rxvenants 24/01/2024Uma resenha que ainda não explica a genialidade desse livroQue livro incrível.
Se você gosta de livros que te vão te fazer pensar na história por muito tempo, te fazer repensar todas as suas conclusões no final da leitura, personagens não confiáveis e narrativas incertas, Poor Things (Pobres Criaturas) é o livro pra você.
Não costumo colocar um resumo da história na resenha, mas sinto que é importante pra essa aqui em específico.
Na história de Poor Things, Alasdair Gray é o editor posterior do memoir de Mr. Candless, que escreve sobre a vida de sua esposa Bella Bexter e seu (não tão) amigo Godwin Bexter.
Em seu memoir, Candless diz que Godwin aperfeiçoou de seu pai a prática de trazer pessoas dos mortos e fazer cirurgias como trocar o sexo de pessoas e fazer o cérebro de um bebê ir parar na cabeça de pessoas adultas para salvá-las da morte sem complicações, o que ele diz ter acontecido com Bella Bexter.
E aí vamos acompanhar o autor falando sobre a vida de Bella até que chegamos no final de seu memoir e a própria Bella, ou Victoria (mas aí vale de você ler o livro pra saber o motivo), contestar a escrita do marido e tomar as rédeas de sua própria narrativa.
O livro é separado em Poor Things A, com a narrativa de Candless e Poor Things B, com a de Bella.
É definitivamente um dos livros mais interessantes que já li e acho que o único livro que me fez querer reler imediatamente depois de terminar a leitura.
Eu já sabia sobre a intenção do livro antes de lê-lo, mas também li alguns artigos sobre o livro, principalmente porque quero saber o máximo antes de ver o filme e um que me ajudou bastante a complementar meus pensamentos sobre Poor Things foi o da universidade de Glasgow (Unreliable Narrators: Poor Things and its paradigms de Philip Hobsbaum).
Alasdair foi um GÊNIO na forma que construiu esse livro. É muito fácil se levar pela narrativa de Candless quando você lê a sinopse se há referências à Frankenstein.
Por grande parte da leitura você é levado a crer que é um livro de ficção científica e fantasia e quando você é confrontado com outra ideia mais real no final do seu memoir, é um choque bem grande.
Ter esse discernimento entre Poor Things A, com uma narrativa fantasiosa que te prende e Poor Things B, com a própria personagem dizendo sobre a vida e falando como tudo é uma grande mentira te deixa pensando bastante no final da leitura. Principalmente quando ela mesma cita uma das inconsistências do marido na escrita e sua semelhança com Frankenstein, Drácula e histórias da época Vitoriana.
Esse foi um dos motivos que me fez querer reler assim que terminei: pesquisar todas os "fatos" que Candless apresenta e tentar descobrir as mentiras que ele conta.
É um livro que te oferece diversas possibilidades e apenas a sua opinião pode te levar pro caminho "certo". Não tem nada que indique qual é a realidade do livro, é somente você e sua vontade depois da leitura.
É uma narrativa que pode apresentar dois personagens não confiáveis ou apenas um e só você escolhe o caminho. A única coisa que é certeza é que não tem a possibilidade de ambos estarem falando a verdade.
Até mesmo Alasdair que é o "editor" do memoir de Candless não é confiável. Ele mesmo diz no começo que foi contrariado pelo historiador que o contratou para publicar o livro: "Michael Donnelly me disse que acharia as evidências acima mais convincentes se eu tivesse obtido cópias oficiais das certidões de casamento e óbito e fotocópias das reportagens dos jornais, mas se meus leitores confiam em mim, não me importo com o que um ?especialista? pensa."
Ele bota mais lenha na fogueira com suas reportagens sem crédito, mas que fazem sentido, e seu parágrafo final que fica ambíguo no significado.
É definitivamente uma das experiências mais legais que já tive lendo e ainda vou me pegar pensando em quem acredito (se é que acredito em alguém) pro resto que me lembrar dessa leitura. Muito incrível. Arte.
Outras coisas que gostei foram a personagem Bella, não só pela perspectiva dela mesma, mas pela de Candless.
É uma mulher bissexual que almeja a liberdade e a independência de diversas formas. São liberdades diferentes em ambas perspectivas, mas ainda assim bem legais.
Confesso que não li muitos artigos sobre as opiniões do autor tanto quanto li sobre a escrita em si, mas gosto de diversos pontos que ele coloca na leitura.
Não sei muito sobre quem Godwin deveria representar, se é Deus mesmo (apesar de que ele é o Deus de Bella) ou apenas uma pessoa extremamente boa, mas sua orientação para a Bella é linda.
A Bella é a definição pura de feminista. Não sei se o autor concorda ou discorda da visão, mas eu amei. Me fez pensar muito sobre liberdade sexual e independência das mulheres, anti-colonialismo e hipocrisia masculina.
É uma leitura fantástica. Sinto pena dos amigos que irei importunar sobre esse livro.
Não consigo descrever a genialidade de Poor Things e estou extremamente ansiosa pelo filme.
Pra terminar, deixo aqui minha frase favorita, que me deu um baque no meio da leitura.
Bella, no final de sua viagem de descoberta pessoal e sexual, antes de voltar para casa, encontra alguém conhecido de Godwin que está disposto a ajudá-la com dinheiro para voltar à cidade "natal", mas pede em retorno que ela fale sua experiência na viagem em uma reunião estilo palestra em que vários homens irão pensar e discorrer sobre estudos sobre as mulheres.
Ela conta sobre o que passou e como ver a miséria em Alexandria da época a fez repensar na vida e ser uma pessoa que quer mudar o mundo. O homem pede que ela fale sobre isso e chore histericamente como ela chorou contando isso pra ele.
Então, ela diz:
"Suponho que irá dizer que a minha pena pelos pobres é causada por um sentimento deslocado de maternidade."