m.francisca 26/07/2021
Abalos sísmicos civilizacionais em perspectiva: a massa amorfa anistórica chamada "Oriente Médio"
Bernard Lewis teve no início do século um papel intelectual muito valoroso na elaboração da invasão no Iraque pelo governo Bush. Foi o que o New York Times, à época, consagrou como “A Doutrina Lewis”: uma agenda política que seria implementada pelo governo americano de democratização dos países “islâmicos”, partindo então do exemplo do Iraque, invadido pelos Estados Unidos da América em 2003, um ano após a publicação de O que deu errado no Oriente Médio? e dois anos depois dos atentados do 11 de Setembro. E é com essa missão em perspectiva que Lewis trafega e expõe neste bestseller sobre "o que deu errado no Oriente Médio", o que quer que isso signifique.
No livro, o autor adota termos como “o Oriente Médio” e “os muçulmanos”, em construções como “O Oriente Médio tinha dificuldade” (LEWIS, 2002, p.56) e “os muçulmanos (...) continuavam inibidos” (LEWIS, 2002, p.59); são estas construções “pronunciadas num nível extremo de generalização e quase sem menção às diferenças entre os muçulmanos individuais, entre as sociedade muçulmanas, entre as tradições e eras muçulmanas” (SAID, 2007, p.454). Nesse processo, constrói um Islã quase puro, alheio ao movimento e às dinâmicas sociais e culturais, algo etéreo que pairava sobre o “Oriente Médio” e, extirpados da própria historicidade, ainda paira com os mesmos contornos séculos depois; “uma espécie de pecado original da revelação divina a Maomé que condiciona todo o futuro” (BORTOLUCI, 2009, p.62). Simplificar é, via de regra, escamotear o fundamental. E a primeira tarefa para um historiador evitar a simplificação é tratar os povos estudados como homens e mulheres igualmente complexos à quem os enuncia.
Pensar o que “deu errado” no Oriente Médio sem considerar esta dimensão da dominação dos povos árabes é de fato um aspecto limitador da retórica imperialista. Edward Said sintetiza bem: “A tática de Lewis é suprimir uma quantidade significativa de experiência histórica” (SAID, 2007, p.455). Reduzir a experiência histórica é, também, negar a agência dos povos do “Oriente Médio”, o que permite a promessa de liberdade da “terra dos livres”.