Lices 16/12/2021
Simplesmente Extraordinário
A Luneta Mágica é um clássico da literatura brasileira, onde Joaquim Manuel de Macedo nos apresenta a Simplício, um rapaz que sofre tanto da miopia física quanto de miopia moral, e sua vida parece ressaltar esse seu defeito, o que o transforma em um homem ingênuo e cumplice de sua própria ingenuidade, já que o livro - narrado em primeira pessoa - nos entrega uma face irônica e sarcástica de Simplício, mas que ao mesmo tempo pode ser confundida com uma inocência demasiada grande, que chega a o transformar em um homem bobo, mas um bobo autoconsciente. Simplício então encontra um misterioso homem, um mágico, que promete lhe curar de sua cegueira com uma luneta mágica. Com este artefato, Simplício passa a enxergar muito além das aparências: ele é capaz de ver o bem e o mal nas pessoas.
O primeiro livro que li de Joaquim Manuel de Macedo foi "A Moreninha", um romance humorístico que eu particularmente apreciei muito e logo quis ler mais alguma das obras do romancista, foi então que pesquisando me deparei com "A Luneta Mágica", um livro que fugia muito da temática lírica e ao padrão de Joaquim que vi em seu primeiro livro. Macedo se desfaz de seus personagens previsíveis e cede lugar ao fantástico. O livro tem um ar muito mais filosófico, onde aborda temas como bondade, maldade, justiça, morte, liberdade, ética e moral.
No início Simplício recebe uma luneta da visão do mal, que faz com que veja apenas o maligno que há em cada ser humano, em cada animal, e em cada objeto. Após perceber que estava rodeado de abutres que buscavam apenas seu dinheiro decide quebrar sua própria luneta, para que assim não precise ver mais a horrenda alma dos outros. Mas arrependido volta ao mágico que lhe produz uma nova luneta, a que possui a visão do bem, que como a da maldade, permite que ele veja apenas a bondade em tudo e todos, e então somos apresentados à cegueira consciente, que nos leva a minha passagem favorita: A beleza da morte.
"Eu vi a morte - mal julgada,[...] pela morte o escravo é livre, a criança e a virgem são anjos, a esposa, jovem, a matrona e a velha, santas, a mundanaria é Madalena purificada, o malvado, o celerado são arrependidos que se regeneram, o desgraçado é feliz, o mudo tem voz, o paralítico voa, o surdo ouve segredos, o cego vê nas trevas, o desgraçado é perfeitamente feliz!... A morte é o Jordão que lava as culpas...", céus, como eu amo reler e reler essas passagens, que mostram o temor que comumente temos da morte, o que na realidade, é algo vital, é a única coisa que temos total certeza de que irá acontecer: a morte. E o temor pelo fim se fez presente quando me vi nas últimas páginas do livro, que simplesmente tomou meu coração.
É uma leitura magistral, a cada página somos surpreendidos por novas ideias, a Luneta Mágica é um dos livros não tão famosos de Joaquim Manuel de Macedo, o que é muito injusto. Pois ver um escritor, tipicamente do romance poético e novelesco, passar a ter um olhar político e filosófico é sensacional. São 226 páginas embaladas de grandes passagens, grandes momentos, grande protagonista e muita densidade, o que chega a ser difícil de se alcançar em um romance curto. Demorei tanto para escrever uma resenha sobre pois temia que não conseguisse demonstrar tudo que mais amei no livro, e ainda acredito fielmente que não pude colocar em palavras todo o meu carinho por esta história que traz um pensamento de dualidade tão bem construído onde você se pega sendo enganado pela narrativa. Imagine poder enxergar todas as intenções das pessoas a sua volta, aceitaria esse poder? Eu acharia muito perigoso, mas ficaria tentada.
A Luneta Mágica é um livro perfeito que acredito que mereça uma chance de todo mundo, e como prova, foi para meus favoritos sem sombra de dúvidas! Sinto muito pela resenha um tanto vaga, porém desta vez terá de ver com seu próprios olhos o vislumbre da visão do bom senso.