spoiler visualizarNilda 18/01/2015
As nuvens são o alfabeto do céu: resenha do livro A vida no céu
E se a vida em terra firma não fosse mais possível? Como será a vida no céu? Mas não estamos falando do céu dos deuses, o paraíso. Estamos falando de morarmos nas nuvens, suspensos em balões, em grandes dirigíveis, ligados uns aos outros, formando grandes cidades flutuantes.
Em "A vida no céu" já não é mais possível viver na terra, a água cobre todo o planeta e a temperatura é alta demais. É com esta premissa que o escritor Agualusa desenvolve esse fascinante e poético romance.
Depois do dilúvio, apenas um por cento da humanidade conseguiu ascender aos céus, escapando do inferno, que ficou a terra.
"Os meus olhos viajam mais do que as minhas pernas. O meu pensamento mais do que os meus olhos. Sentei-me no convés, contemplando o laborioso espetáculo do vento esculpindo nuvens, criando, a cada instante, novas figuras. Aquilo sempre me fascinou". Quem nunca observou as nuvens e nelas avistou as mais diversas figuras!? As nuvens são o alfabeto do céu.
O protagonista e narrador Carlos Benjamim Tucano, um jovem de dezesseis anos, nos leva por uma viagem em buscar do seu pai, desaparecido em uma noite de tempestade. Confiando que o pai está vivo, Carlos parte à sua procura. Ao longo da viagem, vai juntando companheiros e somando mistérios. São um "bando de nefelibatas em busca de um pouco de chão".
Em "A vida no céu", Carlos faz parte da geração que já nasceu no céu. A sua aldeia chama-se Luanda. É uma aldeia biblioteca, que preserva a memória escrita do homem. As cidades e aldeias flutuantes são nomeadas segundo os seus locais de origem. E cada uma é especialista em uma atividade.
Os mais ricos construíram dirigíveis, são as grandes cidades flutuantes, Paris, New York, Xangai, Tóquio, etc.. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre são as grandes cidades brasileiras. Já os mais pobres vivem em balões unidos por cabos fosforescentes, formando aldeias.
As pessoas que um dia viveram na terra, sonham com o chão, sonham em "correr livremente, sem nunca tropeçar em paredes", sonham com o cheiro da terra molhada, em descender à terra prometida. Sentem saudade do mundo que habitaram e que deixou de existir. Já os nativos do céu não compreendem muito bem a nostalgia dos imigrantes da terra. No entanto, os nascidos no céu, sabem que "o céu é mais bonito havendo mar e havendo terra".
Mas a vida no céu não é um caos, um apocalipse. Nestas cidades flutuantes a tecnologia é de ponta. Há internet (a rede social Facebook ainda existe. Há radares e meios sofisticados de navegação. Pois, enquanto o mar inundava a terra, houve tempo para prepara tudo. O petróleo continua a ser usado como um dos meios de propulsão.
É evidente que Agualusa faz referência às consequências do aquecimento global, como, por exemplo, ondas gigantes capazes de inundar a terra e as altas temperaturas. Mas o autor não para aí. Ele aponta para possíveis formas de sobrevivência, com soluções tecnológicas. Só depende do ser humano.
Mas se, em "A vida no céu", o homem foi competente, ao construir um céu para viver, não podemos dizer o mesmo em relação aos velhos problemas que assola as sociedades.
Vejamos alguns desses problemas. A sociedade continua sendo baseada na descriminação e na desigualdade. Os grandes dirigíveis são de acesso restrito; Os pobres que conseguem um emprego nessas "naves" são explorados pelos mais ricos. É esse ponto, talvez, seja o mais significativo da narrativa. O céu não redime o homem. A humanidade ainda não encontrou o caminho harmônico consigo próprio e com a natureza.
"A vida no céu" é daqueles livros que nos fazem sonhar sonhos macios, como uma nuvem. Como o próprio autor fala, é um romance para jovens e outros sonhadores.
Por fim, vale ressaltar que o livro cita a música Índio, de Caetano Veloso, o que é extremamente significativo, uma vez que o romance se volta para os primeiros povos que habitaram as terras da América. Talvez, seja esta a terra prometida, onde os povos vivem em harmonia com natureza. Há, também, no livro, entradas do dicionário dos nefelibatas, antes de cada capítulo, o que evoca, talvez, o desejo de um mundo ideal.
"Terra: para a maioria dos filhos do céu, a terra é uma fantasia dos velhos. Para os velhos é um sonho no qual eles próprios já não acredita".
site: http://www.osnosdarede.com/2014/09/as-nuvens-sao-o-alfabeto-do-ceu-resenha.html