena, dos escândalos dos atridas. Ela ressalta que sua família tem uma linhagem nobre, que o qual Páris fica orgulhoso em dizer que têm por quinto antepassado, ela têm por primeiro. E defende Menelau “Se ele é menor em riqueza e em população, certamente o teu é bárbaro.
Porém ela não esquece as promessas que Páris fez, em dar à ela, muitos presentes, de maneira a persuadi-la e conquistá-la para que ela o siga:
Tua carta, rica em promessas, traz a oferta de tão magníficos presentes que poderiam até ofuscar as deusas; mas, se eu quisesse enfim transpor os limites do pudor, não poderias, para tornar-me culpada, oferecer-me algo mais atraente que tu mesmo. Ou conservarei eternamente minha reputação sem mancha, ou te preferirei a teus presentes. Se não os rejeito é porque os presentes, com valor daquele que os dá, são sempre bem recebidos. O que me comove mais é que tu me amas, é que sou a causa de teus sofrimentos, é que tua esperança atravessou tão vastos mares. (ibid p.211 - 212).
Observa o autor, que ela passa da mentalidade épica, que valoriza os presentes e a genealogia, para a mentalidade elegíaca, que considera apenas os sentimentos. Assim ela deixa evidências de que cederá ao jogo da sedução, pois ela diz que essas armadilhas o coração poderia deixar-se prender e confessa que Páris têm uma beleza rara fica evidente no trecho seguinte, o quanto ela está se envolvendo no jogo da sedução:
Gostaria que tivesse vindo com teus rápidos navios quando mil pretendentes aspiravam a minha mão ainda virgem. Se te tiveste visto, teria, entre mil, amado logo a ti: meu próprio esposo teria perdoado a escolha que teria feito. Vieste muito tarde procurar os prazeres que sabemos que te são proibidos: tua esperança foi tardia: aquela que procuras, um outro obteve. (ibid p.213).
Confessa que e tivesse visto Páris antes de casar-se com Menelau, teria escolhido-o ao invés de seu marido. Mas que agora é tarde demais que ele deve parar de perturbar um coração fraco e não prejudique quem ele diz amar.
Contudo diz também não crer no que ele disse sobre o julgamento das deusas: “Não fique magoado se tive muita dificuldade em crer-te; geralmente, para as grandes coisas a confiança vem lentamente” (ibid p.214).
Mas fica feliz em saber que agrada a deusa Afrodite e em saber que é a mais bela das recompensas, por Páris ter a escolhido entre as honras que ofereciam as outras deusas. E conclui dizendo que “Meu coração seria de ferro se não amasse um igual o teu. Não crê em mim, ele não é de ferro mas me recuso a amar aquele que dificilmente possa ser meu” (ibid p.214).
Contudo ele ressalta que o que a impede de amar é o medo, cujo medo é um mal que a deixa ainda mais confusa e que ela teme ser alvo para os malignos propósitos do povo. Salienta que sua reputação é de sua responsabilidade, apesar dela querer e temer “minha vontade está muito indecisa e meu coração flutua em meio à dúvida” (ibid p.216). E ambos estão cativos um pelo encanto do outro.
Seguir-te-ia como me aconselhas? Veria Tróia tão louvada e seria a neta por afinidade do grande Laomedonte? Não desprezo tanto a glória da volúvel fama para deixá-la ocupar essa terra com o boato da minha desonra. O que dirão de mim Esparta e toda a Acaia, os países da Ásia e a própria Tróia? (ibid p.217 - 218).
Ela teme pelo que pensarão a seu respeito, também por Páris esquecer que seu crime é por causa dele, e acusá-la de adúltera. Menciona sobre o sonho da rainha Hécuba, mãe de Páris, que sonhou dar a luz a uma tocha em chamas que queimaria Tróia, assim como os adivinhos que disseram que Tróia seria incendiada pelos gregos. Teme ela, que os gregos queiram se vingar. Mas não esquece das promessas feita por Páris:
Mas fruirei da opulência troiana e de cuidados que farão minha felicidade? Receberei os mais ricos presentes que me foram prometidos? Dar-me-ão, sem dúvida, púrpura e tecidos preciosos? Ver-me-ei rica, com enormes pilhas de ouro? Perdoa minha confissão: teus presentes não têm ainda tanto valor; não sei que atração me prende a essa terra (ibid p.218).
No trecho acima ela mostra-se atraída a Páris por interesse em suas promessas, por vaidade. Na citação seguinte marca a aceitação de Helena, conclui o autor que não se trata mais em hesitar sobre a escolha moral mas sobre o momento oportuno pra ceder: “pedes que possamos nos ver e falar em segredo; sei o que desejas e o que chamas de encontro. Porém tens muita pressa e a colheita só começou. Possa essa demora ser favorável aos votos que formulas!” (ibid p.219 -220). Conclui a carta com essa confirmação,de que irá para Tróia com Páris e se precisar dar algum recado fará pelas suas acompanhantes.