spoiler visualizarAnna Carol 10/06/2014
Um breve passeio pelo Renascimento
Em O Renascimento, Nicolau Sevcenko aponta as implicações do período renascentista, como movimento e momento histórico, na formação da sociedade atual. Ele percorre pelos principais pontos onde os humanistas atuaram durante o período, como a educação, religião, política, economia, artes plásticas, literatura, que resultaram em uma nova ordem cultural, emergente da ruptura do feudalismo e surgimento do sistema capitalista.
Com o fim da Baixa Idade Média, fatores como a Peste Negra, Guerra dos 100 Anos e revoltas populares influenciavam para a dissolução do sistema feudal. De acordo com o autor, “Com o declínio demográfico causado pela guerra e pela peste, os senhores feudais passaram a aumentar a carga de trabalho e impostos aos camponeses remanescentes, a fim de não diminuir seus rendimentos. Era contra essa super exploração que os trabalhadores se revoltaram. A solução foi adotar uma forma de trabalho mais rentável, através da qual poucos homens pudessem produzir mais” (p. 7). Neste contexto surgia uma nova perspectiva de mercado. A monarquia criou condição política para a definição dos mercados nacionais, e regularização da economia internacional, recebendo apoio da burguesia.
Toda essa situação estabeleceu uma nova ordem social. Estimulou a capacidade criativa da personalidade humana sendo um período de grandes invenções tecnológicas, como a imprensa. “O desenvolvimento do saber e do comércio se reforçavam mutuamente” (p.12). Para tanto, foi estabelecida também a separação do tempo com a criação do relógio, para, por exemplo, definir as jornadas de trabalho. “O próprio tempo tornou-se um dos principais artigos do mercado” (p.13)
Essas modificações sociais deram vertente para que indivíduos que questionavam a ordem se manifestassem com novas ideias. O termo humanista consolidou-se no seculo XV, mas em séculos anteriores já haviam pessoas que se esforçavam em modificar e renovar o padrão de estudos ministrados nas universidades medievais. A educação foi um dos principais pontos em que os humanistas atuaram. As universidades guiadas pela igreja, eram focadas em direito, medicina e teologia. Na busca pela revitalização dos estudos baseada nos estudos humanos, os humanistas propunham o estudo da poesia, história, filosofia, matemática, e eloquência. Ainda prezavam o estudo das línguas clássicas (latim e grego), além de árabe, hebraico, aramaico, para o estudo dos textos da Antiguidade Clássica e exclusão dos Manuais Medievais. A intenção era claramente: “Abolir a tradição intelectual medieval e de buscar novas raizes para a elaboração de uma nova cultura” (p.14).
Resgatando as ideias dos filósofos gregos, os humanistas buscavam libertação das ideias impostas pela igreja. Como o autor define, “Crítica cultural, crítica filológica, critica histórica: a atividade crítica, como se pode ver, foi uma das características mais notáveis do movimento humanista” (p.16).
Haviam diversas correntes dentro do humanismo, surgidas de diferentes interpretações dos textos clásssicos. Uma das mais significativas foi o Platonismo, com grande efeito nas produções cultrais e tinha como característica a filosofia da beleza, onde “Todo belo é uma manifestação do Divino”. Outra corrente muito importante foi a escola de Padua, ligada a Aristóteles, que envolvia estudos voltados para medicina. Copérnico e Galileu são ícones dessa corrente.
Um destaque do renascimento foi a importância dada para as artes como ferramenta de transformação cultural e expressão dos ideais renascentistas. Para isso, o segmento teve grandes investimentos: “Esses financiadores de uma nova cultura, burguesia, príncipes e monarcas, eram chamados mecenas, isto é, protetores das artes. Seu objetivo não era somente autopromoção, mas também a propaganda e difusão dos novos hábitos valores e comportamentos” (p.25).
A arte renascentista contrapunha a arte medieval. No lugar de uma arte estática, rústica, inalterável e sagrada - como a sociedade que ela representava - a arte renascentista dava um “toque mais humanizado, dando maior expressão às figuras, demonstrando ainda a preocupação de produzir uma certa ilusão, espaço, e movimento em suas composições” (p.28)
Ainda haviam técnicas características do movimento renascentista com a perspectiva intuitiva, a técnica do “olho fixo”, trazendo complexidade pra arte que se tornou também científica. Os artistas passaram a ser mais valorizados nas grandes cidades. Os pintores ousaram pela primeira vez pintar-se a si mesmos, infringindo os privilégios que antes eram exclusivos aos santos, nobres e burgueses.
A literatura e teatro, além de gerar grandes obras, foram ferramentas importantes para a criação de línguas nacionais e divulgação das ideias renascentistas. Estudos linguísticos e filológicos dos humanistas permitiram a constituição de vários idiomas nacionais pela europa. Ao traduzir as obras, os humanistas faziam com que camadas mais amplas da população tivessem acesso a esses materiais.
Ideais como antropocentrismo, racionalismo, individualismo e até hedonismo circularam sobre o movimento renascentista e permanecem enraizados na sociedade contemporânea. São resultado de uma crítica a cultura tradicional, que surgiu na Europa, se disseminou pelo mundo, e permitiu grandes mudanças sociais que a geração atual tem como herança. Se hoje temos acesso à filosofia clássica, devemos créditos aos indivíduos que, mesmo sofrendo perseguições e resistência principalmente por parte da igreja, fizeram com que a sociedade tivesse acesso a ideias e reflexões que resultaram no desenvolvimento e modo de vida social atual.